Aos 29 anos, André Carvalho Ramos é hoje um dos rostos mais marcantes do jornalismo de investigação em Portugal. Com histórias e experiências na memória que o marcam dentro e fora da profissão, considera que está hoje onde desejará estar no futuro, porque o jornalismo, é sem dúvida, o que o faz tornar-se “uma pessoa melhor”.
Na pausa de mais uma investigação jornalística, André Carvalho Ramos abre as portas da sua segunda casa, a TVI, para falar ao UALMedia de memórias da sua ainda curta – mas intensa – carreira no jornalismo. Numa entrevista que se previa breve, mas que acabou por se prolongar por largos minutos, o jornalista revela o caminho até chegar à TVI e todas as oportunidades que conseguiu agarrar. Desde a crise de refugiados aos trágicos incêndios de Pedrógão Grande, André fala, sem medo, na importância de os jornalistas colocarem os seus sentimentos naquilo que contam e nos principais valores que mantém presentes: dar voz a quem não a tem e denunciar injustiças em democracia.
Licenciou-se em Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), fez uma especialização em televisão no Cenjor e já exerceu funções na RTP e CMTV. O jornalismo em televisão sempre foi o seu sonho ou foi uma oportunidade que apareceu e decidiu agarrar?
Sempre quis ser jornalista. Quando comecei a estudar na Escola Superior de Comunicação Social, queria seguir imprensa. Nunca pensei fazer televisão devido às minhas características pessoais: a minha timidez, o ser reservado, o facto de não gostar de exposição pública, que é obrigatória para quem trabalha em televisão… Portanto, nunca achei que a minha vida pudesse passar por este meio.
No entanto, havia um programa que se transmitia na RTP2, o E2, que era produzido na minha escola e, num certo dia, um colega de turma quis ir ao casting para apresentador do programa e eu fui com ele, mas para lhe fazer companhia. Na verdade, os dois apresentadores masculinos que ficaram… fui eu e ele. Confesso que tinha zero jeito e hoje, se for ver os vídeos, tenho alguma vergonha, mas alguém da produção, quem me selecionou, viu alguma coisa em mim.
Foi a partir deste momento que apareceu a televisão na minha vida. Fiz a apresentação do programa, depois pequenas reportagens e, mais tarde, um programa de entrevistas, em que tive a oportunidade de ter pessoas que admirava à minha frente. Comecei, assim, a desenvolver certas competências e percebi que este podia ser um caminho, e até frequentei três cursos no Cenjor relacionados com televisão. Quando terminei a faculdade, três dias depois já estava a começar a estagiar… em televisão.
Após terminar a licenciatura, começou o seu percurso profissional num estágio na TVI. No entanto, só mais tarde é que regressou a esta que hoje é a sua segunda casa. Como foi a entrada neste canal?
Foi estranho, porque, de facto, senti um peso gigante de responsabilidade. Quando saímos da faculdade, somos muito ingénuos e olhamos para uma redação como se fosse uma coisa do fim do mundo. Senti isso, quando comecei no meu estágio na TVI. Já no estágio da RTP, senti a responsabilidade do serviço e do escrutínio público. Após esse estágio, passei para a CMTV e cresci muito a nível profissional, porque tive inúmeras oportunidades, desde o ser jornalista a coordenador do jornal.
No entanto, mais tarde, voltar ao sítio onde já tinha sido feliz e tudo tinha começado, já com uma perspetiva diferente, foi muito bom. Na verdade, quando voltei, em março de 2014, fui muito bem recebido porque estavam cá todas as pessoas que já conhecia e, por isso, tive um crescimento muito rápido: já não era uma redação estranha para mim, não precisei de começar do zero. E as oportunidades surgiram rapidamente. Sempre quis voltar à TVI, porque tinha gostado muito da experiência do estágio e, de facto, consegui. Tive sorte.
Jornalismo de investigação
Atualmente, o seu trabalho na TVI passa pelo jornalismo de investigação, um jornalismo que expõe assuntos de extrema relevância para todos nós, mas que pode acabar por pôr em risco a integridade física dos próprios jornalistas, dadas as informações que são reveladas. Como exemplo, falo de Pedrogão Grande, onde a equipa de investigação da TVI e o próprio André foram alvo de ameaças físicas enquanto filmavam funcionários da autarquia a retirar dos armazéns os donativos para as vítimas dos incêndios. É nestes momentos que tem ainda mais vontade e força para continuar a expor a verdade?
Completamente. Quão mais difícil for chegar à informação, mais estimulante é a história. Há algumas dificuldades, como o exemplo de Pedrogão Grande, em que houve uma situação que é crime público. Foi uma ameaça clara a um jornalista. Ameaçaram-me fisicamente com uma cabeceira de ferro de uma cama, ao mesmo tempo que diziam: “Mando-te para a cova!”
