Há quem nasça com um talento, José Condessa nasceu com dois. Poderia ter sido futebolista e seguido com a sua vida no relvado. Acabou nos palcos do teatro com uma paixão crescente pela representação.
Num restaurante no Estoril, onde os atores se juntam depois do final das peças de teatro, num ambiente de conforto e alegria, conversa-se com José Condessa. O jovem, que está de momento a tirar um curso na Escola Superior de Cinema e Teatro, conta na primeira pessoa a sua jornada como ator.
Cresceste a ver o teu pai a representar, como ator amador, no antigo Teatro Camões. Foi assim que o teu interesse pela representação surgiu?
O meu pai fazia teatro amador, e ainda faz, na Academia de Santo Amaro. Tinha um grupo de teatro amador, no qual a minha irmã participou, e comecei a vê-los. E foi aí o primeiro contacto que tive. Todos os dias, ia com o meu pai e passava lá o dia inteiro. Desde pequenino, via as pessoas em palco e decorava o texto que ouvia.
Começou assim a tua paixão pela representação?
Sim, aquilo a que o pessoal chama o ‘bichinho’, aquela necessidade de fazer aquilo que se está a ver. A mim foi desde pequeno, foi uma coisa natural. Também por ver o meu pai e querer seguir as pegadas dele. E, claro, era aquela piada, as pessoas adoram ver uma criança em palco, é sempre aquela coisa “fofinha”.
A primeira coisa que fiz foi com dois anos, entrava sem falar, obviamente, fazia de anjinho. E a primeira coisa de texto foi aos cinco, um monólogo. O meu pai decorou o texto e debitava-me nas viagens de carro. Eu decorei de ouvido, porque na altura nem sabia ler.
“Os três anos na escola, para qualquer um dos alunos, é uma descoberta interior, há uma superação de nós mesmos”
Entraste com 15 anos na Escola Profissional de Teatro de Cascais e afirmas “o orgulho de ter feito parte da história da EPTC é enorme”. Como descreves a tua experiência na escola?
Estava no teatro amador da Academia de Santo Amaro e conheci a EPTC através de um amigo meu que saiu da academia para a escola. Quando acabei o nono ano e tive de escolher, percebi que queria ir para uma escola de teatro.
Os três anos na escola, para qualquer um dos alunos, é uma descoberta interior, há uma superação de nós mesmos. Passamos a conhecer-nos melhor enquanto pessoa, enquanto cidadão, e principalmente enquanto artista, neste caso ator. Mas não só em palco, também em termos musicais e de literatura, desenvolvemos e quebramos muitas barreiras. Os nossos conhecimentos tornam-se mais amplos e acho que isso é uma coisa muito bonita, é uma viagem mesmo interior. E, depois, temos a sorte de ter um grande leque de professores. A nível de interpretação, são considerados dos melhores no país; a nível vocal, temos a Ana Ester Neves, que é das maiores cantoras líricas portuguesas; em movimento, tivemos uma professora que foi bailarina no Bolshoi. Ou seja, trabalhamos com profissionais que estão no ativo, o que é uma coisa importante, e eles acabam por ser um exemplo para nós.
A escola é no fim do mundo, na Amoreira que muita gente não conhece. Cria-se ali, durante três anos, uma pequena família, que é a tua turma, os teus colegas. A escola não é grande, por isso, todos os dias vemos as mesmas pessoas e, se olharmos à nossa volta, sentimo-nos um bocadinho diferentes, porque temos um grupo com interesses diferentes. Acho que, mesmo os que saem e não querem ser atores, saem de lá bons espetadores e melhores seres humanos.
O ator que és atualmente e os projetos que alcançaste, consideras que se devem à EPTC?
Sim, costumo dizer que não entendo bem como é que as coisas aconteceram, porque foram acontecendo um pouco às cambalhotas. Ainda estava na EPTC, quando uma colega, que estava a acabar a escola, me perguntou se não queria fazer um casting porque a sua agência precisava de um ator com as minhas características. Fiz o casting, através da agência, para a novela ‘Santa Bárbara’ e, na altura, fiquei com uma personagem que eles precisavam de imediato para outra novela, ‘Jardins Proibidos’. Comecei assim o meu primeiro trabalho televisivo, enquanto estava na escola de teatro e no mesmo ano que tinha a PAP [Prova de Aptidão Profissional], foi tudo ao mesmo tempo.
Desde então, tem-me acontecido tudo, uma coisa atrás da outra, não sei bem a quem é que se deve… Claro que existe trabalho da minha parte e existe vontade, mas acho que também é um pouco de sorte em três anos fazer cinco novelas!
O jovem ator é considerado um talento promissor para 2018 pela Notícias Magazine. Segundo Diogo Infante, “pelo talento bruto e pela invulgar capacidade de entrega ao personagem, ao momento, à emoção, sem medo e sem rede”
Ao longo da tua passagem pela EPTC, tiveste o privilégio de trabalhar com o ator e encenador Carlos Avilez. Como foram esses anos de aprendizagem para ti?
