Licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade Autónoma de Lisboa, Marta Atalaya é, atualmente, um dos rostos incontornáveis da SIC Notícias. Humilde por natureza, evidencia o lado humano como uma qualidade essencial para a concretização dos projetos a que se propõe, um lema que mantém dentro e fora do ecrã.
Num clube motard em Carnaxide, numa entrevista despojada de qualquer formalidade, Marta Atalaya relembra os momentos felizes que viveu durante a sua licenciatura na Universidade Autónoma de Lisboa e conta como o sonho que tinha pelo jornalismo se concretizou. Sempre de braços abertos para novos desafios, revela que a televisão surgiu na sua vida “por acaso”, tornando-se inesperadamente uma das suas paixões. Sem medo e de forma bem vincada, fala também sobre a dificuldade em encontrar “portas abertas”, da falta de humildade dos jovens jornalistas e do esforço necessário para a imparcialidade, essencial no Opinião Pública, programa que modera há quase 15 anos.
Licenciou-se em Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Lisboa, em 1995. Considera que o curso da UAL lhe deu as competências básicas necessárias para desenvolver trabalho enquanto jornalista?
Sim, comparando com colegas que tiraram outros cursos em universidades públicas, acho que a Universidade Autónoma de Lisboa na minha altura, sobretudo no último ano, foi um curso muito prático. Eu, que quis ser jornalista, escolhi a especialização em Jornalismo. Lembro-me que tinha “Ateliê de Rádio, Ateliê de Televisão” …Quando fui para o mercado de trabalho, acho que tinha já algumas competências e conhecimentos adquiridos, mas no momento em que chegamos lá temos sempre novos desafios. No entanto, no geral, acho que foi uma ótima escolha, pois foi uma aprendizagem muito importante. Apliquei muitos dos conhecimentos que tinha adquirido ao longo dos quatro anos de universidade.
Os quatro anos que passou na universidade foram certamente marcados, por um lado, por muita exigência e trabalho, mas por outro, por muita alegria. Há memórias inesquecíveis desta sua experiência?
De tal maneira que, ainda hoje, temos um grupo no WhatsApp, “UAL 91”, ano em que começámos a tirar o curso. Mantemos o contacto num grupo de amigos que mantém vivo este espírito da universidade. Foi muito bom, tenho hoje grandes amigos que conheci na universidade, uns que ainda estão no jornalismo e outros que mudaram de área. Mas, sim, foram quatro anos de muito trabalho, trabalhei muito. Não tinha emprego, apenas estudava, mas apliquei-me bastante. Tenho momentos de grande alegria, por exemplo, a nossa viagem de finalistas que foi giríssima. É muito bom ter ainda hoje um grupo de amigos tão forte e coeso. É um orgulho muito grande poder dizê-lo, porque já passaram mais de 20 anos… não é para todos.
A escova de cabelo que podia ser microfone
Quando terminou a licenciatura, passou pelo Semanário e pelo Correio da Manhã e, em 1999, fez parte da equipa fundadora do Canal de Notícias de Lisboa. O seu objetivo sempre foi a televisão, tendo a imprensa servido de rampa de lançamento para lá chegar ou o sonho era outro?
O sonho era outro. Sempre gostei muito de escrever, aliás, sempre achei que iria ser jornalista de imprensa escrita. Não adorava a minha voz, não me achava telegénica e, portanto, o meu objetivo era mesmo trabalhar em jornais.
Trabalhei em primeiro no Semanário, onde estive durante um ano na área de Ciência Política Internacional e, depois, quando fui para o Correio da Manhã, estive na área do Desporto. Eram áreas completamente diferentes, mas achei que era um desafio.
A ida para a televisão foi um bocadinho por acaso. Foi através de uma amiga, que tinha tirado o curso comigo, que me ligou a dizer que o Canal de Notícias de Lisboa ia surgir e se eu queria fazer testes. Aceitei fazê-los, porque não tive coragem de dizer que não. Faltei à primeira chamada, faltei à segunda chamada e ela sempre a insistir.
