Com um percurso profissional em várias áreas da comunicação, António Ferrari é o atual assessor de comunicação da Organização das Nações Unidas (ONU) para Portugal. Com a determinação e dedicação como valores principais, revela que trabalhar na ONU é “grande sentimento de alegria e, sobretudo, um enorme orgulho”.
Numa videochamada desde Bruxelas, António Ferrari recorda o seu percurso desde o jornalismo à assessoria de comunicação e a determinação em atingir novos patamares dentro da área. Nesta entrevista, revela ainda, com orgulho, o sentimento de trabalhar na ONU, uma organização cuja missão e valores lhe “são muito próximos”, mas também as dificuldades de aproximar as audiências portuguesas a esta organização.
Começou por se licenciar em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa e fez ainda uma pós-graduação em Relações Internacionais no ISCSP, da Universidade de Lisboa. Independentemente da forma, comunicação sempre foi o seu objetivo?
Sim. Desde criança que tinha o sonho de vir a ser jornalista e trabalhar em comunicação. Mas também sempre me atraiu bastante a vertente da política, diplomacia e das relações internacionais. E, na verdade, quando estava a estudar comunicação, percebi que tinha esta vontade de estudar mais e saber mais sobre o sistema internacional. Por isso, depois de ter estudado e de ter trabalhado como jornalista, senti a necessidade de aprofundar o meu conhecimento na área internacional, sobre as Nações Unidas, a União Europeia, entre outras. Mas, sim, comunicação sempre foi o meu objetivo e tenho a certeza que acertei no meu percurso porque gosto muito do faço. Aliás, hoje, tenho muita sorte, porque trabalho em comunicação e comunico na maior organização internacional do mundo.
Em 2005, iniciou o seu percurso profissional no Jornal de Negócios, passando depois para a TVI e RTP. Como foi trabalhar em jornalismo televisivo?
Só fiz jornalismo televisivo ao longo da minha carreira. Claro que o profissional que tenha a experiência em imprensa, rádio, televisão e agora online é um profissional mais completo, no sentido em que conhece todos os formatos e os vários meios jornalísticos. Ao longo da minha carreira de jornalista, tive a possibilidade de trabalhar em televisão e de apurar as minhas competências, porque, de facto, este tipo de jornalismo tem as suas especificidades. Mas num período mais tardio, também escrevia artigos para o online e, portanto, consegui explorar também essa vertente. Hoje é, sem dúvida, uma dimensão do jornalismo que tem crescido imenso e cada vez mais a forma como as pessoas consomem informação. Portanto, foi muito bom trabalhar em televisão, aprendi muito e sinto-me muito privilegiado por ter tido esse percurso. Mas, claro, que quantas mais formas jornalísticas soubermos em termos profissionais, melhor para quem almeja ser um bom jornalista.
Assessoria em tempo de crise
Mais tarde, em 2013, foi assessor de imprensa do ministro de Economia, António Pires de Lima. Como foi a transição do jornalismo para a assessoria de imprensa? Era algo que tinha já idealizado?
Fui jornalista quase dez anos e, durante esse tempo, fazia a parte da economia política e cobria muito os assuntos do Governo e da Presidência, e ia lidando muito com assessores de imprensa. Mas chegou ali a um ponto em que comecei a ter curiosidade de estar do outro lado e ver como esse trabalho é feito. Perceber como se prepara a comunicação de políticas públicas e de decisões importantes, porque são coisas que podem mudar a vida dos cidadãos. Por isso, quando surgiu esse convite, não hesitei em aceitar porque era uma forma de alargar os meus conhecimentos numa outra área da comunicação. De facto, foi uma experiência incrível e aprendi imenso. Não só porque tive a oportunidade de perceber melhor como é que o Governo trabalha, como é feito o circuito legislativo e tomadas de decisões, mas também porque complementou a minha carreira na comunicação. Foi muito interessante ver o outro lado da barricada. Perceber como se lida com jornalistas e como se gere o fluxo de informação desde as assessorias ao jornalismo. Foi muito bom.
Refere que foi uma experiência interessante e que o enriqueceu bastante. Contudo, nesse mesmo ano, Portugal atravessava uma enorme crise económica. Sentiu que teve uma responsabilidade acrescida, por ser assessor do ministro da Economia?
