Licenciada em Ciências da Comunicação e mestre em Gestão Estratégica das Relações Públicas, começou a estagiar na Assembleia da República, onde se mantém enquanto assessora. Nesta entrevista, explica a função que desempenha, a importância do protocolo num órgão de soberania e as eventuais soluções para os principais problemas da relação política-cidadão.
Licenciou-se em Ciências da Comunicação na Autónoma. O que a levou a seguir comunicação?
Entrei no curso de Informática de Gestão na Universidade Autónoma de Lisboa, mas acabei por perceber que não gostava de números. Comecei a correr os cursos e a ver o que eventualmente faria sentido e acabei por escolher Ciências da Comunicação. Era uma pessoa extremamente tímida e o curso foi um desafio. Tive aulas de rádio e televisão e, por isso, tive de falar em público e expor a minha voz. Isso obrigou-me a enfrentar os meus maiores receios. Foi a partir daí que comecei a perceber, de facto, que tinha jeito para comunicar. Foi uma consequência muito feliz.
Realizou estágio na Assembleia da República. Como surgiu esta oportunidade?
No final do mestrado, tive de fazer a dissertação e uma das hipóteses era fazer um relatório de estágio. Ainda não tinha tido experiência laboral, por isso aproveitei para ganhar algum currículo. Os meus pais eram os dois funcionários públicos e, portanto, a função pública era onde me sentia confortável, porque era o tema que ouvia falar em casa e se discutia à mesa. Fazia-me sentido estagiar na função pública, não em sentido lógico, mas a nível de me sentir mais confortável. Antes de optar pelo estágio, tive um seminário e esteve presente alguém da Presidência da República. Uma das minhas professoras perguntou-me se não seria uma ideia trabalhar num órgão de soberania e fiquei a pensar nisso. Na altura, havia um serviço de relações públicas que era o Centro de Informação ao Cidadão e Relações Públicas, onde acabei por estagiar durante três meses.
É assessora no Parlamento desde 2016. O que implica esta função?
Temos muitas funções dentro do protocolo. Organizamos as visitas oficiais quando o presidente da Assembleia da República convida um homólogo. Fazemos todas as cerimónias oficiais da Assembleia da República, que dão um trabalho gigante, desde marcar todos os lugares das galerias de acordo com a Lei das Precedências do Protocolo do Estado Português (Lei n.º 40/2006 de 25 de agosto), às reuniões internacionais que possa haver. Algo que é muito importante e não podemos esquecer é que um profissional de protocolo tem de ser uma pessoa que, de uma forma geral, saiba sobre a cultura do país que nos vem visitar. Seria muito errado para um convidado que venha da China ter flores amarelas na mesa. Para eles, isso é uma ofensa. Um profissional de protocolo tem de saber desses melindres todos e, mesmo que não saiba, vai pesquisar e estudar quando certo país nos vem visitar. Além disso, o profissional de protocolo tem de ser muito bom a ler linguagem corporal e linguagem não-verbal, e tem de ser neutro, apartidário e prestar o trabalho com transparência. São muito importantes estas competências.
Já passou por três legislaturas enquanto assessora parlamentar. Quais os desafios que sentiu em quadros políticos tão distintos?
A assembleia tem 230 deputados, 209 sem contar com o presidente, e decorar todas essas pessoas leva anos. Dá imenso jeito ao protocolo conhecer a cara dos deputados, devido à ordem de precedências de cada um. A Divisão de Protocolo trabalha diretamente com o gabinete do presidente da Assembleia da República e nas duas primeiras legislaturas não notei grande diferença, porque o presidente manteve-se o mesmo, o Dr. Eduardo Ferro Rodrigues. Nesta legislatura, com o presidente Augusto Santos Silva, já notei alguma diferença a nível de dinâmica de trabalho. É um presidente que tem outra visão, e que vai querer descentralizar o Parlamento. Um aspeto muito importante que defendi na minha dissertação, e continuo a defender, é tirar a assembleia deste pedestal. Estávamos muito habituados a fazer tudo aqui dentro das nossas quatro paredes e, de repente, estamos a fazer eventos em Braga, Coimbra, entre outras capitais de distrito. Agora, temos uma dinâmica de trabalho mais rápida em que vai haver muitas coisas a acontecer. As duas primeiras legislaturas, confesso que eram uma realidade mais pacata, mas daqui para a frente, pelo menos na minha área, acho que será um grande corrupio.
