Pedro Santos, mais conhecido por “Pedro Tochas”, 49 anos, é atualmente um dos jurados do programa Got Talent Portugal. Natural de Avelar, iniciou os estudos na Universidade de Coimbra, em Engenharia Química. É um artista multifacetado com formação profissional em Teatro Físico e Comédia no Celebration Barn Theatre, nos Estados Unidos da América, e no Circomedia – Academy of Circus Arts and Physical Theatre, no Reino Unido.
Foi na Universidade de Coimbra que iniciaste os estudos em Engenharia Química e onde te juntaste à Orxestra Pitagórica. Porque é que decidiste entrar neste grupo?
No primeiro ano, fiquei um bocado desiludido com a universidade. Via vários filmes em que eram criados certos cenários e tinha expectativas que me ia divertir muito. Mas quando lá cheguei não era nada do que estava à espera. O pessoal estudava e, às vezes, lá se embebedava. Entretanto, descobri a Orxestra Pitagórica e pensei: “Isto sim, é aquilo dos filmes!” Decidi juntar-me. O grupo já existia há pelo menos cem anos. Não tocava música, mas isso nunca foi um problema porque existem os instrumentos “sérios” e os “seríssimos”. Os sérios são os comuns, como a guitarra e a bateria, e os “seríssimos” são sanitas, autoclismos, sinais de trânsito. Era um grupo engraçado. Tocava antena de televisão e fazia malabarismo com fogo.
Como surge a alcunha “Tochas”?
No início, a minha alcunha começou por ser o malabarista e, mais tarde, tochas por causa do malabarismo com fogo. Entrei numa peça de teatro e como o meu nome é vulgar, e em Coimbra havia outro Pedro Santos, a companhia de teatro colocou-me como Pedro Tochas. Achei engraçado e, como é um nome mais fixe, acabou por ficar.
“Faças o que fizeres, faz a sério!”
Decidiste deixar a licenciatura a meio para te dedicares à arte de rua. Como é que se passa de aluno de engenharia para palhaço de rua?
Foi uma péssima decisão, com a informação que tinha na altura. Um curso de Engenharia Química nos anos (19)90 era extremamente estável e ser palhaço de rua é como hoje: não melhorou (risos). Na altura, vi um documentário sobre um artista de rua que mudou a minha vida. Ele andava pelo mundo, de cidade em cidade e com 19 anos parecia a coisa mais romântica do mundo: pegar na mochila, viajar, conhecer pessoas e fazer espetáculos. Deslumbrei-me. Passado uns anos, essa era a minha vida! Pensava que era fixe, mas estava completamente enganado. Era muito mais espetacular do que podia imaginar! Só com espetáculos de rua, percorri 25 países e tive uma bolsa da Gulbenkian para ir estudar para Inglaterra. Foi daquelas decisões malucas, mas dediquei-me, que é o mais importante. Faças o que fizeres, faz a sério! Sou um bocado obcecado com isso. Quando quiserem uma coisa, façam! Dediquei-me muito, fui fazer muitas formações e correu bem.
Como reagiu a tua família?
Era o primeiro da família a ir para a universidade com boas notas e os meus pais pensaram: “o que é que se está aqui a passar?” Venho de uma classe trabalhadora, o meu pai trabalhava numa fábrica, a minha mãe era costureira e fez-lhes confusão. Estavam com medo e receavam a durabilidade. “É o sabor do mês, hoje é palhaço de rua; para a semana, quer ter um negócio de mel.” Qualquer coisa podia correr mal, como em qualquer profissão, mas de repente viram que estava a levar tudo a sério e a dedicar-me. Ainda há pessoas que não compreendem, porque não é uma profissão convencional. Antes, quando dizia que era comediante, a primeira coisa que perguntavam era se a comédia é rentável. Agora não, evoluímos, perguntam onde são os espetáculos. É uma mudança super interessante.
“Quando gostas de alguma coisa tens de fazer formação, só a inspiração e o talento não chegam”
Formaste-te em Malabarismo e Comédia Física nos EUA e, mais tarde, viajas até ao Reino Unido para aprofundares os estudos em Teatro Físico. Como foi esta experiência?
