Recentemente distinguido com o Prémio Artur Agostinho de Rádio 2025, atribuído pelo CNID — Associação dos Jornalistas de Desporto —, António Botelho é uma das vozes mais marcantes do jornalismo de desporto em Portugal. Nesta entrevista, fala sobre a sua trajetória, os desafios na profissão, a paixão pela Seleção Nacional de Futebol e alguns dos momentos mais marcantes da sua carreira.
Licenciou-se em Gestão do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana. De que forma esta formação influenciou a sua abordagem ao jornalismo de desporto?
Não influenciou muito. Já queria fazer jornalismo antes de tirar esse curso. Foi uma forma de ganhar alguns conhecimentos noutra área, paralela ao jornalismo. A vertente do desporto sempre esteve presente na minha vida. Cheguei a jogar futebol, segui desde muito pequeno a modalidade e o desporto nos órgãos de comunicação social. Daí essa minha paixão pelo jornalismo. Quando entrei para essa área vinha com a ambição de ser jornalista. Desenvolvi vários conhecimentos em vários desportos nesse curso para exercer a profissão como jornalista do desporto… estou mais bem preparado para as regras de várias modalidades, para o conhecimento de outros aspectos desta.
Começou no Desporto Na Hora como narrador e repórter. Como foi o início da sua trajetória no jornalismo e quais foram os maiores desafios que enfrentou?
Se ouvir uma reportagem ou relato de há uns 12 anos, que foi quando comecei, houve uma evolução tremenda. As pessoas com quem construí a minha curta carreira foram-me ajudando em vários aspetos. O desafio foi adaptar-me à profissão sem ter a base académica. Não estudei jornalismo e fui sempre exercitando a parte dos relatos paralelamente. O mais difícil foi adquirir esses conhecimentos na rádio e na TSF, com a ajuda das pessoas que estão há muito tempo no ramo e que me foram ensinando a fazer jornalismo e a respeitar as regras que devemos seguir como jornalistas.
Atualmente, divide-se entre a TSF, onde está desde 2018, a DAZN Portugal e a CNN Portugal. Como é conciliar estas funções e quais são as principais diferenças entre trabalhar na rádio e na televisão?
Não é fácil. Estou sempre a trabalhar. Poderia trabalhar só na TSF e ter descanso ao fim-de-semana, mas prefiro investir na minha carreira, porque adoro a minha profissão e sinto que não trabalho. Não estou a trabalhar ao fim-de-semana, quando vou fazer jogos à DAZN. Vou com alegria, é uma paixão. Há grande diferença entre o relato na rádio e a narração. Não podemos passar a mesma emoção na televisão e na rádio: temos de ser mais serenos na rádio e menos descritivos na televisão, o que torna o trabalho de preparação diferente. A paixão tem de estar sempre presente, com emoção, mas de forma diferente em cada meio. A isenção também deve estar em ambos, sendo menos descritivo na televisão, mais suave e harmonioso com a imagem, e na rádio preocupado com a palavra, o ritmo e a descrição.
Também apresenta o programa Football Business League na CNN. Como surgiu essa oportunidade e quais foram os principais temas abordados no programa?
Fui contactado pela direção da CNN para apresentar o programa. A ideia não foi minha. Demorei a aceitar, não por falta de vontade de um novo desafio, mas porque já tenho a TSF e a DAZN. Achei um desafio único. Uma oportunidade que podia não surgir outra vez. A TSF permitiu que colaborasse com a CNN. O programa aborda vários temas sobre o negócio do futebol. Os temas são trabalhados pela equipa de coordenação da CNN e pelo departamento de desporto. Todas as semanas, alinhamos os temas para o fim-de-semana, quando o programa passa ao domingo de manhã. Tem sido um gosto fazer. Acho que o programa está para ficar, não há nada assim em Portugal. Quase todos os programas desportivos falam dos jogos do fim de semana, fazem análise ao futebol ou a temas paralelos. Este é sobre o mundo do negócio no futebol. São temas de que as pessoas não falam. É um programa ímpar na televisão portuguesa.
“Tenho mesmo uma grande paixão pela seleção. Não consigo distanciar-me”
Antes dos 30 anos, já teve a oportunidade de cobrir três grandes competições internacionais de seleções: Euro 2020, Mundial 2022 e Euro 2024. Como descreveria essa experiência e o impacto que teve no seu crescimento profissional?
Fazer o Campeonato do Mundo foi o expoente máximo da minha carreira. Era o meu sonho e cumpri. Fazer um Campeonato do Mundo para um jornalista que é da área do desporto acho que é mesmo o expoente máximo. Sinto que desenvolvi ainda mais as minhas capacidades de jornalista no terreno, porque estás sozinho, tens que todos os dias inventar uma história e, fora disso, escrever para o site da TSF. Trabalhamos de manhã à noite quando estamos no estrangeiro.