Às tantas, decidi ir porque já não tinha coragem de dizer que não. E acho que fui passando as fases porque estava tão descomprometida por achar que a televisão não era o meu mundo e que não era um sonho que queria, que aquilo foi correndo bem. E quando, no fim, me disseram que tinha ficado no grupo limitado, pensei: “Porque não? Sempre gostei de desafios novos… vou experimentar.” Foi uma oportunidade que agarrei.
E como começou este interesse pelo jornalismo?
Acho que quando as pessoas são jornalistas têm de ser curiosas e eu fui muito curiosa em miúda. Andava constantemente a perguntar o porquê das coisas e os meus pais maçavam-se comigo. Era curiosa, gostava bastante de conversar e sempre gostei muito de pessoas. E acho que foi uma junção disso tudo.
Lembro-me de, quando era pequenina, andar com uma escova de cabelo na mão a fingir que era um microfone. E, portanto, foi um sonho que veio desde muito cedo e que se concretizou.
Opinião Pública: Verdadeiro serviço Público
É, atualmente, um dos rostos da SIC Notícias, onde é uma das moderadoras do programa ‘Opinião Pública’. De entre os diversos valores que um jornalista deve ter, a imparcialidade é um dos que mais se destaca. Sente que consegue ser imparcial num programa que exige a relação entre o público-jornalista ou é necessário um grande esforço?
É um grande esforço. Aquele é um modelo um bocadinho diferente. Não somos nós, jornalistas, que vamos à procura da fonte, é a fonte que vem até nós e, por isso, a triagem é relativamente reduzida. As pessoas quando falam com a produção dizem que vão falar sobre um assunto e depois, quando se apanham em direto, tudo pode acontecer. De facto, já tive algumas experiências difíceis. É complicado e exige muito esforço, sobretudo quando temos opiniões de pessoas que são completamente “nonsense” e veiculam ideias e valores perigosos. Não podemos desviar a atenção, nem podemos demonstrar a nossa opinião, porque o jornalista tem o dever de isenção e só com a isenção é que conseguimos ser, de facto, imparciais e objetivos no tratamento dos temas das notícias.
Exige um esforço muito grande e não é para qualquer um. Há imensos jornalistas que não gostam e se recusam a fazer o programa porque, na verdade, é um risco e nunca se sabe o que vai acontecer.
E houve algum momento que a marcou de forma especial, tanto positivo como negativo?
Sim, positivo. Foi um momento em que, quando cheguei a casa, pensei: “É mesmo por isso que as notícias fazem sentido.” Foi o caso de uma senhora que nos ligou porque tinha dois filhos com quem vivia que estavam desempregados e eu tinha um convidado no estúdio que ficou muito sensibilizado com a história dela. Quando acabámos o programa, eu e o convidado fomos pedir à produção o contacto da senhora, descobrimos qual era a área de formação dos seus filhos e, através de uns telefonemas, conseguimos arranjar emprego a um deles.
Passado uns dias, ela ligou para a redação e quis falar comigo para agradecer imenso o que tínhamos feito. Não foi nada de extraordinário, mas para nós foi a sensação de que podemos, de facto, melhorar um bocadinho a vida de outra pessoa.
Há pessoas que telefonam muitas vezes, até já conheço as vozes. São pessoas com quem nós quase criamos uma ligação. Se aquele senhor de Braga com 70 anos fica uma ou duas semanas sem ligar para o programa, já começo a pensar que é um bocadinho estranho e penso o que terá acontecido.
São muitos anos a fazer isto e as pessoas acabam por ter uma ligação connosco. Há muitas delas que estão sozinhas e tenho a certeza que aquele bocadinho em que telefonam é o único momento em que são ouvidas, portanto, acho que temos também aqui uma vertente social muito importante.
O jornalismo é essencial e indispensável para a formação da opinião pública dos cidadãos. Considera que esse é o principal objetivo do programa?
Sim, o objetivo é formar pessoas, sobretudo numa altura em que com as redes sociais as pessoas acham que podem ir buscar informação a fontes que não são credíveis e onde se lançam ideias sem confirmar se são verdade ou não. Por isso, sim, o jornalismo tem quase essa obrigação e esse dever.
