Ficou conhecido como Marly, ao participar na novela “Reviravolta”. Cabingano Manuel, jornalista, diretor de Informação da Televisão Pública de Angola (TPA), fala da sua trajetória profissional, como ator e jornalista, realçando a sua experiência como repórter do programa informativo “Na Lente”, da TPA1.
A arte esteve presente na sua vida desde os 13 anos, tendo participado em vários sucessos da televisão angolana, como o “Reviravolta”, onde interpretou o personagem Marly e ganhou notoriedade pública. Que impacto é que este personagem trouxe à sua carreira?
Foi a primeira vez que apareci numa obra de ficção. Teve um grande impacto na minha vida artística e pessoal. Foi através deste personagem que me dei a conhecer a Angola como ator. Tornei-me uma figura pública através da Televisão Pública de Angola. Na TPA, aprendi muita coisa, entrei para um meio de atores, num país onde a ficção começava. Passei a fazer parte desse grupo de atores, que faziam funcionar a roda da ficção nacional e, por essa via, firmei-me como ator.
Em 2009, interrompeu a carreira de ator e começou a trabalhar em jornalismo. O que motivou esta mudança?
Era um sonho antigo do meu pai, que acabou sendo o meu. Quando tive a oportunidade de entrar, por via de um processo seletivo, dei graças a Deus, estava a começar uma nova fase da minha vida. Era finalista na universidade e tinha noção que, por via da TPA, começaria um novo ciclo profissional, uma vez que já era professor. Mas essa paixão antiga do meu pai, dos meus irmãos, podia acontecer comigo. E tenho a responsabilidade de fazer bem, porque eles não tiveram a sorte de o ser. Na TPA, fiz ficção até que decidi largar os guiões e começar uma atividade diferente, a jornalística.
Começou a carreira jornalística como repórter do programa “Gente da Banda”, onde era retratada a vida dos angolanos em várias partes do Mundo. Já em 2015, passou a apresentar o programa “Hora Quente”. Como foi assumir o comando do programa?
Foi uma experiência que acabou por contribuir para o meu crescimento profissional. Permitiu-me conhecer histórias de vidas, acumular experiências de forma estrondosa. Era necessário fazer uma transição de um modelo mais humorístico, do ponto de vista da entrevista, para uma entrevista mais clássica, que é o que me caracteriza como jornalista. Para alguns foi boring, para outros foi uma mudança para aquele conteúdo. Começou-se a tratar os assuntos com a seriedade que eles obrigavam. Do ponto de vista profissional, crescemos muito. Fiz, em dois anos, mais de 500 entrevistas.
Depois de quase dois anos a comandar esse programa em horário nobre no canal 2, em julho de 2018 surge um novo desafio com a estreia do programa informativo “Na Lente”. O programa tem sido líder de audiências, por retratar factos que nunca passaram em canais televisivos de Angola. Na sua opinião, qual foi a peça jornalística que maior impacto teve junto do público?
Há várias. Acho que a reportagem “Tudo pela Fé” foi tremenda do ponto de vista da aceitação e divisão na sociedade em torno deste debate sobre o neopentecostalíssimo e a teoria da Prosperidade. Outra reportagem “Transgéneros e Transexuais”, um assunto que a televisão pública nunca tinha abordado com a coragem e frontalidade que abordámos. Em África, ser gay é quase uma condenação, é um assunto tabu entre as famílias. Levámos à TPA histórias de pessoas que se assumem, aceitam-se como são e querem aceitação social. Gerou uma discussão na sociedade, uns consideravam um assunto sem importância, outros extremamente importante. A verdade é que hoje discutimos mais abertamente essas questões na televisão pública e entre nós. Fizemos “Rituais Perigosos”, uma abordagem de práticas místicas. Também há quem considere não ser importante para a televisão pública. Há quem ache importante, por chamar a atenção das pessoas para práticas ocultas, e há pessoas que batem no peito e assumem-se como feiticeiros. O jornalismo tem que ter essa dinâmica na abordagem dos temas. Ter a capacidade de provocar o debate, de descortinar o que está oculto. Assim como a sociedade precisa democratizar-se, o jornalismo precisa ser o expoente máximo para a democratização da sociedade.
No programa “Na Lente”, de todas as peças, qual teve maior dificuldade em realizar?
O “Tudo Pela Fé” foi o mais complexo de realizar. Na Igreja, não sabes com quem lidas. Mas os jornalistas já sabem que vão estar diante de situações desta natureza. Fizemos a nossa parte, esquecemos tudo o que estava a volta e mergulhámos. Muitas dificuldades no acesso as fontes, no tratamento do conteúdo, mas conseguimos colocar o produto ao ar.
Com a estreia do programa, arrecadou vários prémios entre os quais ‘Jovem de Mérito da Comunicação Social’ e ‘Melhor Programa de Informação’. Recentemente, recebeu o ‘Melhor Apresentador Magazine Temático 2019’. Sentiu que o nível de responsabilidade perante os telespectadores aumentou?
Claramente. Quando temos visibilidade, de alguma maneira ela assombra a nossa vida. A responsabilidade não se mede pela popularidade que temos mas, quando temos muita visibilidade, ela vem a dobrar. O que se espera de nós está sempre acima daquilo que já demos. O grau de exigência em relação a nós é grande. O que o “Na Lente”, o que o Cabingano fizer tem de ser sempre grande. Isso obriga-nos a estudar mais, ter menos horas de sono, a trabalhar de forma mais empenhada, ter a capacidade de fazer leituras e, por essa via, dar às pessoas aquilo que é de interesse público. O jornalismo é cidadania, serviço público e tem a obrigação de transformar a sociedade.
É jornalista profissional há cerca de 15 anos. Qual foi o momento que mais marcou a sua carreira?
Foram vários. Dos maus aos bons, mas o que não me sai da cabeça é a não estreia do “Tudo pela Fé”, por problemas com a nossa “máquina”. Gerou um grande stress. Se não tivéssemos tido a tranquilidade que acabámos por ter diante da pressão social em torno do conteúdo que não foi para o ar, talvez hoje não estivéssemos a fazer essa entrevista. Muito se disse, inclusive que comprámos conteúdos. Foi dos piores momentos da nossa atividade profissional.
Para fechar, um dos seus sonhos é publicar um livro sobre jornalismo. Está para breve?
Tenho essa intenção. Faço sempre apontamentos daquilo que tem sido a minha atividade, enquanto repórter do “Na Lente”. Quero escrever sobre os bastidores deste programa. Fazer com que este conteúdo seja de utilidade para jovens estudantes de Comunicação Social e de Jornalismo. Em Angola, temos pouca bibliografia sobre a nossa realidade noticiosa. Temos muita gente experiente, mas temos pouco escrito sobre o desempenho dessas pessoas nestas áreas. Gostaria de dar aos jovens as peripécias por que passei para estruturar uma reportagem, que foi ao ar, que foi vista, que foi comentada, que teve audiência, como é que trabalhamos para ter acesso as fontes, como é que elas reagem quando são abordadas, como é que se estrutura os passos, desde a pré-produção, a recolha das informações, a conceção dos conteúdos, edição e a publicação por via de emissão da televisão. Esse processo tem fases e precisam ser do conhecimento de jovens que estudam jornalismo e esperam chegar ao nível que vamos alcançando paulatinamente.