Carla Andrino, de 54 anos, começou por ser bailarina, mas assume que sempre foi apaixonada pelo mundo da representação. Já trabalhou em televisão, teatro e cinema. Em entrevista, fala sobre a sua experiência enquanto atriz, revelando o que é preciso para se ser um bom ator, sem nunca esconder o amor que sente pela Psicologia.
Participou em projetos como “O Prédio do Vasco”, “A Outra”, “Espírito Indomável” e, mais recentemente, “Nazaré”. Sempre quis ser atriz?
Já em criança dizia que queria ser atriz e que iria fazer muitos espetáculos. Como o meu apelido era muito complicado de pronunciar, dizia sempre: “Não se preocupe, mãe, que um dia vão saber dizer Andrino!” E hoje, das coisas que mais prazer me dão, para além de gostarem do meu trabalho e de me respeitarem, é ouvir dizer: “Olha, vai ali a Andrino.” Dá-me sempre um arrepio nas costas.
Começou por ser bailarina, quando era miúda. Como surge o gosto pela representação?
Acho que sempre esteve cá. Comecei na dança porque tinha o pé “chato”, entretanto, não conseguia usar as botas ortopédicas porque era demasiado magra… Então, fui para o ballet. Contudo, estava no ballet, mas queria ser atriz. A dança deu-me ferramentas para a vida: aprendi a conhecer o meu corpo, a trabalhar o meu corpo, entre outras coisas. Foi através dela que entrei no teatro, portanto, foi o caminho para chegar onde queria.
Nunca pensou em associar a dança à representação?
Acho que não temos de fazer apenas uma coisa. Eu sou atriz, sou psicóloga, sou mãe, sou avó, sou um pouco de tudo. Até mesmo na peça “A Bela e o Monstro”, onde fiz de bule, eu juntei tudo. Como foi uma revista, dancei, cantei e representei.
A Carla está no mundo da representação há vários anos. Na sua opinião, o que é indispensável para considerar alguém um bom ator?
Um ator precisa de acreditar naquilo que está a fazer, de calçar os sapatos da personagem e de lhe dar vida.
Enquanto atriz, já pisou vários palcos e apareceu em muitos ecrãs. Qual foi o projeto que lhe deu mais gosto de fazer?
Todos me dão. Mesmo que seja um projeto menos positivo ou mais doloroso de se fazer há sempre uma aprendizagem para retirar. Nem que seja para não repetir ou para não voltar a sentir aquilo que senti. Existe sempre uma lição. A todos os projetos, emprestei a minha alma e estive lá inteira, como estou aqui a dar-lhe a entrevista. Há atores que dizem que dão a alma. Eu, enquanto Carla, preciso dela para mim, para levá-la para casa. A minha alma anda sempre comigo.
“O meu comportamento é de entrega: Quando estou, estou!”
A nível profissional, quais as diferenças entre o teatro e a televisão?
O meu comportamento é de entrega: quando estou, estou! Contudo, existem algumas diferenças entre o teatro e a televisão. Na televisão, as gravações são durante o dia, salvo raras exceções. No teatro, os espetáculos são à noite. No teatro, a reação do público é imediata: as expressões, os risos, os aplausos, o silêncio, entre outros. Em televisão, muitas das vezes, só recebemos o parecer do público passados sete meses de gravações, quando o projeto já está muito distante.
Está em cena a peça “Monólogos da Vagina”, no Teatro Armando Cortez. O que é que a peça pretende transmitir?
O objetivo da peça é desmistificar o sexo, no geral, e a vagina, em particular. Ou seja, anular todos os tabus que ainda existem.
Com a peça já em cena, tem notado que as pessoas não conseguem falar abertamente sobre a vagina?
Há pessoas que nem sequer conseguem dizer a palavra “vagina”. Porque nunca olharam verdadeiramente para ela, não cuidaram dela, não a mimaram, então, é disso que a peça trata. De falar disto de uma forma natural, como a vida.
“Acho que não há uma forma correta para se amar, todas as formas são válidas”
Em 2001, começou a tirar uma licenciatura em Psicologia. O que fez despoletar em si a vontade de ser psicóloga?
Talvez por ter vindo de uma guerra, por ter passado mal emocional e psicologicamente, por me ter sentido fragilizada, por ser empática, por saber calçar os sapatos dos outros, e por tanta coisa que me fez todo o sentido. Com 29 anos, fui para o ISPA tirar uma licenciatura. Em 2007 e 2008, fiz um mestrado e, há quatro anos, defendi o meu doutoramento.
Para si, a psicologia e a representação complementam-se?
Completamente. São duas profissões da alma e de calçar os sapatos dos outros.
Enquanto psicóloga, como é que acha que o amor é partilhado entre as pessoas, nos dias de hoje?
Acho que não há uma forma correta para se amar, todas as formas são válidas desde que façam sentido para si. Desde que não faça mal a si própria e que esteja em harmonia consigo, faça aquilo que lhe fizer sentido. Procure um rumo que esteja de acordo com os seus valores e vá atrás dele.
Sei que o amor é um dos motores da sua vida. Acha que o amor suporta todas as coisas?
Sim, o amor suporta uma grande parte delas. No entanto, também tem de haver coragem, determinação e resiliência da nossa parte. Tudo isto forma uma ‘bola’ forte que me sustenta.
“A minha vontade de mostrar à vida que estava aqui para ela foi fundamental”
Passou por uma fase desafiante na sua vida, o cancro da mama. Numa altura destas, o apoio da família e dos amigos é tudo?
Claro que é. Mas a grande força tem de partir de nós. Fui sustentada pela minha família, mas eles não me levaram ao colo. Aliás, fui eu que lhes dei força, pois estavam com medo, o que é normal. A minha vontade de mostrar à vida que estava aqui para ela foi fundamental. Nós temos várias áreas na nossa vida: a área psicológica, a área emocional, a área sexual, a área profissional, a área familiar, entre outras. A área da saúde subdivide-se entre o físico e o emocional, e eu tinha uma bolinha vermelha, apenas, na parte física. Uma das grandes estratégias é não deixar que essa ‘bola’ mine todas as outras. Eu podia dizer: “tenho um tumor na mama e, por isso, não tenho cabeça para namorar, para trabalhar, para ser mãe, para ser avó e fico fechada na minha bolha”. Mas não o fiz. Fiz os tratamentos a acreditar que ia conseguir e que, pelo menos, estava a fazer a minha parte. Foi um momento particular da minha vida, para o qual eu olho com muito carinho e respeito.
“O meu lema, a partir dessa altura, é ser grata à vida”
Depois de passar por essa provação da vida, qual é o seu lema?
O meu lema, a partir dessa altura, é ser grata à vida. Uma das minhas máximas é ter a ousadia de ser feliz, ou seja, não ter medo de o ser. O meu foco está no que tenho e não no que não tenho. Eu não vivo no passado, mas sim no presente e no agora.
Tendo em conta as respostas anteriores, percebo que a Carla não permite que as circunstâncias da vida a definam. Na sua opinião, somos nós que definimos a importância do passado?
Esse é o desafio da vida. É muito fácil sermos fruto do passado. O grande desafio não é ser fruto do passado, mas é o que eu consigo fazer com o que o passado me deu, para ter um papel ativo. A atriz principal e quem escreve o argumento da minha vida sou eu. Portanto, se for necessário, devo abrir e fechar capítulos, porque a condutora do autocarro da minha vida sou eu.