E, às vezes, até mais informação gera desinformação…
Exatamente. Por isso é que as pessoas têm sempre de pensar que o jornalista é aquele que estuda, aquele que tem valores, aquele que segue um código deontológico, aquele que quando lança uma informação sabe que essa informação é fidedigna e é aquele que ouve as várias partes da notícia.
Então acredita que, de facto, a informação que é passada no programa influencia de certa forma a visão dos espectadores sobre os assuntos abordados?
Sim, e é acima de tudo um exercício de pluralismo. É darmos a oportunidade ao cidadão. Há opiniões muito válidas de pessoas que participam e eu às vezes penso: “Que bom que era se os gabinetes dos assessores tivessem a televisão ligada.” Há pessoas com ideias muito concretas e fundamentadas, com propostas que fazem muito sentido.
Portanto, considero que é um programa que é um verdadeiro serviço público. Há poucos assim.
O desencanto no jornalismo
Como afirmou o professor José Rebelo, coordenador do estudo “As novas gerações de jornalistas em Portugal”, o desencanto é a principal característica dos jovens jornalistas, que sentem a insegurança e a incerteza do seu futuro nesta profissão. Se voltasse atrás, aos seus 20 anos, a prioridade continuaria a ser o jornalismo?
Sim. O que costumo dizer aos jovens, sejam aqueles que sonham ser jornalistas, médicos, advogados ou mecânicos é: “Se é o sonho e aquilo que querem, lutem por ser os melhores.” De facto, temos um mercado de trabalho que é difícil. Há uns anos, íamos para a universidade e tínhamos um emprego garantido, no entanto esse paradigma mudou. Ainda assim, acho que, de facto, quando as pessoas têm o sonho, lutam e não desistem. Há poucas portas abertas e só haverá uma aberta para quem, realmente, se empenhar e lutar por aquilo que deseja.
Sente esse desencanto de que fala José Rebelo nos jovens jornalistas que passam pela SIC?
Sim, sinto esse desencanto. No entanto, sinto que os jovens chegam lá até com alguma falta de humildade. Temos falado muito nisso na redação. Há exceções, mas, no geral, os jovens quando lá chegam querem, por exemplo, ir imediatamente fazer diretos. Muitas vezes não têm essa humildade para perceber que estão ali para aprender e, se calhar, quando lhes chamamos a atenção num sentido construtivo, eles não encaram bem. Acho que quando uma pessoa entra numa profissão tem de ter humildade para pensar que está ali para aprender.
Lembro-me de estar no Semanário e da primeira vez que tive uma notícia escrita, assinada por mim. Foram meses, meses e meses de trabalho. Antes disso, fazia breves e encarava de igual forma fazer uma breve e uma notícia assinada por mim, porque, de facto, a responsabilidade tem que ser a mesma, tem que ser responsabilidade ao nível mais alto.
Lembro-me, também, de um momento na altura desse primeiro artigo assinado por mim. Estava num café e, ao meu lado, na esplanada, estava um senhor a ler o meu artigo e pensei: “Que coisa tão gira, é assim o anonimato da imprensa escrita.” Ele não fazia ideias que era eu, que estava sentada na mesa ao seu lado, que tinha escrito aquele artigo. E isso é uma coisa de que eu tenho saudades, saudades do anonimato que a imprensa escrita nos proporciona.
No mesmo estudo, lê-se que antigamente se olhava para o jornalismo como uma missão, sendo o núcleo de jornalistas quase uma “tribo”. Contudo, esse espírito tem vindo a mudar e o jornalismo é visto apenas como uma profissão, como algo mais técnico. Sente que ainda fez parte desta tribo jornalística?
Sim, sinto. Ainda hoje, sinto isso. Se deixar de encarar o jornalismo com um espírito de “missão”, que para mim está integrado dentro do meu código e da minha paixão pelo jornalismo, acho que vou mudar de vida.
A verdade é que houve, de facto, uma mudança dessa visão do jornalismo que está relacionado com o desencanto, mas esse desencanto não está só no jornalismo, está também nas outras profissões. Tem a ver com a ideia de que não há empregos para toda a vida e as pessoas acabam por estar de uma forma um bocadinho menos comprometida. Eu, com o jornalismo, tenho que ter um compromisso, sem dúvida alguma.