Percebi desde novo que, quando gostas de alguma coisa, tens de fazer formação. Só a inspiração e o talento não chegam. Com a aprendizagem, dás passos largos, tens pessoas a explicar, não é só instinto. Acabei por ir estudar para o estrangeiro por não haver formação em Portugal, a única escola de circo era o Chapitô, de ensino secundário. Como queria estudar ‘cadeiras’ específicas, comecei a procurar cursos que correspondessem às minhas necessidades. Desde muito novo, pesquiso e informo-me sobre workshops ou cursos intensivos que quero [frequentar]. É importante recuar ao básico e relembrar os alicerces.
Na altura, o processo para ir parecia complicado. No caso do Celebration Barn Theatre, tinha de pedir um visto, tratar do dinheiro e o meu inglês não era o que é hoje, então, às vezes não percebia bem o que estavam a dizer. O melhor foi quando cheguei à escola e percebi que havia pessoas como eu. Gostavam daquilo mesmo a sério. Podia discutir durante horas sobre a luz de um palco, a performance, a ordem para entrar e, do nada, percebi: isto é a minha tribo, sinto-me em casa. É difícil encontrar pessoas como tu quando tens uma carreira de nicho e há quem não goste das carreiras, mas sim do seu estatuto. Lá, encontrei pessoas que gostam do processo! Não é dizer que se é comediante, é gostar de fazer comédia! Passar pelo ciclo todo do processo, debater, escrever, afinar, questionar e ver como melhorar.
“Temos de estar alerta, viver e ser uma esponja para o que acontece à volta”
Um dos teus espetáculos premiados e que já passou pelos quatro cantos do mundo é o Palhaço Escultor. Quando surge esta ideia e em que consiste?
É um espetáculo de Teatro Físico com técnica de palhaços. No início, comecei por fazer mini espetáculos ou animações de feira, como a antiga Feira Internacional de Lisboa. Gostava imenso. Pensei que ia ser a minha vida: estar 8 horas por dia na feira a levar pontapés de miúdos porque pensam que os palhaços são de borracha (risos). Depois, comecei a criar a minha personagem. Era um bocado tímido e quando vais para a rua ou falas muito alto ou é melhor não falar. Fazia sons, mas não usava palavras, tinha uma linguagem muito universal. Comecei a atuar em países que não falavam a minha língua e este humor universal permitiu-me atuar em pontos distintos do globo.
Qual é o processo criativo antes de encarnares as personagens?
Depende dos espetáculos. O Palhaço Escultor foi-se unindo muito lentamente e, quando dei por mim, já o tinha feito. Tenho quatro tipos de espetáculos: os espetáculos de rua, stand up comedy a solo, dou palestras para empresas e faço também o Tochas e Telmo. No Tochas e Telmo, fazemos o divising, pegamos em conceitos e brincamos com eles. O comediante é aquela pessoa que, aconteça o que acontecer, mesmo com desgraças está sempre a pensar: “aqui há material”. Estou sempre a tirar notas e a escrever para depois haver um tema e uma estrutura. Depois da primeira fase, gosto de fazer espetáculos teste. Faço salas pequenas com 20 a 30 pessoas, testo o material para perceber como flui ao passar da teoria à prática. É importante viver, mas às vezes esquecemo-nos. Temos de estar alerta, viver e ser uma esponja para o que acontece à volta.
“A definição de ‘sorte’ é oportunidade mais preparação”
Falaste da peça Tochas e Telmo descrita segundo o vosso site como “uma aventura que pode ir do genial ao falhanço épico, onde tudo pode acontecer”. Há treino para o improviso?
Treinamos as técnicas e as respostas rápidas, e depois com a prática vai-se aperfeiçoando. O nosso problema é não termos muito tempo para pensar, temos de reagir! Então treinamos a reação, pode acontecer de tudo e as respostas ganham-se com a experiência. Não há atalhos e, se alguém diz isso, é mentira. Há trabalho, pesquisa e análise. A vida está sempre em constante repetição. Às vezes, o que pensamos que só nos acontece já aconteceu a imensas pessoas, é universal. Gosto de saber como reagem as pessoas a alguma situação para estar informado e ter uma reação rápida.
