Aos 85 anos, o antigo presidente do clube encarnado abriu-nos as portas de casa para falar sobre uma das grandes paixões da sua vida: o futebol. Um homem em paz com o seu legado, que continua a seguir atentamente a realidade do Benfica e a marcar presença nos jogos.
Antes de ser presidente do Benfica, o que fazia profissionalmente?
Comecei a trabalhar com 14 anos. Posso dizer que era um empresário no ramo do imobiliário e diversifiquei um pouco noutras áreas, mas já era uma pessoa com capacidade financeira antes de ir para o Benfica.
O seu amor pelo clube vem do berço? Em que momento é que se sentiu benfiquista?
O meu pai não era um homem de muito futebol, mas tinha um amigo na escola que era benfiquista e íamos para casa dele jogar. Tinha tudo o que era do Benfica. Senti-me benfiquista talvez com cinco anos, aquela idade em que já começamos a ter alguma responsabilidade própria. A minha maior ambição era ser sócio, mas não tinha possibilidades financeiras de pagar as quotas e só quando comecei a ganhar algum dinheiro, aos 16 anos, é que me inscrevi como sócio. Aí, já era ‘doente’ pelo Benfica.
Foi eleito presidente em 1994, com uma estrondosa vitória de 87%. O que o motivou a candidatar-se?
Nunca me passou pela cabeça ser presidente do Benfica. Nessa altura, tinha outros negócios e estava numa fase da minha vida com muito que fazer. Mas não aparecia ninguém a querer tomar conta daquilo, nem a querer lá pôr dinheiro. Fui para o Benfica porque pessoas importantes naquela altura, e também grandes benfiquistas, não deram esse passo importante, não apareceram.

“Não havia dinheiro nem para o papel higiénico”
O clube enfrentava, à data, vários desafios financeiros. Quando decidiu candidatar-se, teve algum receio do que poderia encontrar se fosse eleito?
Eleito eu era de certeza, porque não apareceu mais ninguém. As pessoas viam em mim seriedade e as capacidades de um bom gestor. Não me assustei com nada, porque sabia o valor que tinha e o nome que o Benfica tem, e acreditava que ia conseguir pôr aquilo nos eixos. Nunca pensei é que fosse tão grave. Havia muitos ordenados em atraso, de funcionários e de jogadores — tinham justa causa para ir embora. Não havia dinheiro nem para o papel higiénico.
O que fazia bem era negociar — negociar o que o Benfica devia. Obviamente, que pus lá uma grande importância e, com esse dinheiro, começou-se logo a pagar as primeiras dívidas e a arranjar receitas para o clube. Por exemplo, fui eu que levei a Adidas para o Benfica. Quando cheguei à Adidas, nunca ninguém tinha pedido três camisolas por jogo e eles perguntaram-me: “para que quer as três camisolas por jogo?” Eu disse: “olhe, uma porque o jogador quer levar para casa e tem esse direito; outra quero que ele distribua pelo público; e a outra fica em stock, a fazer rotação”. E então ficámos com a Adidas nas camisolas, que também foi bem negociado. Fui empurrado pelas circunstâncias e pensei que seria mais fácil. Foi muito, muito complicado, mas consegui pôr o Benfica melhor.
Qual foi a maior alegria que teve enquanto presidente do Sport Lisboa e Benfica?
A maior alegria foi ter ‘dado’ 6-3 ao Sporting [risos], pois tinham a melhor equipa de sempre. Foi uma alegria, ainda hoje gozo com eles. Estávamos a um ponto — se perdêssemos, passavam-nos e não ganhávamos o campeonato. Agora, pondo de lado a minha satisfação pessoal, o meu grande mérito foi ter conseguido, juntamente com aquele meu conselho fiscal, pagar todas as dívidas do clube.
“O Luís Filipe Vieira esteve muitos anos e depois acho que aquilo começou a ser gerido como se fosse uma empresa dele”
Em 2018, numa entrevista à Rádio Renascença, foi questionado sobre Luís Filipe Vieira a propósito de casos de corrupção na Luz, e parecia acreditar na sua inocência. Com tudo o que é público hoje, arrepende-se de ter feito esta afirmação?