O Carlos acaba por ser um mestre, ganhamos esse respeito por ele, quando entramos na EPTC. Estamos numa escola secundária normal, mas os professores são os nossos mestres e ídolos, acho que essa é a grande diferença das outras escolas.
Tendo o Carlos Avilez como professor e como encenador no Teatro Experimental de Cascais, temos ao mesmo tempo à nossa frente uma pessoa que idolatramos e respeitamos. As aulas acabam por ser sagradas, tudo o que ele diz acaba por ser algo que temos de escrever ou de decorar. O que ele nos exige, queremos ser os primeiros a conseguir alcançar.
Neste momento, é para mim um mestre, o “mestre Carlos”, não só pelos anos de profissão e o sucesso todo que teve, como pela sua irreverência. Porque ele foi mesmo muito irreverente na sua época, ao sair de Lisboa e ir para Cascais, onde era impensável fazer teatro, com um grupo amador de amigos que, hoje em dia, são os grandes nomes do nosso país. O Carlos acaba por ser um colosso nacional do que é a história do teatro em Portugal e temos a sorte de ele estar vivo e de o conhecer. Dou graças a Deus, por conseguir trabalhar com ele e por temos feito tantas coisas juntos.
“Tenho o objetivo de continuar a conciliar estas três áreas de representação”
De momento, estás em áreas diferentes da representação. No teatro, com a peça ‘As You Like It’ de Shakespeare, na televisão, com a novela da TVI ‘A Herdeira’ e, no cinema em rodagem para o filme ‘Gabriel’. Entre os três, qual te cativa mais?
Eu gosto do trabalho de ator, gosto de conseguir superar-me e desafiar-me enquanto ator. São todos muito diferentes e trabalho para cada um deles de formas muito distintas. Costumo associar isto um bocado ao desporto: o teatro é como uma maratona, estamos dois meses em ensaios, mas na novela é tudo completamente um sprint. Decoro num dia as falas e passados dois dias já me esqueci completamente do texto. É uma memória completamente diferente da que se usa em teatro. Em cinema, é diferente, é uma mistura dos dois, o texto acaba por ser o veículo para a cena que se quer representar na tela, um pouco como o teatro, mas ao mesmo tempo existe a câmara, não há o contacto direto com espetador e temos o trabalho de saber seduzir a câmara.
Não consigo dizer de qual gosto mais, apesar de o teatro, em termos imediatos, me deixar com uma maior sensação de preenchimento interior, por estar em contacto direto com as pessoas.
Futuramente pensas em dedicar-te apenas a um destes três?
Não me imagino a dedicar-me apenas a um. Não posso dizer que faça só novelas, porque sei que não ia conseguir. Talvez se me visse a fazer só um, seria teatro, mas o cinema é algo que me cativa tanto que, enquanto puder conciliar tudo, não quero abdicar de nenhum.
Para ti, como ator, que diferenças encontras quando estás a representar em cima de um palco e a representar para câmaras?
A diferença é a noção de espetador, a noção de teres o poder de te atualizares e de atualizares a peça que estás a fazer, que todos os dias é diferente consoante o público que tens à tua frente. E aquilo que muitos têm medo, o ter de decorar o texto, se te enganas não tens o ‘corta’ como na televisão e no cinema, e a possibilidade de fazer outra vez no momento. No teatro, é receberes um texto, enquanto na novela o rasgas, porque é só um veículo para aquela cena. Em teatro, estudas o texto e discutes com os teus colegas como é que vais fazer. Tens um trabalho de corpo diferente, tens de saber projetar a voz, não tens os microfones. Aqui estás constantemente em cena e constantemente a ser julgado e a julgares-te a ti mesmo e, se acontecer alguma coisa, tens que saber atualizar e não deixar a peça ir abaixo.
Com diferentes projetos em simultâneo, tens alguma estratégia que te ajude a decorar os diferentes guiões ou é algo que tens facilidade em fazer?
Uso mnemónicas muito diferentes para os três. Tenho facilidade em decorar, claro que a memória é algo que se treina e que se estimula. Uma coisa muito engraçada que os atores antigamente faziam era decorar todos os dias um bocadinho do jornal para manter a memória ativa. Eu não preciso disso e gosto muito de conseguir decorar rápido. É uma coisa que me é natural, tenho muita memória fotográfica e em novela é assim que decoro, leio uma, duas vezes o texto e percebi. Também a linguagem é mais simplificada, em teatro é uma linguagem diferente, como em peças de Shakespeare, há monólogos por vezes muito grandes. Por isso, em teatro, sento-me e decoro, ando e decoro, e repetir muitas vezes em palco vai ficando na memória. Em televisão é uma memória que se esquece, passado dois dias não me lembro do texto que disse. No teatro são coisas que ficam, que marcam, ainda hoje sei peças que fiz há dois ou três anos.
Até hoje, qual foi o projeto que mais te marcou e te deu maior gosto em participar?
