O jornalista Nuno Azinheira abriu há quase um ano uma escola de formação, a Palavras Ditas, em Lisboa, agora situada na Avenida António Augusto de Aguiar, ao pé do El Corte Inglés. O principal objetivo é o “saber fazer”. Com uma grande oferta formativa nas áreas de comunicação, cultura e lazer, o diretor fala sobre jornalismo e conta como surgiu este projeto.
Trabalhou em imprensa, agência, rádio e, mais recentemente, em televisão. Dada a sua vasta experiência, quais as principais e mais relevantes mudanças que ocorreram no mundo do jornalismo?
Quando comecei a fazer jornalismo, não havia essa coisa básica sem a qual não sabemos viver: que é a internet. Comecei a trabalhar em jornalismo em 1989, ainda estava a estudar. Nos primeiros anos de profissão, não havia internet. É algo que agora não conseguimos equacionar.
Como é que se fazia jornalismo ou como se vivia sem a internet e os smartphones?
Essa é logo a primeira mudança. A internet tornou tudo mais rápido, mais instantâneo, o que não é necessariamente bom, em algumas coisas. Os jornalistas perderam também muito da sua capacidade de pesquisa, de método e de ritmo de procura de informação. Agora vamos ao Google e encontramos um conjunto enorme de informações. Antigamente não era assim. Se queríamos saber alguma coisa, tínhamos de ir procurar nos arquivos. Portanto, começamos logo com esta mudança, que é estrutural. Depois mudou muita coisa com a crise, há cerca de seis anos. As empresas começaram a reorganizar-se, no sentido de maximizar as receitas e diminuir custos, o que, na prática, significa sempre a mesma coisa: despedimentos e encolhimento das redações. O que se investe hoje em jornalismo, nas redações em Portugal, é muito menos do que há dez ou quinze anos. Diria que isto é uma mudança irreversível porque, mesmo que o país melhore, não significará que voltemos a gastar o mesmo dinheiro que gastávamos. Estes últimos dez anos provaram que era possível fazer com menos dinheiro, provavelmente pior, mas é possível fazer. A crise mudou por completo o jornalismo, porque as redações perderam as suas pessoas mais valiosas e mais velhas. Sendo mais velhas, eram as que ganhavam mais. E eram essas pessoas que tinham a sabedoria para corrigir os erros que os jornalistas mais novos poderiam cometer. Neste momento, o que acontece é que estamos todos em pé de igualdade. Basta pesquisar na internet e temos lá a informação toda, o que dificulta, por vezes, a detetar o erro. Para sistematizar, as grandes mudanças foram a internet e também a tecnologia, a crise e o fim da memória das redações. Para mim, estas mudanças foram fundamentais.
Desde 2013 passou por centros de formação e dá aulas de jornalismo e comunicação também em escolas como a Etic, a Restart. Ainda se lembra como foi a sua primeira experiência como professor?
A primeira experiência a sério foi na Etic. Antes disso, já tinha dado aulas pontuais em escolas e faculdades, a convites dos professores, era uma coisa de que gostava muito. Tenho uma mãe professora e recordo-me de a ver trabalhar, aos fins de semana a preparar as aulas para o dia seguinte. Portanto há uma memória afetiva em redor do que é ensinar. Há dois anos e meio houve alguém que me fez uma sondagem sobre se eu gostaria de dar formação. Respondi de imediato que sim. Na altura já tinha cerca de 24 anos de profissão, era natural querer partilhar o meu conhecimento com alunos. É uma coisa que gosto de fazer e que hoje ocupa uma área importante na minha vida profissional.
Palavras Ditas: “Dá que falar”
“Quero oferecer um serviço que seja único e a melhor na sua área. Fui pensando em estruturas formativas que cobrissem todas as áreas do saber dentro da comunicação”
Há cerca de um ano abriu a sua escola de formação Palavras Ditas. Quando é que surgiu esta ideia de criar a Palavras Ditas?
A sua experiência como formador influenciou a forma como concebeu e organizou este centro de formação?
