Diretor de programação da Mega Hits, Nelson Cunha tem dedicado grande parte da sua carreira ao público jovem e à descoberta de novos talentos. Nesta entrevista, fica evidente não só a satisfação com que desempenha as suas funções, mas também o amor pela rádio.
Dirigimo-nos aos estúdios da Mega Hits, localizados em Lisboa, na Estrada da Buraca, parte integrante do Grupo Renascença Multimédia. O interior é composto por várias salas protegidas do ruído exterior. Nelson recebe-nos no seu gabinete com um sorriso. Formado em Comunicação Social e com passagens pela televisão — em 1997, na SIC, e em 1998, na RTP, sempre associado a programas de entretenimento —, o seu nome é sinónimo de trabalho, respeito e simpatia. Atarefado, sempre com o telefone e o computador a tocar, nunca perdeu, contudo, a descontração nem o foco na entrevista.
Formou-se em Comunicação Social e fez formações na área de entretenimento e produção de conteúdos. Como surgiu a ligação à rádio?
Comecei a fazer rádio com 18 anos, [em 1993] na altura numa rádio local, a Rádio Voz de Almada. Depois da faculdade tirei um curso de formação muito específico na área de jornalismo, no CENJOR. Na altura, foi o primeiro centro de formação profissional para jornalistas. Aliás, o curso foi tirado logo no segundo ano de vida do CENJOR. Tudo começou aí… há muito tempo.
Atualmente desempenha o cargo de diretor de programação da Mega Hits. Quais são as suas principais responsabilidades?
Ver se eles [locutores] se divertem a fazer rádio, porque isso para mim é o fundamental. Que trabalhem, obviamente, que sejam profissionais e cumpram todas as suas tarefas enquanto locutores de rádio, mas, acima de tudo, perceber se o que estão a fazer vai em direção ao público e se estão focados naquilo que é a nossa mensagem. Tenho que estar constantemente em cima, porque existem muitos focos de distração. O foco que realmente é importante é quem nos está a ouvir, para evitarmos estar a falar na rádio e as pessoas terem aquela reação tipo ‘o que ele está a dizer?’ Isso é a pior coisa que pode acontecer.
“A rádio tradicional foi sempre anunciada como estando acabada, que ia morrer…”
Quais são os maiores desafios na gestão de programação de uma rádio focada em jovens, considerando as mudanças rápidas nas tendências e interesses do público?
A Mega FM foi criada em 1998. Em 2009 alterámos o nosso posicionamento para a Mega Hits e, desde 98, fazemos algo que em Portugal não era muito comum, que é estudos de mercado. Permite-nos, desde sempre, perceber o que é que vocês ouvem, onde é que vocês estão, o que é que gostam, o que é que não gostam, como reagem à música A ou à música B… Se calhar, agora estamos a gostar de uma música de manhã, à tarde já não. Portanto, temos de perceber como é que vamos ter em consideração a rotação dessas músicas ao longo do dia e em períodos específicos da semana.
Como é realizado o processo de seleção das músicas e programas da Mega Hits?
Quanto aos programas é muito relativo, porque vem um bocadinho daquilo que nós estudamos na estratégia. Ou seja, tentar perceber a personalidade daquele animador A, B ou C e qual o horário em que eles poderão fazer mais sentido. Por exemplo… temos o programa da manhã, o SNOOZE, com a Pilar, a Joana e o Zé. Eles têm uma personalidade que combina muitíssimo bem com a energia que nós pretendemos para de manhã. O mesmo com a Catarina Maia, o Luís Pinheiro e a Madalena Costa, à tarde, num regresso a casa onde a energia não é tanto aquilo que nós pretendemos ouvir. Quanto à música… é a que nós temos de referência de lançamentos, que estão nos tops, que estão nas tendências. Fazemos um estudo, uma pesquisa diária, mas semanalmente temos resultados sobre músicas novas. Perante isso, e tendo em conta os números, fazemos então uma combinação para perceber onde é que essas músicas encaixam.
Qual é o impacto das plataformas digitais (como o Spotify e YouTube) e das redes sociais na rádio tradicional?