Integra a Divisão de Relações Públicas e Protocolo. Que importância tem o protocolo numa instituição como a Assembleia da República?
No âmbito parlamentar, qualquer órgão de soberania tem de ter uma Divisão de Protocolo para garantir que as cerimónias oficiais decorrem de forma ordeira e de acordo com o protocolo. Se tudo estiver em ordem, sejam cerimónias ou outro evento, tudo correrá melhor. Montamos “o palco”, para que os vários interlocutores desenvolvam o seu trabalho da melhor maneira. O protocolo dentro de um órgão de soberania é fundamental e a lei de precedência é um exemplo disso, porque cada grupo parlamentar sabe perfeitamente quem está à frente ou atrás. Erros destes são fatais.
“Não somos um povo totalmente alheio ao que acontece”
Na sua dissertação de mestrado, “Centro de Informação ao Cidadão e Relações-Públicas da Assembleia da República: plano de ação estratégica para o desenvolvimento da área educativa”, defende que as relações externas são mantidas através de diversas técnicas de comunicação direta, que englobam o contacto direto com os públicos, através da criação de momentos de proximidade com os mesmos. As visitas guiadas à Assembleia da República e as assistências ao plenário são exemplos disso?
Sem dúvida! Isso e a iniciativa “Parlamento de Porta Aberta”. Este ano, a Assembleia da República abriu no dia 5 de outubro. Nos dias de porta aberta e das visitas guiadas, os cidadãos são incentivados a sentarem-se no lugar dos deputados, para perceberem como tudo acontece. Há uns anos, o regime de porta aberta era cingido, mas nos últimos anos pôde-se circular livremente. Isto é extremamente importante na criação de alguma proximidade com o cidadão e mais um momento para que a literacia chegue aos cidadãos. O interesse existe. Não somos um povo totalmente alheio ao que acontece. Agora, se se reflete a nível de abstenção…não sei. Não percebo a abstenção, tendo em conta o interesse crescente que verifico de pessoas a virem cá. Mas lá está, de acordo com o estudo, nota-se um interesse na Assembleia da República, mas não nos partidos políticos.
Este serviço de relações públicas existe desde 2018 e foi criado para reforçar a política de abertura do Parlamento e desenvolver uma comunicação mais próxima e aberta com os cidadãos. Esta é uma comunicação neutra em que os cidadãos podem confiar?
A assembleia tem uma atuação bastante transparente na comunicação e divulgação do que se passa dentro das quatro paredes. O que a comunicação parlamentar faz é informar, educar e interagir. São os nossos motes. Informar na medida em que disponibiliza informação fidedigna e completamente apartidária dentro do trabalho parlamentar; educar através das visitas guiadas, em que explicamos a história do Parlamento e como tudo funciona e nas plataformas digitais em vídeos muito curtos que se chamam “parlamentês”; interagir no sentido de dar a opção de o cidadão interagir com a Assembleia, através do livro de reclamações e sugestões que qualquer cidadão pode utilizar e o Correio do Cidadão, disponível no site do Parlamento, onde qualquer cidadão pode colocar as suas questões.
De acordo com o Eurobarómetro, apenas 16,7% dos cidadãos portugueses confiam nos partidos políticos e 40% confiam na Assembleia da República. Como é que o trabalho de assessoria tenta solucionar um dos principais problemas da relação política-cidadão?
