Considerado um dos melhores artistas da sua geração, Ruben Madureira soube desde cedo que tinha de estar ligado ao canto e à representação. Estreou-se no Teatro Sá da Bandeira no Porto e chegou a pisar o mesmo palco que Freddie Mercury. Hoje em dia, é um dos artistas mais bem-sucedidos da sua geração.
Quem gosta de teatro, com certeza, já viu Ruben Madureira no palco ou no ecrã da televisão. Mais recentemente, integrou o elenco de Simone, o Musical, que esteve para regressar aos palcos no final de 2018, mas um problema de saúde de Simone de Oliveira obrigou o cancelamento do espetáculo. Foi finalista do programa ‘Ídolos’, na SIC e membro da boysband ‘Excesso 2’. Em teatro musical, integrou o elenco de ‘Amália‘ e destacou-se pela sua participação em ‘Jesus Cristo Superstar’, de Filipe La Féria. No último ano, Rúben Madureira ganhou grande visibilidade e sucesso em ‘A Tua Cara Não Me É Estranha‘, na TVI, onde ficou em segundo lugar.
Como nasceu a paixão pelo teatro?
Nasceu muito cedo, com seis anos. Aos domingos, eu e a minha mãe fazíamos uma viagem de filmes. Um dos primeiros que vi com ela foi ‘Mary Poppins’ e ‘Música no Coração‘. Achava incrivelmente interessante como é que um ator que supostamente só está destacado para representar, conseguia fazer as três coisas ao mesmo tempo: cantar, dançar e representar. Era algo que me fascinava imenso. Talvez a minha grande paixão pelo teatro venha da minha mãe e nasça através desses domingos passados com ela.
Quando contou à sua mãe que queria ser ator, sentiu-se apoiado?
Até ter uma conversa com a minha mãe, tive de perceber se realmente provocava alguma reação nas pessoas através da arte. Só falei com ela quando comecei a trabalhar profissionalmente na área. Disse-lhe que não ia ser um mortal igual a todos os outros, não ia trabalhar das nove às cinco, não ia juntar dinheiro para comprar uma casa, não ia ter uma esposa, casar e ter filhos. Ia fazer aquilo que me dá mais felicidade, o que significava que iria viver apaixonado por aquilo que gosto e que iria viver teimoso por querer fazer isto para sempre. Ela aceitou, como qualquer mãe de grande coração faria.
Ainda se recorda do casting no Teatro Sá da Bandeira?
Tinha 21 anos, pedi à minha mãe para me dizer o refrão do ‘Tudo Isto É Fado‘, de Amália Rodrigues, e fui para o palco do Teatro Sá da Bandeira. Sou muito desbocado e sou muito à vontade com as palavras. Então, meti-me com Filipe Lá Féria. Disse-lhe que ele não era assim tão mau. Ele achou imensa graça e disse-me que tinha um papel para mim. E foi assim que se proporcionou a oportunidade de trabalhar com ele.
Como recorda a sensação de pisar o palco pela primeira vez? Teve logo a perceção de que queria dedicar a sua vida à representação?
O primeiro impacto com palco abriu-me todo um universo novo na música portuguesa. Não ouvia muito fado e não gostava muito até começar a ler os poemas escritos pelos melhores poetas portugueses e a desenvolver a paixão própria por aquelas palavras. Isso foi algo que me aproximou muito do fado. A sensação que tive de que queria fazer isto para o resto da minha vida foi quando participei em ‘Jesus Cristo Super Star‘, em 2007, três anos após pisar o palco pela primeira vez profissionalmente.
No Teatro Rivoli, integrou o elenco ‘Amália‘ e destacou-se mais tarde pela performance em ‘Jesus Cristo Super Star‘. Acredita que trabalhar com Filipe La Féria foi uma grande oportunidade na sua carreira?
Qualquer trabalho que façamos são só peças do caminho que andamos a percorrer. Olhando para trás faria tudo de maneira diferente, porque me sinto mais rigoroso e com muito mais brio nesta profissão. Faria as coisas de outra maneira, mas exatamente com a mesma abertura de coração com que sempre me entreguei às coisas. Era um jovem cheio de energia e ainda não tinha muito know-how sobre o que era o universo do teatro musical. Foi, sem dúvida, através de Filipe La Féria que expandi a minha verdadeira paixão por esta vertente artística.