Acho que foi a minha PAP, ‘Peer Gynt’, de Henrik Ibsein. É uma peça com 180 páginas, na qual era o protagonista e fazia 36 das 37 cenas. Muitas delas eram só monólogos de três/quatro páginas, ou seja, em 180 páginas tinha 172 de texto meu, o que é imenso! Tivemos que decorar em um mês e meio, e foi a grande prova para a minha memória.
Na altura, estava a gravar a minha primeira novela, dormia cerca de três horas e tal por noite, e foi a altura mais marcante, porque foi a mais desafiante. Tive de estar em dois sítios ao mesmo tempo, era o primeiro trabalho televisivo e o primeiro trabalho profissional com uma grande personagem no teatro. Senti uma responsabilidade enorme e que não podia falhar em nenhum deles. Comparativamente a isto, só agora, a fazer três coisas ao mesmo tempo, com 24 horas de trabalho.
De momento, quais os objetivos que tens em mente ou um sonho que gostarias de alcançar?
Tenho o objetivo de continuar a conciliar estas três áreas de representação. E gostava muito de conseguir ir para fora daqui a uns tempos, ir para o Brasil….Gostava muito de ir para o Brasil, não só em termos teatrais, têm workshops com pessoas incríveis, mas também em novela, lá é muito diferente, o cuidado é outro. Para os anos de novela que temos em Portugal, estamos muito bem, no entanto, a anos-luz dos brasileiros, mas a caminhar a passos largos.
Gostava muito de continuar a ter projetos de séries e filmes com pessoas de quem gosto, penso que é o mais importante. Acho que vai chegar o momento em que já fizeste tanta coisa, que o que queres é fazer bem com os teus. Porque todos os dias conheces pessoas novas e há umas que te cativam. É com essas que crias a tua pequena família de trabalho e com quem crias uma amizade. E nota-se num projeto, se se tem gozo em fazer com aquelas pessoas, se são a tua família, o projeto em si sai melhor quando existe uma ligação de grupo.
“Temos 20 anos e não nos podemos esquecer disso, temos de viver”
Com apenas 20 anos e uma agenda tão preenchida, quando sobra tempo, o que optas por fazer?
Gosto muito de jogar futebol. Joguei profissionalmente até aos 15 anos no Benfica e na Seleção Nacional, por isso, é mesmo uma coisa de que não consigo abdicar. Apesar de ser um risco, se me aleijar, para o meu trabalho como ator…O futebol é uma paixão e, na altura, tive uma lesão que me obrigou a parar, mas se não fosse isso não teria seguido teatro. Também gosto muito de ir ao teatro, apesar de ser difícil, porque temos as peças nos mesmos horários e é complicado vermo-nos uns aos outros. Gosto muito de ir ao cinema e de ler… gosto mesmo muito de ler.
Tens o tempo livre que gostarias de ter?
Sim, acho que acaba por ser uma rotina a que nos vamos habituando. Claro que tenho momentos de lazer como qualquer pessoa, ir a uma festa ou estar com os amigos. Mas temos interesses diferentes: o que considero momentos de lazer, pode não o ser para outras pessoas da minha idade. Mas, sim, é preciso aqueles momentos para espairecer a cabeça e fazer porcaria, porque no fundo temos 20 anos e não nos podemos esquecer disso, temos de viver.
“Sentir que o pessoal está vivo e não tem medo de gritar os seus direitos e, principalmente, de se revoltar”
O Governo cortou provisoriamente o apoio financeiro à cultura, durante quatro anos. Das 39 candidaturas na área do teatro que ficaram de fora, é a primeira vez que o Teatro Experimental de Cascais fica fora da lista de candidaturas. Qual é a tua opinião relativamente a isto, visto que, como ator, o sentes na pele?
Acho que foi a primeira vez que sentimos isso na pele, foi a primeira vez que a companhia onde estou, o TEC, teve um corte. No fundo, a primeira coisa que senti não foi um perigo meu, não foi o medo de não ter dinheiro no fim do mês ou de ficar sem trabalho, mas uma desilusão, por não perceber como é que uma companhia com tantos anos de trabalho pode ser tratada desta forma. Eu entendo que os subsídios são feitos com base em parâmetros, que se vão alterando de quatro em quatro anos e, neste caso, o TEC não abrangia em certos pontos esses parâmetros, como em termos de digressões. No entanto, o Carlos Avilez, na Europa, é o encenador há mais tempo à frente de uma companhia. Ou seja, a companhia com a mesma direção há mais tempo é o Teatro Experimental de Cascais. Em 52 anos de trabalho, é o Carlos que encena as cinco peças anuais, não há tempo para pensar noutra coisa. Acaba por ser uma situação triste, mas ainda bem que já está a ser emendada e que houve uma união por parte da nossa classe, neste caso dos atores. Foi a parte boa disto: sentir que o pessoal está vivo e não tem medo de gritar os seus direitos e, principalmente, de se revoltar.
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