No entanto, há também ameaças noutros contextos. Já aconteceu ter que ficar fora de minha casa durante uma semana, a marcar noite por noite em hotéis, para não se saber onde eu estava. Cheguei a sair com carros diferentes dos estúdios da TVI, para minha salvaguarda. Efetivamente, corremos esse risco no decorrer do nosso trabalho. E obviamente que isso implica um esforço não só profissional, mas também pessoal. Mas o jornalismo é isto. Entra na nossa vida. E, de facto, acabo por ser sempre o André jornalista.
Sem dúvida que o caso de Pedrógão Grande foi uma das alturas mais complicadas da minha vida. Fiz duas grandes reportagens, especificamente sobre os donativos, em fevereiro de 2019, e explodiram mediaticamente. Não se falava de outra coisa. A Câmara Municipal de Pedrógão Grande tinha quase um ódio pessoal contra mim. Não respondiam às minhas perguntas, até em conferências de imprensa, o que é um retrocesso democrático evidente. Foi, realmente, uma explosão boa e má. Má porque há uma pressão efetiva, boa porque sentimos que o nosso trabalho está a ter consequências práticas, ao fazer as pessoas refletirem sobre temas importantes. De facto, houve, nesse período, um reconhecimento do nosso trabalho. Mandavam mensagens nas redes socais e enviavam e-mails para a TVI a querer falar connosco. Mas claro que não é agradável sermos ameaçados, nem termos que ficar fora de nossa casa, não sabendo onde vamos dormir, dia após dia.
Custa muito fazer uma reportagem de investigação. Algumas podem implicar esses tipos de ameaças, outras não. Mas quando vemos o produto no ar, sabe bem. No dia seguinte, voltamos à estaca zero, cheios de energia para começar uma nova reportagem. Nós, em equipa, gostamos muito disto. Obviamente que não é uma decisão minha fazer algo contra alguém. É simplesmente a busca pela verdade. Nós damos os factos e a informação, e as pessoas, a partir disso, fundamentam a sua opinião. É um trabalho extremamente gratificante e é o que me faz trabalhar tantas vezes, no mínimo, 12 horas por dia, sem uma única folga, para colocar no ar uma nova investigação.
É através do seu trabalho nas equipas de investigação da TVI que muitos temas ganham um enorme destaque na atualidade nacional pelo escrutínio público que é feito. Por um lado, certamente, sente o seu dever cumprido enquanto jornalista, mas, por outro, o que sente quando, por vezes, os temas que revela publicamente não têm continuidade e a merecida atenção por parte das entidades competentes?
A justiça não tem tempo para acompanhar o sentimento de justiça que as pessoas têm. Como cidadãos, perante certas injustiças que são denunciadas, tanto por nós como por outros órgãos de comunicação social, o normal é querer-se consequências imediatas. Mas, obviamente, a justiça leva o seu tempo. Anos até. E isso pode produzir uma certa sensação de impunidade.
No caso de Pedrógão Grande, o presidente da Câmara Municipal continua, ainda hoje, a exercer funções e a gerir os donativos como quiser. Estamos em 2020. Passaram-se quase três anos após os incêndios e há ainda quem não tenha o que precise. E o presidente continua lá. Há pessoas que são arguidos nos processos, claro. Mas, na prática, nada acontece.
Aí é que entra o jornalismo de investigação. E há bom jornalismo de investigação em Portugal. É importante mostrar, por exemplo, que um autarca agiu daquela forma, para que, nas próximas eleições autárquicas, as pessoas já saibam o que aconteceu, podendo ter impacto na sua decisão de voto.
Creio, no entanto, que as consequências de uma reportagem de investigação são muito diluídas no tempo, misturando-se depois na sociedade e nas concepções que se retiram da reportagem. Não há, efetivamente, uma causa-consequência. A não ser que haja algo escandaloso, como no caso da Raríssimas, em que o Secretário de Estado da Saúde estava claramente envolvido. Deu uma entrevista, mentiu e demitiu-se. Mas sabemos que nem todas as pessoas visadas nas reportagens têm “coluna dorsal” de assumir os erros e as responsabilidades. Julgo que, quando um dirigente público tem uma grave suspeita sobre si, deve ponderar uma demissão, colocando o cargo à disposição. Infelizmente, quase nunca acontece.
O jornalismo de investigação é, seguramente, uma das formas de fazer jornalismo que mais prazer – mas também trabalho – dá aos jornalistas. Referiu que há bom jornalismo de investigação em Portugal, mas sente dificuldade em fazê-lo?