A rádio tradicional foi sempre anunciada como estando acabada, que ia morrer… Aliás, há uma música muito conhecida, que é o Vídeo Killed The Radio Star… Quando a MTV surgiu, que era o ícone da altura, pensou-se que os videoclipes iriam matar as estrelas da rádio, e não aconteceu. Na verdade, ainda veio aumentar mais a popularidade das personalidades. (…) Quando ouvia alguém na rádio dizer ‘este disco é muito bom, tens de ir comprar, tens de ir ouvir’, eu ia, ponto. Não tinha, na altura, o Instagram como temos agora, não tínhamos o TikTok como está difundido agora. Havia uma proximidade do Radiohost ou do TV host para com o consumidor muito grande, era ele que influenciava. Hoje em dia, temos o tradicional a converter-se muito facilmente para o digital. O digital é recente, mas está sempre a evoluir, obviamente, mas o tradicional tem uma vertente muito importante que é a credibilidade e a veracidade. A rádio é verdadeira, é muito próxima e é direto, enquanto que tu fazes um vídeo no YouTube e editas.
Sente saudades de outros tempos, de uma outra rádio, ou está a acompanhar e a gostar desta evolução?
Eu adapto-me muito bem a toda a evolução. Aliás, eu gosto sempre de coisas novas, por isso é que ainda estou na Mega. Gosto muito de descobrir talento, de descobrir música nova, de descobrir novas tendências. Não gosto só da música do meu tempo. Há sempre coisas novas todos os dias.
“Gosto muito de descobrir talento, de descobrir música nova, de descobrir novas tendências”
A Mega Hits tem sido uma plataforma importante para lançar novos talentos na área da comunicação, como o Vasco Palmeirim ou Joana Gama. Que qualidades e características procura nestes jovens?
Primeiro, espontaneidade. Espontaneidade é muito importante. Depois, uma energia contagiante (…) É muito importante perceber que talentos é que existem por aí e que estão na faculdade, não estão na faculdade, estão noutras áreas do entretenimento, do desporto ou da cultura em Portugal e que podem ser boas personalidades para a rádio. A idade não é uma cena, bem como a formação também não é uma coisa, eu tenho economistas formados que estão a fazer rádio na Mega. Portanto tu não tens de ser propriamente uma licenciada em Comunicação Social para fazer rádio ou televisão. Tens de ser um bom comunicador, isso é a parte mais importante, mais crucial.
Que conselho daria a estudantes interessados em seguir uma carreira na área da Comunicação e na rádio…
Formem-se, experimentem, testem-se, sejam muito observadores. Andem com um bloco de notas a apontar coisas que acontecem no dia-a-dia, porque podem ser muito inspiracionais para escrever textos para eventualmente rádio. Porque essas notas, para nós locutores, são como um repórter, que quando vai para um exterior tem de ser muito visual, tem de perceber como está o dia, quais são as cores… Na rádio falamos para pessoas cegas. São as pequenas imagens que descrevemos quando estamos a ver, que quem está a ouvir, vai criando e pintando o seu próprio quadro. Portanto, sejam muito observadores, estejam muito atentos ao que é feito em Portugal, na rádio. Oiçam boas rádios, existem muito boas rádios por aí, a Mega Hits é uma delas, mas há mais. Façam-se à estrada, façam-se ao piso, mandem currículos, simulem gravações de rádio, mandem para o meu email, falem comigo. Tirem um curso, não é determinante, mas tirem um curso… formação é importante. De qualquer maneira, a melhor formação é aquela que nós temos em casa.
“Fico muito feliz com o sucesso dos outros”
E se pudesse dar um conselho a si próprio quando começou a carreira na rádio, qual seria?
(Risos) Se calhar podia ter olhado um bocadinho mais para mim e não tanto para os outros. Ou seja, eu preocupo-me muito com o bem-estar daqueles que coordeno e se calhar descurei um bocadinho a parte de uma carreira que poderia ter tido um bocadinho mais de impacto. Mas está tudo bem, sou feliz na mesma. Eu fico muito feliz com o sucesso dos outros. Fico muito feliz com o sucesso do Vasco, fico muito feliz com o sucesso da Catarina Palma, ou da Catarina Maia, da Mafalda Castro ou da Maria Correia. Fico muito contente com a forma como eles estão neste momento a fazer rádio ou a trabalhar em comunicação. Mesmo tendo em consideração que eles por aqui passaram, construíram o seu caminho e também foram úteis para aquilo que hoje a Mega é. Portanto, acho que não mudava nada.