É um trabalho que não é fácil. Existirá sempre uma cultura de antiparlamentarismo que está contra os órgãos de soberania. Temos noção que isso nunca irá mudar. Estes valores podem ser interpretados pelo facto de as pessoas terem uma noção que a assembleia é um órgão independente, que tem deputados, mas é alheia aos partidos políticos. Há uma frase de José Saramago que diz “cada vez que um político mente, destrói as bases da democracia” e, portanto, é quase como se nós, assembleia, estivéssemos aqui a batalhar para dar informação transparente, clara e neutra, e depois há, por exemplo, um deputado que faz uma ‘picagem’ por outro e declara uma presença fantasma. Nos plenários, acusam-se uns aos outros de corrupção e de enganar a assembleia. Isso faz cair tudo o que tentamos criar.
Em 2010, foi lançado no site da Assembleia da República o separador “Espaço Jovem”, para promover o interesse dos jovens pela participação cívica e pelo debate de temas de atualidade. Foi uma iniciativa para uma maior inclusão dos jovens no futuro da política do país?
Foi uma iniciativa para uma maior inclusão. O Espaço Jovem é feito pelo gabinete de comunicação, no entanto, os jovens não vão lá sozinhos, tem de haver alguém que lhes mostre. Os jovens são os futuros eleitores e se conseguíssemos utilizar os professores como mediadores de informação era bastante importante. Outra iniciativa é o Parlamento dos Jovens. Um programa que já temos desde 1995, em parceria com o Instituto Português da Juventude e do Desporto e com as direções gerais da educação espalhadas pelo país. Tem como objetivo promover e incentivar o trabalho democrático aos alunos do Ensino Básico e Secundário. Este projeto de incluir os jovens no futuro político do país é importante e acredito que estes jovens serão de certeza futuros votantes.
“Estamos muito bem no backstage a fazer a máquina funcionar”
De volta à sua dissertação de mestrado, fala sobre o envolvimento dos idosos na política, com a criação de os envolver na vida parlamentar e promover o envelhecimento ativo. Pode explicar o que isto implica?
Na altura, achei que isto poderia ser uma iniciativa da assembleia, hoje tenho dúvidas. Continuo a achar que o projeto seria interessante na tentativa de criar literacia política, mas talvez pudesse ser feito a nível municipal. O objetivo era criar um cruzamento de gerações, entre jovens e pessoas mais velhas. Existiria um programa que convidava os mais novos a irem aos lares para uma troca de experiências, como as histórias do 25 de abril, como era o antigo sistema político, quem estava no poder e outras curiosidades. Seria um cruzamento geracional interessante.
Como é que a Assembleia da República pode promover a literacia política junto destes públicos?
Envolver os idosos na vida política não é tarefa fácil, até porque em todos os nossos públicos temos de ver quais os canais de comunicação que podemos usar. Não é fácil chegar aos idosos. O canal de comunicação talvez seria a televisão, através do Canal Parlamento.
O papel de assessor é um trabalho de bastidores sem grande visibilidade, mas uma parte fundamental na Assembleia da República. Sente que esta profissão devia ter mais visibilidade?
Não acho que deva ter mais visibilidade. Não é esse o nosso papel. O trabalho de um assessor é um trabalho de backstage e quando nos candidatamos sabemos ao que vamos e, portanto, acho que ninguém está à espera de ‘grandes brilhos’. Os deputados e as comissões têm visibilidade. No fundo, ajudamos o sistema a funcionar como deve ser, mas não precisamos de aparecer. Estamos muito bem no backstage a fazer a máquina funcionar.
Tem expectativas ou mais conquistas para o futuro no seu trabalho como assessora?
A assembleia tem vários programas de cooperação com outros países, nomeadamente com os países da CPLP, e tive a oportunidade de dar formação aos meus colegas homólogos do Parlamento da Guiné-Bissau. Foi das experiências mais enriquecedoras a nível de componente humana e profissional. Foi um trabalho muito enriquecedor, tanto para mim como para eles. Senti-me efetivamente útil. Se existe alguma coisa que gostaria de vir a fazer mais vezes são programas de cooperação, seja com países da CPLP, seja com qualquer outro país. Nasci para comunicar. Nasci para ensinar aquilo que sei fazer e para receber dos outros aquilo que eles fazem.