Não acho que seja difícil. Mas também, se calhar, trabalho numa equipa que se pode considerar privilegiada. Na TVI, nunca me disseram para não ir a certo sítio porque não há dinheiro ou para não seguir determinada pessoa porque é intocável. Nunca senti qualquer pressão ou condicionamento interno. A dificuldade prende-se é com fatores externos. Tanto no acesso à informação como às pessoas que não nos dão entrevistas só por saberem que é o André Carvalho Ramos a fazê-las. Com a Ana Leal, a mesma coisa. Já não lhe dão entrevistas. E isso, para nós, é o mais frustrante.
Considero que, de facto, faz-se bom jornalismo de investigação em Portugal. Podia ser feito mais, mas o que se faz é bom. Tanto na TVI, como na RTP, no Sexta às 9, no Público ou no SOL. Mas, efetivamente, não sinto qualquer constrangimento ou dificuldade. Trabalho numa equipa fixa, coordenada por pessoas que admiro e respeito e, por isso, não tenho qualquer tipo de dificuldade em fazer jornalismo de investigação. Tenho é pena de não ter tempo de fazer tudo aquilo que quero, porque, infelizmente, temos um país com bastante coisa por investigar.
Num vídeo promocional da TVI24, disse que o que o move é fiscalizar a democracia, porque não há uma democracia sã se não houver um jornalismo a cumprir aquilo que lhe compete. Vê o jornalismo como um quarto poder?
Vejo. Há quem considere, teoricamente, o jornalismo como um quarto poder e há quem não considere. Eu julgo que sim. O jornalismo tem poder, no sentido de denunciar injustiças. Não tem poder de condenação, nem acusação. Apenas deve expor e depois, aí, as pessoas, perante as hipóteses todas que lhes são apresentadas sobre o mundo em que vivem, tomam as suas decisões. Se não houver um jornalismo que exponha situações de corrupção, branqueamento de capitais, evasão fiscal, entre outras, as pessoas não vão tomar as decisões certas em contexto de democracia, porque não são detentoras de toda a informação. E, de facto, o jornalismo é a única instituição capaz de dar essa informação.
Disse essa frase num vídeo promocional da TVI24, sobre uma reportagem que fiz, em 2016, acerca da crise de refugiados na Grécia. Fiz a travessia entre a Turquia e Lesbos, e, agora, há novamente pessoas a fazer essa travessia, a arriscar a vida. Saíram, nas redes sociais e em alguns meios de comunicação social, vídeos que mostram a guarda costeira grega a passar com lanchas a alta velocidade em frente aos botes e a dar tiros para o ar, para travar a travessia de refugiados para a Europa. Numa dessas tentativas completamente cruéis e desumanas, morreu uma criança afogada. Em 2016, fiquei chocado com aquilo que se passava. E quatro anos depois, em 2020, continua a acontecer. Isto para concluir que, sim, o jornalismo é o fiscalizador da democracia, de forma a dar a conhecer às pessoas a realidade. Para que se possam revoltar e ter espírito crítico em relação a tudo.
Histórias que marcam
Refere que a crise de refugiados e os incêndios de Pedrógão Grande foram das realidades que mais o marcaram tanto a nível profissional, mas também a nível pessoal. O André jornalista consegue separar-se do André cidadão?
Não, nunca. Inicialmente vinha com a ideia que sim. Pensava: “Uma coisa é o André a trabalhar, outra coisa é o André com os seus sentimentos e pensamentos.” É impossível haver uma separação. Aquilo que constatei com a minha prática é que, quanto mais eu viver uma experiência e quanto mais colocar a minha perspetiva na reportagem que estou a fazer, mais rica a história fica. Uma coisa é estarmos sentados na redação a receber os vídeos das agências internacionais, outra coisa é estarmos lá, a conhecer as pessoas.
No caso das reportagens dos refugiados, nos primeiros dois dias tinha que me afastar. Emocionava-me, chorava. É ver o desespero, à nossa frente, nos olhos daquelas pessoas. Pessoas que atravessavam o deserto a pé, que arriscavam a sua vida e a vida dos próprios filhos dentro dos barcos. Estar lá à noite, do lado grego, prestes a sair num barco para fazer a travessia, quando não se ouve nada, apenas o vento, e não se vê nada, está tudo negro, ao mesmo tempo que se pensa que, efetivamente, há pessoas com crianças nesses botes, com a probabilidade de se afogarem… é terrível! Há coletes cor de laranja à deriva. Vê-se chupetas dos bebés na praia, brinquedos, chinelos. Se a emoção que se recolhe destas situações, como repórteres, for colocada numa reportagem, obviamente de forma ponderada, só traz mais riqueza ao conteúdo que vamos produzir.