Arrependo-me. Apoiei o Luís Filipe Vieira em todas as suas candidaturas e achei que ele até veio para o Benfica fazer o bem. Mas depois não se pode estar tantos anos à frente do Benfica, ou de qualquer outra coisa: tem de se dar o lugar a outras pessoas com outras ideias. Por exemplo, o que o Benfica fez sempre mal foi não ouvir ex-presidentes. O Luís Filipe Vieira esteve muitos anos e depois acho que aquilo começou a ser gerido como se fosse uma empresa dele. Ele, mal ou bem, é de facto um ex-presidente do Benfica e teve o seu mérito.
Quando Vieira foi detido, em 2021, acreditou que Rui Costa seria o sucessor ideal?
O Rui Costa era uma experiência que tinha que ser feita no Benfica. Disse isso publicamente e apoiei-o. Porquê? Todos os jogadores, principalmente os grandes jogadores, acham — e é natural — que sabem de futebol, e que os presidentes não. E eles, sabendo de futebol, acham que podem fazer um trabalho melhor. Mas esquecem-se de uma coisa: não é preciso, de facto, saber de futebol. O que deviam fazer era meter um diretor desportivo conhecedor, sério e de confiança, muito bem pago, que fizesse o papel desportivo de “muleta” ao presidente.
O presidente tem de fazer a gestão do clube, tem de ter personalidade, tem de ter contactos, tem de meter o Benfica com contactos internacionais. Hoje, olhamos para o camarote do Benfica, que foi feito para ter pessoas importantes, e são só jogadores de futebol… Era uma experiência que tinha que ser feita e o Rui Costa era a pessoa indicada para essa experiência. Atualmente, para ser presidente do Benfica já não é preciso ter dinheiro. No meu tempo era preciso — para emprestar ao clube —, agora não.

“Ainda há duas semanas fui à loja do Benfica com os meus netos… deviam estar para ali 400 pessoas e toda a gente me respeita”
Continua a ir ao estádio?
Tenho um camarote desde o início da fundação do novo estádio. Não me apetecia ir para o camarote presidencial — ao qual tenho acesso a dois lugares, como todos os ex-presidentes — porque, quando lá estou, já não tenho idade para ouvir “isto está melhor do que no teu tempo” ou então “tens que voltar, que isto está uma porcaria”. Já não tenho nem idade, nem feitio.
Por isso, tenho um camarote que é ao lado do camarote onde ficam as mulheres dos jogadores e os jogadores que não jogam — é logo o primeiro privado [risos]. Decorei as paredes com a minha equipa que ganhou o campeonato e, na outra parede, as 120 mil pessoas a comemorar o campeonato no antigo Estádio da Luz.
Já deve ter sido alvo de bastantes críticas, mas também de bastantes elogios. Consegue dizer qual foi a crítica e o elogio que mais o marcaram?
Quando saí do Benfica e aquele Vale e Azevedo fez algumas injúrias — que eu tinha posto uns charutos nas contas do Benfica, sei lá, coisas sem nexo —, quando a gente tem a consciência tranquila, magoa-nos. Mas, quer dizer, quem era ele para me poder magoar? Ainda há duas semanas fui à loja do Benfica com os meus netos, comprar camisolas e outras coisas. Deviam estar para ali 400 pessoas e toda a gente me respeita. Não quero exagerar, mas 30 ou 40 pediram para tirar fotografias comigo. O Benfica é um clube do povo. O Sporting é de doutores e barões; agora, o Benfica toda a vida foi um clube do povo. Por isso, a gente tem que respeitar a base do nosso clube. E eu também sou do povo.
Com 85 anos, e com tudo o que conquistou, sente-se realizado ou ainda há mais alguma coisa que queira fazer?
Agora tenho uma missão, que é passar aos meus filhos aquilo que eu sei fazer, o que fiz toda a vida. Vocês vejam bem: tenho aqui [telefone] a Inteligência Artificial. Sou um velho, mas estou sempre a tentar. Apesar de esta já não ser a minha época, tentei sempre estar bem instruído e acompanhar o futuro. E é essa a minha missão: passar aos meus filhos o que sei.






