Ex-militar de carreira, ex-árbitro de futebol, comentador em vários órgãos de comunicação social, Pedro Henriques é uma figura incontornável no panorama desportivo nacional. Nesta entrevista, e com a frontalidade que lhe é reconhecida, aborda os desafios da arbitragem e do comentário desportivo, a pressão dos media e o equilíbrio entre a sua vida profissional e pessoal.
Antes de ser árbitro, já era militar. O que o levou a seguir a carreira militar?
A parte militar, como algumas coisas da minha vida, foi sem querer. O que aconteceu na fase do 12.º ano é que queria ir para Educação Física, que na altura era para a Faculdade de Motricidade Humana (FMH). Embora fosse pública, também tinha despesas. A minha opção foi terminar o 12.º e ir trabalhar durante dois anos, para no limite dos 20 anos, poder ir para a faculdade. Inscrevi-me para a Academia Militar, fui fazer as diversas etapas, psicotécnicas e físicas. Em setembro, quando sai a entrada para a FMH, em que eu podia entrar, já estava colocado na Academia Militar como aluno. Portanto, fui um bocadinho à nora para aquilo. Como costumo dizer… às vezes as respostas para estas coisas não é por que é que tu vais, mas é por que é que lá ficas. Fiquei lá porque me identifico com isso, gosto dos valores, gosto das matérias. Se a resposta for paixão, ficaste lá porque estás apaixonado por aquilo… então estás no caminho certo.
A determinada altura surge também a arbitragem na sua vida. Como foi ser árbitro e militar ao mesmo tempo?
O futebol na altura (início dos anos 90) vivia muito do fim-de-semana. Como segui a via militar do ponto de vista do exército, vivia muito de segunda a sexta-feira… tinha disponibilidade por aí. Consegues conciliar quando tens vontade, quando metes na cabeça que para estares no futebol não podes estar a ir para a discoteca, não podes andar a beber copos… para estares no futebol tens de treinar.
O que o motivou a tornar-se árbitro de futebol?
Não houve nenhuma motivação específica. Fui fazer sem querer e porque precisava dessa formação.
Deixou de arbitrar em 2010, depois de 20 anos de carreira. Qual o jogo mais marcante?
Está relacionado com a morte do meu pai, a 1 de janeiro de 2008. Fui fazer o jogo, Vitória de Setúbal-Sporting, para a Taça da Liga. Acaba por ser um jogo marcante porque eu era muito focado e concentrado, nada me afetava. Naquele jogo passei o tempo todo a pensar nesta coisa de o meu pai ter falecido dia 1, o funeral ter sido dia três e o jogo no dia cinco. Por outro lado, há jogos que acabam por ser marcantes pela positiva e pela importância que tiveram na minha carreira, como a final da Taça de Portugal, no Jamor, em 2003. E o meu primeiro derby Benfica-Sporting, na época 2005/2006.

“Ninguém diz que o jogador roubou um golo”
Como lidava com a pressão e os erros em campo?
Há duas coisas com que temos de lidar: por um lado, o jogo propriamente dito e toda a pressão envolvida, e por outro o antes e depois do jogo. Em relação ao jogo, quando o árbitro apita e começa tu isolas-te completamente naquele mundo. A pressão mais difícil de lidar era quando os jogos não corriam bem e nos programas desportivos iam lá os comentadores do Benfica ou Sporting rasgar a malta. Esse tipo de pressão, às vezes, é mais complicada. Não no sentido da crítica da incompetência, mas, sobretudo, quando colocam em causa os teus valores. Porque as pessoas hoje quando falam em árbitros e arbitragem a expressão habitual é “o gajo roubou um penálti”. Ninguém diz que o jogador roubou um golo (…). Mesmo que não estejam a dizer isso de forma pejorativa, as pessoas utilizam a expressão roubar para a decisão do árbitro. Não compreendem que por detrás de um árbitro, há uma esposa, uma filha, um pai, uma mãe e, sobretudo, pessoas que querem ter uma carreira.
Há alguma decisão que hoje, ao rever, mudaria?
Quando olho para trás e vejo algumas situações em que não acertei, obviamente que se voltasse lá preferia não errar. Ao mesmo tempo, se calhar não fazia sentido voltar atrás para alterar nada, porque cheguei aqui e sou quem sou, também por causa desses erros.
Como vê a relação entre os árbitros e os clubes, tendo em conta algumas críticas recorrentes?
Quando tu és árbitro de futebol, praticamente não podes ter amigos. No fundo, a ligação que os árbitros têm naquilo que é o dia-a-dia tem de ser uma relação de completa distância. É ser sério e parecer, ao mesmo tempo. A relação, na prática, tens quando vais para o jogo. O que passa cá para fora é a ideia de que somos todos inimigos.

Após o final da carreira tornou-se comentador e já esteve em vários órgão de comunicação. Como surgiu essa possibilidade?
Termino a arbitragem em 2010. Anunciei a minha saída na Rádio Renascença. Passada uma hora estava a receber dois telefonemas, um da TVI, para ser comentador de arbitragem num programa desportivo, e outro do jornal desportivo O JOGO, para fazer as análises de arbitragem no final da partida. Na segunda-feira disse que sim aos dois. Fiz seis anos seguidos só do jornal O Jogo, até 2016, depois a partir daí tenho percorrido uma série de televisões, desde a Sport TV e a RTP. Estou no jornal Público desde 2017, onde escrevo umas crónicas semanais. Um dos meus grandes projetos atualmente é a Rádio Observador, onde tenho um programa todos os dias, chamado E o Campeão é…, que depois se transforma num podcast. Também tenho o meu podcast, o Sem Falta, em que, depois de um jogo do Benfica, Porto ou do Sporting, falo dos lances todos.
É mais desafiante arbitrar ou comentar?
Prefiro não dizer qual o grau de dificuldade, mas sim o grau de prazer. E o grau de prazer é diferente, mas idêntico no sentido em que tive prazer a arbitrar e tenho prazer como comentador.
“Defendo uma linha que é nunca falar mal de um árbitro em termos pessoais”
Os meios de comunicação são instrumentos importantes para aproximar os adeptos do futebol da complexidade da arbitragem?
Deviam ser… aliás o foco principal do comentador desportivo é tentar dar o conhecimento que tem do terreno. O que acontece é que alguma comunicação social agarra muitas vezes nestes temas, que são muito fraturantes na sociedade, para transformar aquilo em grandes casos e levar não só os especialistas a falar, mas também dar voz às pessoas que não são especialistas. Como os não especialistas estão lá em representação dos clubes, obviamente que vão defender aquilo atacando a arbitragem. Este tipo de mensagem acaba por denegrir o princípio base que é mostrar às pessoas a lei, a norma e o regulamento… dizer qual era a solução para aquele caso, passar opinião pedagógica mesmo que o árbitro tenha errado.
Defendo uma linha que é nunca falar mal de um árbitro em termos pessoais. Isto era o que eu gostava que tivessem feito em relação a mim. Tenho foco em saber cada vez mais sobre arbitragem, fazer a minha análise, a minha avaliação e depois as pessoas fazem o que quiserem com aquilo. Se me quiserem chamar nomes, não vou lá ouvir e nem ver, estou tranquilo com isso.
Como consegue conciliar a vida profissional com a vida pessoal?
É uma questão de organização e o meu segredo é o meu filofax (agenda pessoal). É a solução para eu conseguir fazer coisas na minha vida pessoal e profissional nunca falhando um compromisso.