Afirmou numa entrevista à revista VIP, em 2014, que ainda não tinha perdido a esperança de experimentar rádio. O que é que espera encontrar na rádio que não encontrou na imprensa e televisão?
Quando disse essa frase foi com aquela ideia de querer experimentar um bocadinho de tudo. Lembro-me de umas das coisas que aprendi com o Adelino Gomes, que foi meu professor na universidade, uma frase que ele dizia: “A rádio anuncia, a televisão mostra e a imprensa explica.”
Agora com os canais de televisão 24h isso já não acontece, porque tudo é anunciado neste meio de forma mais imediata, ao contrário de há uns anos, em que era a rádio que anunciava as notícias de última hora. Esse imediatismo que a rádio permitia há uns anos tornava-a única, porque, não tinha essa “concorrência” das televisões de notícias, e era isso que me fascinava.
Se surgisse agora um desafio, aceitava, mas estou muito bem onde estou. Adoro televisão. Costumo dizer: se eventualmente um dia destes sair da SIC, era mesmo para mudar de vida.
Dá para perceber que o professor Adelino Gomes marcou muita gente. Oiço muitas vezes a expressão dele “a reportagem é usar os 5 sentidos mais o coração” …
Se tinha dúvidas se queria ser jornalista, as aulas dele deixavam-me a pensar: “Bolas, estou mesmo no caminho certo.” O professor Adelino Gomes é fora de série. Ele é “O Jornalista”. Para mim, foi a minha referência.
Projetos de solidariedade
Participa em vários projetos de solidariedade, entre eles, é voluntária nas equipas de rua da Comunidade Vida e Paz, desde 2012. O que a move nestas causas?
Agora, ando um pouco afastada desses projetos porque, de facto, não tenho tido tempo. Mas o que me move? É achar que, enquanto cidadãos, temos quase a obrigação de dar um bocadinho de nós e do nosso tempo pela comunidade, pelo menos é o que me dita a minha formação familiar e religiosa. Sou católica e sempre senti que tinha de oferecer um pouco de mim e daquilo que tenho.
Sinto que, perante uma sociedade que tem grupos tão vulneráveis como os sem-abrigo e os idosos, que são uma parte tão esquecida, nós temos esse dever. É uma experiência em que, como costumo dizer, recebo tanto como dou, porque a sensação de chegar a casa e perceber que podemos ajudar a melhorar um bocadinho a vida de outras pessoas… é um sentimento extraordinário.
Para a comemoração dos 25 anos dessa Comunidade, escreveu um livro que conta a história de 25 pessoas que fizeram parte e foram ajudadas pela instituição. De que forma é que esses testemunhos tiveram impacto na sua vida?
Tiveram muito impacto na minha vida, uma vez que coincidiu com uma fase de grande transformação da minha vida pessoal. Olhava para aquelas histórias e pensava que tudo era possível, pois estas pessoas eram umas lutadoras. Estiveram no fundo e com força, fé, determinação e ajuda de instituições como a Comunidade Vida e Paz conseguiram dar a volta. Se estas pessoas conseguiram, então, eram lições de vida. Quando chegava a casa das equipas de rua depois de ter visto aquelas pessoas num sofrimento, pensava que não tinha o direito de me queixar da minha vida… sou tão feliz. Olhando para o lado é que aprendemos a dar valor a todas as coisas boas que temos.
Sente que tem a responsabilidade social de participar em projetos solidários por ser figura pública?
Não, não tem nada a ver com isso e até não gosto que isso seja publicitado porque acredito que muita gente olha para isso a pensar que fazemos parte dos projetos para sermos “bonzinhos e solidários”. Aliás, quando fazia parte das equipas de rua da Comunidade Vida e Paz ninguém sabia. Quando fui desafiada pela instituição para escrever um livro sobre os 25 anos da Comunidade, senti necessidade de dizer que fazia parte daquele projeto. No entanto, sinto que as boas ações não têm de ser publicitadas.