Quais são as características mais importantes para o crescimento de um ator de teatro?
Tem que ter humanidade. Acho que a generosidade e o ego são dois aspetos que se vêem ampliados em palco. Distingue-se perfeitamente um ator que vive para si próprio, do ator que vive para si e para os outros. Parte de nós atores canalizar as pessoas para se apaixonarem pela magia que se consegue propagar em palco.
Qual é a sua maior referência no mundo do teatro?
José Raposo. Aprendi muito com ele. Tive o privilégio de contracenar com ele. Foi talvez o desafio que mais me enervou e que mais me motivou a fazer bem as coisas. Estamos a falar de José Raposo que, para mim, é o melhor ou um dos melhores atores da sua geração. É um homem que transporta a bandeira de Portugal através da representação, que tem valores nos quais eu me revejo diariamente. Somos grandes amigos pessoais e tenho muita sorte desta relação nunca ter sido provocada. Aconteceu naturalmente. É realmente um ser humano muito especial aliado a um talento que não tem limite.
Mais recentemente, integrou o elenco de ‘Simone, o Musical’. Foi uma grande responsabilidade?
Gosto de guardar a responsabilidade num bolsinho pequenino para não fazer com que os meus nervos me atrapalhem, depois recorro ao bolso que tenho do outro lado e pego naquilo que sei fazer e na confiança que tenho que ter para contracenar. Às vezes, deixo fugir um bocadinho de responsabilidade e vou equilibrando os nervos com a responsabilidade e aquilo que sei fazer para dar sempre o melhor de mim. Mas claro que foi uma honra tremenda poder olhar diariamente nos olhos de Simone de Oliveira e partilhar com ela palavras de poetas que me inspiram muito, um deles o Ary dos Santos. Inspiro-me muito na língua portuguesa.
Em relação à peça ‘Suite 647‘, correspondeu às expectativas?
Correspondeu. Foi uma comédia com um elenco admirável, nunca tinha trabalhado com nenhum deles. Não fiquei surpreendido. Corresponderam exatamente àquilo que pensei que eles equivaliam enquanto atores, profissionais e pessoas. Colhi de lá boas amizades, não só com o elenco, mas também com quem o encenou. Foi uma experiência fantástica. Interpretava um homem com problemas esquizofrénicos, que tinha vivido muitas dores de infância e refletia-se nas mortes que fazia. Eu era um assassino. Este foi um papel que me tirou do sério muitas vezes. Não gosto de levar o papel para casa, mas quando entrava naquele ambiente e naquele universo, quando passava para o outro lado do espelho, enquanto o representava todas as noites, foi difícil, mas foi um processo muito giro, gostei muito de fazer a ‘Suite‘.
E como foi a reação do público?
Talvez não tenha correspondido às expectativas que as pessoas tinham da peça. A ‘Suite‘ tinha um humor tão britânico que o nosso país não acolheu de forma calorosa tanto quanto as outras peças. Mas acontece. Um trabalho é um trabalho, nem tudo é sucesso, nem tudo é fracasso. Nunca devemos pensar que as coisas são um problema, mas sim o que podemos aprender com a experiência.
“…nunca sonhei pisar o palco de Cork, na Irlanda. Foi avassalador para mim quando soube que Freddie Mercury já tinha pisado aquele palco…”
Para um ator, qual a diferença entre teatro e televisão?
Em ambas é representação, mas é uma questão de energia. Tecnicamente são muito diferentes. No teatro, é tudo muito mais amplo, o corpo tem que falar. A televisão vive mais dentro de uma caixa e de pequenas expressões. É o trabalhar para dentro e o trabalhar para fora. Prefiro trabalhar para fora, gosto mais de dar do que só receber, mas as duas são prazerosas de igual modo.
Como lida com a opinião dos críticos e do público? Qual das duas opiniões considera ser mais importante?