De facto, foi um período muito complicado para o País e, portanto, a minha experiência num gabinete de ministro foi mais desafiante. Estávamos à mercê da Troika e, por isso, o Governo tinha a sua ação, de certa forma, limitada. E, então, Portugal foi obrigado a fazer reformas profundas em várias áreas e que afetaram a vida dos cidadãos e a forma como o país funciona. E claro que isso foi um desafio acrescido para quem trabalhava para o Governo nessa altura. Obrigou-nos a ser criativos e o mais eficientes e claros possível nas mensagens que queríamos transmitir.
Sorte na oportunidade, orgulho na permanência
Atualmente é assessor de comunicação na Organização das Nações Unidas, desde 2017. Como surgiu esta oportunidade?
Depois de ter trabalhado como assessor de imprensa no Governo, percebi que não voltaria ao jornalismo e que iria explorar outras vertentes da comunicação. Comecei a trabalhar, então, numa agência de comunicação, onde fazia a comunicação de empresas de vários sectores. Consegui desenvolver as minhas capacidades em pequenas áreas deste mundo, como as assessorias, a gestão de redes sociais, organização de eventos, public affairs… foi uma oportunidade para me tornar um profissional ainda mais completo. Mas a verdade é que já há alguns anos que vinha a concorrer a posições em organizações internacionais que me interessariam. Não é fácil entrar nestas organizações e houve muitos concursos em que participei e nem passei da primeira fase e outros que fui até à última e não fiquei. Em 2016, vi uma vaga aberta na Organização da Nações Unidas para ser assessor de comunicação para Portugal. Concorri e o meu perfil e experiência académica e profissional encaixavam muito bem com o que procuravam. De facto, tive a sorte de conseguir ter esta posição.
Qual o sentimento de colaborar profissionalmente com uma das maiores organizações mundiais?
Tenho um grande sentimento de alegria e, sobretudo, um orgulho enorme em trabalhar na ONU. Gosto muito do que faço, porque é uma organização cuja missão e valores me são muito próximos.
O sistema das Nações Unidas é um sistema muito grande, que compreende não só o secretariado, onde trabalho, mas também muitas outras agências e entidades que estão associadas à organização. Trabalhamos, sobretudo, áreas como os direitos humanos, a manutenção da paz, as migrações, a gestão de fluxo de refugiados, as alterações climáticas, a igualdade de género, o empoderamento das mulheres, o combate às armas nucleares… enfim, tudo grandes temas que são muito importantes para a Humanidade e que exigem uma gestão de diplomacia e de multilateralismo que é fundamental.
Há um ex-Secretário Geral das Nações Unidas que tem uma frase que está numa das paredes da nossa sede em Nova Iorque que diz: “As Nações Unidas não foram criadas para estarmos no céu, mas sim para que o Mundo não seja um inferno.” Esta citação ilustra muito bem o papel da ONU no mundo. As Nações Unidas têm 193 estados-membros, mais dois observadores, que têm interesses muito dispares entre si por variadíssimas razões: políticas, económicas, sociais, culturais, entre outras. E tentar que estes 193 atores estejam de acordo ou quase de acordo, em determinados temas, é um desafio. Por isso, para mim, é um prazer poder colaborar com esta organização que, no fundo, pretende não só garantir um futuro mais sustentável para todos, mas também reduzir ao máximo as desigualdades que ainda são enormes, num Mundo o mais pacífico possível.
Aproximar “o longe” a Portugal
Para além de gerir a comunicação entre a instituição e outras entidades/pessoas, quais são as principais ocupações de um assessor de comunicação na ONU? E a que áreas de atuação se dedica?
O meu trabalho tem várias componentes. De facto, estou inserido no Centro de Informação Regional, que foi criado há 15 anos em Bruxelas. Na prática, é um departamento de comunicação das Nações Unidas para a Europa Ocidental. Sou, portanto, responsável por Portugal como assessor de comunicação. Tenho apenas uma colega que faz parte da minha equipa e o nosso trabalho consiste em promover os assuntos e os grandes temas da agenda das Nações Unidas junto das audiências portuguesas, não só junto dos media, mas também da sociedade civil e entidades governamentais e não-governamentais. Consiste também em estabelecer parcerias com entidades portuguesas para promover os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030 e fazer traduções de informações e promoções da língua portuguesa, que não é uma língua oficial das Nações Unidas e, portanto, há uma grande responsabilidade na promoção do multilinguismo. Damos, igualmente, apoio ao mundo lusófono, aos países africanos de língua portuguesa, que não têm centros de informação da ONU e também colaboramos muito com os nossos colegas do Brasil. O nosso trabalho passa ainda por produzir conteúdos informativos e gerir um site e redes sociais da ONU Portugal. Nessas plataformas, tentamos comunicar temas que são caros e que interessem aos portugueses e que se liguem à realidade de Portugal. O meu dever é aproximar as audiências portuguesas à ONU. Muitas vezes é um desafio porque temos a sorte de viver no bloco regional mais rico do Mundo e de não termos a presença da ONU no país porque não necessitamos de ajuda humanitária nem estamos em missões de paz porque não estamos em conflitos… enfim, somos muito privilegiados. Por estas razões, às vezes tem-se a sensação de que a ONU é uma entidade muito longínqua, com sede em Nova Iorque e umas coisas em Genebra e Viena, com os Capacetes Azuis em África. Mas a verdade é que a ONU é muito mais do que isso. Por isso, o meu papel é aproximar a sociedade civil a esta organização, fazendo com que participem e contribuam para as suas grandes causas.