Uma coisa que me acompanha desde que comecei a trabalhar é ser muito dinâmico. Sempre quis muitas coisas ao mesmo tempo. Na minha vida pessoal, tenho muitas rotinas, mas, a nível profissional, sou muito pouco de rotinas. A rotina mata-me. Não me importo de fazer a mesma coisa durante muito tempo, desde que consiga ir fazendo outras coisas. Portanto, as aulas começaram a ser uma extensão natural do meu trabalho, foram-me tomando muito tempo da minha vida profissional, e dando muito prazer em ensinar. Depois, fui fazer formação para ser formador. Sou certificado, porque percebi que queria aprender a desenvolver mais essa minha componente pedagógica. Houve um momento em que pensei: “Porque não criar algo meu?”. No ano passado, estava a fazer os 25 anos de profissão, e achei que era uma coisa que podia marcar esses 25 anos. Foi assim que nasceu a Palavras Ditas. Continuo a ser formador noutras escolas, mas, sim, foi fundamental aprender novas realidades administrativas, pedagógicas e ter a capacidade de conhecer novos formadores. Enriquece muito qualquer profissional.
A Palavras Ditas, para além de existir em Lisboa, também existe no Porto. Quais foram as principais dificuldades em pensar um centro de formação em dois locais diferentes, a 300 quilómetros um do outro?
Costumo dizer que a Palavras Ditas existe onde o mercado quiser. Fisicamente, neste momento, temos sede em Lisboa e temos instalações no Porto. Temos uma parceria com um centro de escritórios, onde damos formação, mas, até ao final do ano, queremos arrancar com instalações próprias no Porto. Estamos também a elaborar um conjunto de parcerias com universidades, politécnicos e escolas, por todo o país, para levar os nossos cursos até lá. Como, neste momento, no Porto, ainda não temos uma estrutura própria, ainda não existe uma grande dificuldade nessa gestão. Bom, não será expectável que haja, porque a estrutura principal, a parte administrativa, está concentrada aqui, em Lisboa.
Cursos e workshops: oferta formativa
As formações profissionais que este centro oferece abrangem várias áreas ligadas à comunicação, incluindo aprender a trabalhar com as novas tecnologias. Como foi a escolha dos cursos? Por identificar dificuldades nas redações? Por conhecimento pessoal com a maioria dos formadores? Pelas duas coisas?
Fui eu que criei estes cursos e que pensei no que queria. E a criação da Palavras Ditas nasce com base numa premissa: há imensos centros e escolas de formação, muitos deles começam com uma área e depois, às tantas, já têm cursos sobre tudo. E o que pensei para a Palavras Ditas foi ser uma empresa de formação nas áreas de comunicação, cultura e lazer. Só. Quero oferecer um serviço que seja único e a melhor na sua área. Fui pensando em estruturas formativas que cobrissem todas as áreas do saber dentro da comunicação, da cultura e do lazer. Mas estas áreas são muito amplas, o que permite fazer formações rápidas e variadas. Para além de 70 por cento dos nossos alunos serem estudantes universitários, temos aqui formandos que fazem vários cursos, não fazem apenas um. Isto é um sinal que as pessoas percebem a mensagem da Palavras Ditas e que encontram aqui o que procuram. As formações aqui funcionam como algo complementar ao que já aprenderam nas faculdades ou nas escolas. São cursos pensados na versatilidade do conhecimento, principalmente viradas para o mercado de trabalho e rápidos para questões concretas. A Palavras Ditas foi pensada para o “saber fazer” e não para o “saber saber”.
Para além da variedade de cursos, também há um leque muito diverso de formadores. Todos eles são profissionais da comunicação, maioritariamente figuras públicas. Como escolheu quem ia ensinar o quê?
Ao longo destes anos todos de profissão, a minha área sempre foi o jornalismo na área dos media. Tenho muito conhecimento das pessoas do meio e sou amigo de grande parte delas. Todas as pessoas que convidei para formadores aceitaram! É evidente que tenho como formadores gente muito conhecida e mediática. Do ponto de vista comercial, não vou negar que é chamativo. Mas também temos formadores que não são tão conhecidos, mas dão uma formação que acho que é importante e fundamental. A Palavras Ditas conseguiu juntar uma equipa de formadores muito mediáticos, mas que também são muito competentes nas suas áreas, como a Teresa Guilherme, o André Macedo do Diário de Notícias, o Ricardo Costa do Expresso, o Ricardo Espírito Santo, o José Gabriel Quaresma, o Daniel Oliveira, o José Carlos Malato, a Carla Rocha, o Sena Santos, o Ricardo Tomé, o Luís Filipe Borges, a Maria Flor Pedroso, e muitos outros. Reconhecidamente, alguns dos melhores profissionais das suas áreas têm a camisola da Palavras Ditas vestida. Isso para mim é fundamental! E isso foi a parte mais fácil. Difícil foi pensar em quem ia ser formador de determinado curso e conciliar com a agenda de cada um. Não tenho limite de professores, vou ampliando a minha equipa à medida que achar que há necessidades de reforçar certas áreas e que as pessoas estão interessadas.