São as duas plausíveis, embora a opinião que mais me cativa é a do público. A opinião de um crítico é sempre muito mais técnica. Gosto mais de sentir as críticas do público porque vêm do coração. Gosto que as peças e as músicas toquem as pessoas, seja de que maneira for e, quando elas assim o sentem, manifestam-se. Para mim, isso é muito importante. Quando trabalhei lá fora, percebi que tinha rigor e é desta forma que trabalho todos os dias. Preciso de ter um encenador que se sinta livre com aquilo que estou a fazer. A partir do momento em que ele diz que este é o caminho, não tenho que dever a críticas. Trabalho para o público e é o público que eu amo.
Houve alguma situação mais embaraçosa antes de entrar em cena?
Tantas. [risos] No musical ‘Terra dos Sonhos’, interpretava o papel de pai de uma menina que tinha leucemia e havia uma cena em que me sentava na cama com ela. A cama partiu-se ao meio e estavam 800 pessoas no Tivoli, casa cheia. Depois, parte da destreza de raciocínio rápido que um ator tem que ter, disse-lhe que ela tinha comido muito naquela noite para provocar uma energia, ou seja, levar o público a rir-se. Peguei no colchão e no édredon e disse “vamos para o chão que hoje vamos acampar fora” e o público continuou a rir-se. A peça não era comédia, portanto, inventei toda uma história que não estava no guião para conseguir pegar no público outra vez de maneira a que eles estivessem atentos ao que ia dizer à menina através da música. No final, tive colegas a dizer que foi fantástico e só não percebiam como fizemos a cena da cama a partir. Após isto acontecer, a encenadora mudou a encenação e fez com que eu fosse sempre para o chão com ela fazer a cena. Há quem nunca soubesse que tinha sido um erro.
Qual foi a peça que mais o marcou até ao dia de hoje?
‘Aristides de Sousa Mendes’. Foi a primeira vez que interpretei uma personagem fatual. Foi uma pesquisa muito difícil porque não há registo de vídeos, só fotografias. Fui para Santa Comba Dão, ensaiar, fazer perguntas, conviver com pessoas que foram confidentes dele e perceber como é que o cônsul português em Paris decide salvar a vida a mais de 30 mil pessoas em detrimento do resto da vida dele. Foi uma peça muito especial, principalmente, pelas repercussões que teve. É uma peça que gostava que Portugal e até a classe estudantil pudessem ver. Acredito que Aristides foi um grande herói português e, por não andar de “braço dado” com o Estado, teve um tratamento que eu, enquanto português, não gostei. Acredito muito na bondade daquele homem, nas vidas que salvou e nas pessoas que ainda hoje sobrevivem graças a ele.
Qual era o palco a que ainda gostava de subir?
Nunca pensei nisso. Mas posso dizer que nunca sonhei pisar o palco de Cork, na Irlanda. Foi avassalador para mim quando soube que Freddie Mercury já tinha pisado aquele palco, pensar que ele “andou por aqui”. Tenho Freddie Mercury em grande conta. É talvez das minhas maiores influências musicais.
Ruben Madureira para além do palco
Como é o Ruben Madureira fora do palco?
Fora do palco sou muito chato, muito calado, muito no meu canto. Gosto de ler e gosto de meter a cara na chuva. Procuro inspiração no mar e no sol. Não vejo a solidão como depressão, mas antes como um enriquecimento de nós próprios e um verdadeiro conhecimento de quem somos, para onde queremos ir e o que queremos fazer. Sou apaixonado pela vida, sou um velho romântico, tenho uma alma muito velha, considero-me uma pessoa muito antiga, gosto de costumes antigos. Lembro-me muitas vezes do meu avô, quero ser um gentleman como ele outrora foi.
Que significado teve na sua carreira pertencer aos Excesso?
Foi a passagem do anonimato. Participei no casting, achei que ia trabalhar para uma multinacional que lançou grandes artistas em Portugal e que era uma grande oportunidade para ter uma rampa de lançamento e poder furar o ciclo artístico. Foi ótimo porque tive dois anos consecutivos em digressão. Penso que temos sempre algo a aprender com o que a vida nos dá e aprendi muito. Fez parte do caminho.
