Tiago Monteiro, 48 anos, é um dos pilotos portugueses de maior sucesso no automobilismo. Participou em campeonatos como a Fórmula 3, Fórmula 3000, 24H de Le Mans, Nissan World Series, WTCC, WTCR e também na Fórmula 1, tornando-se o primeiro português a subir ao pódio. Faz este mês duas décadas que chegou à disciplina maior do desporto motorizado.
Com um começo de carreira aos 21 anos, em 1997, quão difícil foi a adaptação a um monolugar sem as bases e a experiência de uma categoria base como o karting?
O início foi atribulado e inesperado, porque não estava destinado a uma carreira de competição. Sobretudo, não tendo começado pelo karting que é realmente uma base muito importante. Tive um talento que foi bem trabalhado e, com uma estrelinha também a guiar o caminho, as oportunidades foram surgindo e em 5, 6 anos tornei-me profissional, o que foi quase um milagre, dado a idade com que comecei.
Quais são as diferenças mais notórias em termos de pilotagem ou de exigência física que os carros de Fórmula 1 apresentam em relação aos carros de Fórmula 3000 ou de endurance?
As diferenças são enormes. Mesmo um carro de Fórmula 3000 não se aproxima nem de perto a um de Fórmula 1, nem sequer a um IndyCar. É um F1, um carro tão eficaz. O peso, potência, equilíbrio, carga aerodinâmica… Apesar de estarmos habituados na nossa carreira à evolução e a guiar carros cada vez mais rápidos, o salto para o Fórmula 1 é chocante. Foi um choque de velocidade, de aceleração, de capacidade de travagem, mas ao mesmo tempo de fiabilidade, de qualidade de direção. Parece que nos tornamos um com o carro. Ainda tenho essa sensação na cabeça. Foi um grande choque!
Existem disparidades entre o automobilismo europeu e o automobilismo americano em termos de circuitos, pilotos, profissionalismo na maneira como o campeonato é gerido?
Existem muitas, principalmente as pistas. As pistas americanas são muito old school, com alcatrão velho, muitas vezes em mau estado, muitos ressaltos, são muito diferentes. Quanto ao profissionalismo, apesar de ser muito elevado na IndyCar, há maior facilidade em trabalhar. Não quer dizer que sejam menos profissionais, mas são mais relaxados. Os pilotos são todos tão bons como na Europa, alguns são desconhecidos na Europa porque nunca correram cá, mas o nível é idêntico, comparativamente aos pilotos europeus.
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O inusitado pódio de sonho
No Grande Prémio dos EUA de 2005, durante a volta de formação, o Tiago e a Jordan esperavam a decisão das equipas a utilizarem pneus Michelin ao abandonarem o grande prémio?
Não. Tínhamos tido o briefing, houve muitas reuniões durante o fim-de-semana depois do acidente do Ralf Schumacher e a Michelin começou a estar preocupada. Houve muitas reuniões entre os donos das equipas, a ver se cancelávamos a corrida, se alterávamos o traçado, surgiram várias opções. Até que as equipas da Bridgestone decidiram que não havia razão nenhuma para se alterar o regulamento, porque não era justo depois de ter sido um erro de escolha do pneu da Michelin. Um pneu macio, mas que era demasiado perigoso para a pista, e como o erro foi deles, nós não tínhamos nada que abdicar disso. Mas até à última da hora, não sabíamos o que ia acontecer com os pilotos da Michelin. Havia muitos boatos, falava-se em abandono de alguns, outros não, mas até arrancarmos para a volta de aquecimento não sabíamos. Quando chegaram os primeiros carros à última curva da volta de aquecimento, realmente começam a entrar nos boxes e aí tenho a mensagem do meu engenheiro a dizer “este está a entrar, aquele está a entrar, pelos vistos vão entrar todos os da Michelin. Pára no teu ponto de partida e faz a tua corrida”. Foi uma grande surpresa.
Mesmo não tendo renovado o contrato para a temporada de 2007, houve a possibilidade de o Tiago continuar na Fórmula 1 como piloto de testes ou como piloto principal?
Houve tanto com a Spyker e, sobretudo, com a Toro Rosso. As coisas estavam muito bem encaminhadas para 2007 com a Toro Rosso, até que, a duas semanas de assinar o contrato no Mónaco, recebo uma chamada a dizer que, afinal, o Dietrich Mateschitz e o Dr. Marko queriam promover um piloto da Red Bull. Apesar do Gerhard Berger, que era o team principal da Toro Rosso, ser um fã meu e ter feito de tudo para que fosse o piloto em 2007, infelizmente quem manda é a Red Bull e eles não aceitaram à última hora e colocaram o Vitantonio Liuzzi e o Scott Speed. Propuseram-me ficar como piloto de testes, mas não aceitei porque era um passo atrás. Sobretudo, quando tinha a possibilidade de ir para os carros de turismo numa equipa oficial.