Podemos encontrar, também, workshops, especializações e formações de fins de semana. Em que difere cada um deles? Apenas na carga horária?
Muda a carga horária, muitas vezes pela disponibilidade das pessoas. Começámos a fazer formações ao fim de semana, porque havia gente que dizia que, devido ao trabalho ou por motivos familiares, não lhes dava jeito vir aos dias de semana. A ideia é diversificar o mais possível a nossa oferta formativa. Em maio, iniciámos uma nova geração de cursos, que chamamos aqui, internamente, os cursos Palavras Ditas 2.0. São cursos modulares, ou seja, são cursos mais próximos dos que há nas escolas profissionais. Por exemplo, abrimos um curso que se chama Ateliê de Jornalismo e Técnicas de Redação, que tem cinco professores, um para cada área em concreto, e os alunos fazem jornalismo de acordo com as plataformas.
“Não quero vender um curso com a hipótese de as pessoas virem a ter um estágio não renumerado de três meses e irem embora”
No site da escola Palavras Ditas lê-se a seguinte a frase:” Na Palavras Ditas sabemos o valor do dinheiro.” Em que se traduz isto na prática?
Tivemos em atenção isso e o facto de haver muita gente desempregada. Há muitos estudantes que ainda dependem dos pais e que já despendem muito dinheiro na sua formação académica. Não conheço outro centro de formação da nossa dimensão, que tenha um pacote especial para desempregados. Temos descontos que chegam aos 30 por cento e tem a possibilidade de pagamento em prestações. Claro que temos de ter em conta que isto é uma empresa privada e que os seus acionistas querem ter lucro, mas acho que é possível ter atenção a algumas coisas deste tipo. Prefiro ter uma sala cheia a ganhar menos dinheiro, do que ter menos pessoas e ganhar mais. É claro que temos despesas para pagar, mas penso que é mais importante a formação dos nossos alunos. Uma formação de 15 horas tem o preço de 150 euros. Estamos a falar de dez euros à hora. Por aqui se vê que temos preços muito competitivos. Para além disto, também temos cartões fidelidade, em que vamos carimbando consoante o número de cursos. No fim, quando está todo preenchido oferecemos um. Vamos ainda, brevemente, passar a ter encontros e conferências gratuitas à tarde.
Diz também que “este centro não substitui as universidades, as escolas superiores nem institutos politécnicos. Não substitui uma licenciatura, mas oferece um passaporte para o trabalho.” O que podemos esperar ao fazer um curso de formação na Palavras Ditas? Um estágio?
Seguramente, as pessoas saem daqui mais bem preparadas para o mercado de trabalho. Mas, sim, os cursos têm um certificado e estamos a desenvolver mais parcerias com algumas empresas para fornecer estágios, apesar de não prometermos, nem garantirmos estágios. Não quero vender um curso com a hipótese de as pessoas virem a ter um estágio não renumerado de três meses e irem embora. Quero que as pessoas venham, porque querem aprender. Se houver possibilidade de fazer estágio, melhor. Quero que saiam daqui a achar que valeu a pena o investimento que fizeram. E, felizmente, já temos cerca de meio milhar de formandos, um número astronómico muito acima do que estávamos à espera. Sinto que as pessoas gostam de estar aqui. Quero que as pessoas sintam que aqui se aprendem coisas importantes. E quero que a Palavras Ditas se torne um contributo para as pessoas aumentarem conhecimento ao seu conhecimento. Além disso, não estamos a formar profissionais para o desemprego. A Palavras Ditas é também um centro de produção de conteúdos jornalísticos. Estas novas instalações têm uma redação com jornalistas profissionais, que fazem jornalismo para publicações como o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias e para outros títulos que nós próprios queremos lançar. Pretendo evidentemente que alguns dos nossos melhores alunos possam ficar a trabalhar connosco. Comecem por um estágio remunerado e depois fiquem a colaborar com a Palavras Ditas. É preciso dar esperança a quem quer entrar na profissão. É preciso dizer-lhes que há que lutar pelo sonho e que o jornalismo não é um circuito fechado.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Técnicas Redactoriais”, no ano letivo 2014-2015, na Universidade Autónoma de Lisboa.