Atualmente, és um dos jurados do programa Got Talent da RTP. O que é que a cultura portuguesa ganha com um programa desta dimensão?
O Got Talent é uma montra em prime time. Tem performances incríveis que nem Portugal conhecia e com imensa qualidade. Vale tudo! Eles são as estrelas e este programa abriu portas para mostrar o talento num nível diferente. Há uma história que nunca vou esquecer neste programa. Um candidato recebeu quatro cruzes vermelhas e, passado dois anos, voltou e teve um botão dourado. Faz refletir sobre a vida de um artista. Correu mal, mas acreditou, trabalhou e depois teve a sua sorte. A definição de “sorte” é oportunidade mais preparação. Se queres uma vida artística não a podes levar como um sprint, mas sim como uma maratona. Tens de estar preparado para os altos e baixos: o baixo ajuda a refletir e a trabalhar. Se a vida fosse plana, não tinha piada nenhuma.
Neste programa, os papéis invertem-se. Deixas de ser avaliado enquanto artista, para passares a seres tu a avaliar. Qual é o papel que preferes?
Adoro fazer espetáculos, mas também adoro ver. Por exemplo, vou para o Festival de Edimburgo e são 2.000 espetáculos por dia, de todo o tipo. Gosto muito de criar, mas ver pessoas a criarem coisas que nunca me passariam pela cabeça, áreas que não trabalho, pessoas a transformarem-se… adoro, adoro! Passo tempo com os meus amigos a dissecar espetáculos, perceber o que resulta ou não. Tudo isto fascina-me. Quem quer ser escritor, mas não gosta de ler, nunca será um bom escritor. A criatividade, muitas vezes, é simplesmente juntar coisas que já existem de forma diferente! Tens é de saber que elas já existem!
“Gosto é de fazer espetáculos, não interessa o número de espectadores. Quero provar que quem escolheu ouvir-me, tomou a decisão certa”
És conhecido por seres um artista multifacetado na área da comédia, comunicação e artes. O público português valoriza as diferentes áreas da cultura?
Se tiver uma pessoa a ver-me já tenho público. Se valoriza ou não, não é o que me preocupa. Valorizar no sentido de comprarem bilhetes ou gastarem tempo para verem o meu trabalho, para mim chega. A arte não tem de ser universal e não tem de ser unânime. Há artistas que considero génios e as pessoas dizem que são os piores artistas do mundo. Finalmente, está a acontecer com a comédia o que acontece com a música. Da mesma forma que dizemos que gostamos de música, mas não ouvimos todos os géneros, também dizemos que gostamos de comédia, mesmo se não gostarmos de todos os tipos. Se o público português não ligar, mas houver dez “malucos” a ouvir-me, está perfeito! Estive numa temporada de espetáculos no Casino de Lisboa, lotação esgotada, 700 pessoas por noite, durante uma semana. Passado 10 dias, estava na Austrália a fazer um espetáculo à chuva para dez. É o que é! Vida de artista!
O que ambicionas e ainda te falta fazer? Quais as palhaçadas que ainda faltam?
Se conseguir continuar como estou, não quero nem mais nem menos, já fico satisfeito. A tendência no geral é descer, porque manter a dinâmica dá um trabalho gigante. Não me importo de fazer o que faço para o resto da vida. Gosto é de fazer espetáculos, não interessa o número de espectadores. Quero provar que quem escolheu ouvir-me, tomou a decisão certa.
E um conselho para terminarmos?
Aproveitem a vida. A coisa mais estúpida que ouço das pessoas mais velhas é dizerem que adoravam ter 20 anos e saber o que sabem hoje. O bom nessa idade é não saber nada, acreditar que tudo é possível! Não saber, no sentido de erros de vida, experimentar coisas novas. Façam, gostem do processo e não de ser conhecidos. A melhor altura para falharem é agora. Vivam e arrisquem.