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Pós Fórmula 1
De 2009 a 2012, apesar de participar no WTCC, o Tiago foi proprietário de uma equipa de GP2, a Ocean Racing Technology. Como foi conciliar a sua vida pessoal e a de piloto, enquanto desempenhava o papel de chefe de equipa numa outra competição?
Foi uma oportunidade que surgiu. O Bernie Ecclestone entrou em contato comigo, ele queria que houvesse ex-pilotos de Fórmula 1 envolvidos nas categorias inferiores, a GP2 e a GP3 na altura, e aceitei o desafio. Era uma oportunidade de ter uma equipa, de desenvolver jovens pilotos, desenvolver jovens engenheiros e foi o que fiz durante 4 anos. Mas foi muito complicado gerir as duas coisas, porque eram muitas viagens, muito trabalho e comecei a sentir que não conseguia fazer bem as duas coisas. Foi quando surgiu a hipótese de ir para a Honda. Tinha de decidir: concentrava-me a 100% na gestão da equipa ou mantinha o foco na minha carreira, e foi o que fiz. Vendemos a equipa, porque ainda queria continuar a competir e ainda bem que o fiz.
Após a saída do WTCR em 2022, competiu em provas como as 24H de Nürburgring. Aos 48 anos, ainda mantém a chama da competição automobilística acesa e pretende continuar a conduzir ao mais alto nível ou tem em mente outros objetivos?
Tenho muitos objetivos em mente, mas a chama de competir continua. Infelizmente, a Honda não está a competir a nível oficial e por isso não estou a competir com eles, mas deram-me a oportunidade e a liberdade de continuar com outras marcas e é o que estou a fazer com a Porsche. É agradável não estar num campeonato inteiro porque é uma pressão acrescida. Esta forma de poder escolher as corridas que quero fazer e, ao mesmo tempo, poder fazer outras coisas é uma situação que, com a minha idade e com a minha disponibilidade de tempo, é quase ideal. Estou a adorar esta situação porque a área que me está a ocupar cada vez mais tempo é a do management de pilotos e com 10 pilotos agenciados tem-me ocupado muito tempo.
Desde a entrada dos motores V6 turbo-híbridos e com os novos regulamentos aerodinâmicos que a FIA tem vindo a implementar nos últimos 10 anos, acha que a Fórmula 1 perdeu a sua magia e competitividade, comparativamente à época em que competiu na categoria?
Sem dúvida que perdeu muito. Atualmente, já não tanto ao nível de competitividade, mas não se compara o trabalhar de um motor V10 ou de um V8, comparado a um V6 turbo, [o que] para mim é irritante. Quem não conhece ou quem não se lembra, não se queixa muito disso, porque continuam a fazer barulho. Mas quando há demonstrações de F1’s com motores V8 e V10, as pessoas ficam doidas com o impacto daquilo e, por isso, os proprietários da Fórmula 1 estão a evitar, cada vez mais, que aconteçam no mesmo fim-de-semana das corridas, que haja a comparação com esses motores antigos. Eram carros diferentes. Não digo que os atuais sejam mais fáceis de guiar, mas não são tão competitivos e não têm tanto prazer sonoro.
O seu filho Noah irá estrear-se na Fórmula 4 em 2025. Que metas é que o Tiago, como pai, almeja ver o filho a atingir na sua carreira como piloto?
Ele fez uma carreira fantástica nos kartings, bateu os recordes de todos os pilotos portugueses. Foi cobiçado este inverno por muitas equipas de Fórmula 4, o que é um orgulho como pai. A carreira dele começa agora, nos carros. Talento tem, não há dúvida, agora até onde é que ele pode chegar, ninguém pode dizer, mas que está a fazer um percurso excelente está e a meta é claramente chegar à F1. Já me foi dito por várias pessoas que a carreira que ele fez nos kartings é parecida com as carreiras dos Hamilton’s e dos Verstappen’s. Agora, como tudo, há pilotos que depois chegam aos carros e não se dão tão bem ou demoram mais tempo a evoluir. Não quero pressioná-lo, quero que ele se divirta, que aprenda e que evolua. Vai fazer dois anos na Fórmula 4 e, depois, vamos ver o que é possível, mas está a ser um início de carreira fantástico.
![Noah Monteiro sobe ao pódio e faz história na estreia na Fórmula 4](https://asset.skoiy.com/jnrcnjwljorqgsbu/6z6l18mttp6a.jpeg?w=1852&q=80&crop=2048,1365,0,0)