Relatar eventos desportivos ao vivo envolve emoção e grande responsabilidade. Pode descrever a sensação de narrar um jogo decisivo, como o de Portugal contra a Chéquia, em Leipzig, durante o Euro 2024?
O meu coração estava… sofro muito com a seleção. [Risos] Tenho mesmo uma grande paixão pela seleção. Não consigo distanciar-me. Mesmo quando estou a fazer um relato, naqueles jogos das fases finais, passo muita essa emoção às pessoas. Umas vão dizer que é bom, outras vão dizer que tenho de me distanciar. Acho que ali está a jogar a nossa seleção. Isso notou-se, até me excedi no relato, mas aquilo foi natural. Foi assim que senti o golo e foi assim que passei às pessoas. Foi um grande momento e fazer os jogos da seleção nas grandes competições é o que mais me dá gosto. A primeira experiência foi como jornalista, nunca tinha ido como adepto ver um jogo da seleção fora e nós sentimos mesmo aquilo. E estar a relatar esse acontecimento pela TSF é incrível.
@abotelho27 O relato do golo de Francisco Conceição frente à Chéquia na TSF 📻 #fy #fyp #euro2024 #portugal #selecao #tsf #radio #franciscoconceicao

“Tens de nascer com aquele ‘bichinho do relato”
O António recorre muito às redes sociais no seu trabalho como jornalista. De que forma a digitalização e essa nova forma de cobertura têm transformado o jornalismo de desporto?
As redes sociais são cada vez mais importantes, para combatermos algumas fake news que andam por aí. Creio que é muito importante combatermos isso, porque hoje muita gente vai procurar notícias diretamente nas redes, não ouve rádio ou televisão. Por isso, temos de ter uma presença forte. No desporto, comecei a filmar alguns relatos importantes da seleção e das equipas portuguesas nas competições europeias. A ideia não foi minha, mas do jornalista Nuno Matos — já o tinha feito no Europeu (2016), em que Portugal ganhou. Acho que isso faz-nos chegar a mais gente. A rádio beneficia, a TSF também, porque se calhar consigo angariar ouvintes que não conheciam o meu trabalho, mas ouvem no TikTok ou Instagram e vão ouvir na TSF ou na DAZN. É cada vez mais importante estarmos nessas redes para captar a atenção de toda a gente. Chegamos a um novo público, mais jovem do que o da TSF, que é geralmente mais velho. Assim, conseguimos divulgar o trabalho.
Acredita que existem qualidades fundamentais para se destacar nesta área? Quais são as principais competências que um jornalista de desporto deve ter?
Dominar o jornalismo, porque tenho de conseguir cobrir um evento de qualquer área. Desde que respeite as regras do jornalismo, comunique bem, escreva bem para o noticiário e para reportagem. Há regras a respeitar e, claro, seguir o Código Deontológico, com isenção. Já fiz programas, por exemplo, quando a COVID atacou o mundo. Tive de focar-me só na COVID e esquecer o desporto. Não há um foco específico para se ser jornalista de desporto. É estar por dentro e ter paixão pelo desporto. No relato, é preciso ter muito gosto. Adoro o que faço e todos os que relatam em Portugal, e que são bons, têm muito trabalho e dedicação. Há alguma sorte para lá chegar, mas é preciso talento. Tens de nascer com aquele ‘bichinho do relato’.
Como compara a cultura desportiva em Portugal com a de outros países? Os adeptos portugueses têm uma verdadeira cultura desportiva?
Não. Acho que o nosso país se resume a três equipas: Sporting, Porto e Benfica. Os estádios estão vazios. Os horários não favorecem, porque a televisão manda muito cá. Na Premier League vemos os jogos à mesma hora e muitos não têm transmissão, o que obriga as pessoas a irem aos estádios, a apoiarem o clube. E há pouca cultura como na Alemanha, França ou Espanha, onde tens o clube da terra e enches o estádio. Aqui não existe isso. Os dirigentes deviam preocupar-se em fazer crescer o futebol a partir daí, criar essa cultura desportiva. Encher os estádios é o primeiro passo para evoluirmos no mundo do futebol. Até na Bélgica, que nos ultrapassou no ranking, os estádios estão cheios. Há um grande problema em Portugal: somos um povo apaixonado por futebol e vemos transmissões com estádios vazios. Isso nunca vai vender lá para fora, porque o futebol também são os adeptos. Quando vemos um jogo, gostamos de ver e ouvir os adeptos.