Referiu que é um desafio aproximar as audiências portuguesas à organização. Mas quais são as maiores dificuldades nesta comunicação?
A maior é sempre essa. Tentar que haja uma maior atenção e interesse das pessoas pela organização. Por vezes é difícil, porque somos muito privilegiados e, portanto, não há uma grande evidência da presença da ONU em Portugal, ao contrário de mais de 130 países que têm a organização no terreno. Mas devo dizer que, surpreendentemente, se nota cada vez mais um grande interesse e compreensão da sociedade portuguesa em relação ao trabalho das Nações Unidas. Também é com muito orgulho que temos um secretário-geral português, que tem feito um trabalho extraordinário. E isso, gera uma maior atenção.
O que acontece é que temos alguma limitação de recursos. Isso também é um desafio. Com os recursos e número de pessoas que temos, tentamos fazer o mais possível para dar a conhecer as Nações Unidas a Portugal.
Jornalismo: sim ou não?
Julga ser necessário ter bases em jornalismo para poder prestar assessoria de comunicação?
Sou da opinião que sim. Claro que há muitos assessores de comunicação que são ótimos profissionais e que nunca tiveram esse background. Por isso, só posso falar por mim. No meu caso, foi extraordinariamente importante, não só para saber como funcionam as redações, que temas é que interessam, o que é que é notícia e como valorizar determinada informação, fazendo ver ao jornalista que um tema é relevante e que vale a pena reportar. Também foi bom para conhecer os próprios jornalistas e ter contactos junto dos média. É uma grande arma para um bom assessor de comunicação. Para mim, é uma grande ajuda ter esta visão holística. Perceber como o meio funciona e os profissionais que se movimentam nesta área é importante. Mas não é obrigatório, claro.
Embora se encontre, desde 2017, a trabalhar na ONU, pondera, a longo prazo, voltar ao jornalismo?
Nunca pensei nisso. Neste momento, estou muito empenhado no meu trabalho, mas gosto muito do jornalismo e continua a ser uma das minhas grandes paixões. Mas, na verdade, esta já é a terceira posição que tenho na ONU. Entrei e depois fui para Nova Iorque, para uma redação que a organização tem e fui produtor de conteúdos informativos, onde apresentava um programa de televisão português sobre a ONU, um programa de rádio e criava conteúdos para o site em português. Aí continuei ainda a ter um bocadinho daquele que era o meu trabalho de jornalista. Mas, de facto, não ponho de lado a hipótese de voltar a essa área. Não sabemos o que a vida nos reserva.
Para os que gostariam de trabalhar em assessoria de comunicação, que recomendações dá sobre o caminho a seguir?
Para entrar e depois crescer com uma carreira na assessoria de comunicação é necessário estarmos sempre dispostos a aprender. A comunicação é uma área que evolui muito rapidamente. Vemos isso nos últimos anos. Só com o aparecimento da Internet, a comunicação mudou muito. Todas as redes sociais, plataformas de videoconferência, meios de comunicação que tiveram de ser adaptar… a comunicação está sempre em desenvolvimento. Para se ser um bom assessor de comunicação é preciso estar sempre atualizado em relação às ferramentas disponíveis e à dinâmica do mundo da comunicação. É preciso ter muita vontade para se estar constantemente a inovar e a ser criativo, porque o espaço mediático é cada vez maior e há cada vez mais concorrência, e é necessário dar visibilidade a determinados assuntos. Um bom assessor tem de estar a par da atualidade, compreender o contexto em que se move e compreender a organização ou pessoas para os quais trabalha. Isso é fundamental.