Sente que o projeto falhou? Houve algo que o desiludiu?
Não. Na altura, foi uma outra boysband que teve muito sucesso e que foi espremida. Este foi um projeto que tentaram relançar com uma roupagem mais jovem. Durámos dois anos de digressão e depois houve a tentativa de contrato para relançar o segundo álbum, mas não se chegou a nenhum consenso e, na verdade, eu também já queria fazer as minhas coisas sozinho.
Foi finalista na 2ª edição do ‘Ídolos‘. Sente que a sua participação no programa contribuiu para a sua evolução enquanto artista?
Claro. Acho que é preciso uma grande coragem para um artista perceber que qualquer trabalho o há-de enriquecer seja de que maneira for e o ‘Ídolos’ serviu para perceber que that’s not the way. Serve para um bom entretenimento. Pode ser um bom veículo para se dar a conhecer, mas alimenta coisas que são mais surreais do que reais.
Quando participou, acreditou que ia ter o seu lugar no mundo da música?
O ‘Ídolos’ abriu-me muitas portas. Uma delas foi o teatro, através do currículo que me deu. Mas acredito que foi mais um caminho para eu perceber que a minha vida não passaria só pela música. Teria que ter aliada à representação.
Vive uma relação com Sissi Martins, também participante em ‘A Tua Cara Não Me É Estranha‘. Sente que o programa da TVI vos deu a oportunidade de mostrar o vosso talento?
As pessoas têm sido muito generosas. Dizem que somos ótimos profissionais. Não há maior prazer do que ter pessoas desde Viana do Castelo até ao Algarve a quererem o nosso carinho através de uma fotografia.
Como foi dividir o palco com Sissi Martins?
Foi fácil. Antes de sermos “um só”, eu e a Sissi éramos amigos. Nunca a vi como alguém com quem pudesse ficar a vida toda até perceber que sim. Ela tinha a relação dela, eu tinha a minha. Sempre tivemos inúmeras coisas em comum através da música, dos filmes, fomos grandes confidentes. É fácil trabalhar com ela porque temos uma química em palco que penso que seja muito difícil encontrar. Temos quase a química perfeita de Fred Astaire e Ginger Rogers. Sei o que ela vai fazer a seguir e ela sabe o que eu vou fazer. Ela sabe que a vou segurar e eu sei que ela me vai segurar [pausa]. Não sei como, mas sei.
Chegou a haver competição entre os dois? Mesmo quando ela ganhou ‘A Tua Cara Não Me É Estranha‘?
Ela não sabe competir [Risos]. Sou mais competitivo do que ela e muito melhor que ela. [Risos]. Fiquei muito feliz. A Sissi é a maior.
Qual foi a personagem que mais gostou de imitar?
Pavarotti. Pensei que nunca conseguisse. Estava na tonalidade original de Luciano Pavarotti e não foi nada fácil. Até porque as pessoas não sabem que, quando me ouviram a cantar na televisão, foi a sexta vez que interpretei aquela música. Temos de cantar para testar a luz, para o ensaio de som, o ensaio geral, o final e cantar Pavarotti não é fácil.
“Há uma grande diferença entre querer ser artista e querer ser célebre.”
Pode-se dizer que os chapéus são a sua imagem de marca. Como surgiu o fascínio por chapéus? Herdou de alguém?
Herdei de mim próprio. Usar chapéu é tão importante para mim como usar um relógio. É um adereço, faz parte de mim, não me vejo sem chapéu.
O país já sabe quem é Ruben Madureira?
Não me importa muito, vou continuar o meu trabalho de maneira digna, firme e profissional como sempre. Há uma grande diferença entre querer ser artista e querer ser célebre. Uma coisa é viver para o público e outra é querer que o público viva para mim. Prefiro viver para o público do que estar à espera que ele me reconheça na rua. A maior vitória que podemos ter quando saímos de uma peça é as pessoas não nos reconhecerem na rua. É sinal que o nosso trabalho foi bem feito.