A mesma situação com Pedrógão Grande. Nunca coloquei numa reportagem imagens de corpos, nem entrevistei pessoas que tivessem perdido um familiar direto. Mas podia ter explorado isso. No entanto, acho que sou boa pessoa e não faz sentido explorar o sofrimento dos outros, porque o recato que essas pessoas precisam, nesse momento, não se coaduna com a exposição pública que lhes daria. Isto para dizer que, a partir do que vejo, recolho os sentimentos e coloco-os nas histórias que estou a contar. Fica uma reportagem completamente diferente. O que se escreve, da forma que se escreve, com pausas que trazem um maior sentimento à imagem, as respirações… Dizia muitas vezes, quando estava a editar as reportagens de Pedrógão Grande: “Deixa a imagem respirar.” Apenas a imagem, sem texto jornalístico. Cru. Sem poesias. Só o som do vento e da madeira queimada. Não vale a pena escrever para aquelas imagens. As imagens falam por si.
Numa entrevista conta que “não explorar a dor alheia” é um dos principais valores que mantém na sua mente, tendo acabado de referir isso na resposta anterior. No entanto, vemos que, hoje em dia, muito jornalismo é realizado com base neste mesmo conceito. Esta é uma nova necessidade do jornalismo?
Considero que há vários tipos de jornalistas. Nós podemos definir os jornalistas que queremos ser, independentemente do órgão onde trabalhemos. Tenho um currículo que me permite dizer que já passei por vários canais. Só me falta um canal de televisão. Portanto, posso dizer que já percorri praticamente todos os alegados estilos jornalísticos existentes no jornalismo televisivo. Tive um início de carreira com falhanços, em que não ficava em lado nenhum, mas passei por diversos sítios, o que me permitiu beber um bocadinho de experiência de tudo.
Efetivamente, com a crise económica de 2011, o país entrou em crise e a comunicação social também. A partir daí, houve necessidade destes órgãos de comunicação alterarem o discurso que tinham, para captar mais a atenção. E aí, podemos chamar a isso o que quisermos, com base nas considerações pessoais de cada um: sensacionalismo, aproveitamento… Eu prefiro nunca ir por esses caminhos, porque não se pode ser alheio ao contexto. Se há algum jornalista que entreviste alguém que perdeu um familiar direto numa tragédia, há que olhar para o contexto. Por exemplo, a ex-presidente da Associação de Vítimas dos Incêndios de Pedrógão Grande, a Nádia Piazza, tinha perdido o filho. Mas a própria Nádia queria essa exposição e contar a história, para honrar a vida do filho. Nesse caso, obviamente, não vejo mal fazer a entrevista.
Quando falo em não explorar a dor alheia, é não explorar o sentimento de alguém que ainda está a gerir a situação toda. No caso dos incêndios de Pedrógão Grande, o calor era tanto na estrada onde morreram aquelas pessoas todas que os meus ténis derreteram. E não havia uma única chama. Portanto, as pessoas ainda estavam em choque, não sabiam bem o que tinha acontecido. Mesmo que aceitassem fazer uma entrevista, não estavam plenamente conscientes do que estavam a fazer. É nesse sentido que não acredito em explorar a dor alheia. Se o jornalista cumprir o seu código ético e deontológico vai, obviamente, saber fazer uma filtragem desses casos.
Nessa mesma entrevista, expõe ainda que não acredita num jornalismo imparcial, uma vez que os jornalistas têm opiniões e emoções e é necessário pôr o cunho pessoal naquilo que se faz. Esta ideia não vai um pouco contra o que, teoricamente, é o conceito de jornalismo?
Vai contra algumas conceções teóricas que existem sobre jornalismo. Pode não parecer bem dizer isto, mas as escolas e as universidades têm de evoluir. A teoria existe sim, está datada, mas ao longo do tempo tem de ir evoluindo. O próprio conhecimento de quem faz reportagens permite esse pensamento. Há uma jornalista da CNN que admiro muito, a Christiane Amanpour, que diz: “Imparcialidade sim, neutralidade não.” Se há uma injustiça clara, de alguém contra alguém, é impossível na nossa balança pessoal dar mais voz e tempo de antena a mais uns do que a outros. Não dá para equilibrar certos casos. Teoricamente sim, mas na prática não.
Há um exemplo concreto meu. Estive na Palestina, na Cisjordânia e testemunhei um abuso militar de Israel contra este país. Há quem fique mais de um lado do que do outro, há quem relate tudo de forma mais neutra. Mas eu, estando lá, a ver o Estado de Israel com militares em todo o lado a controlar os palestinianos que, por exemplo, só queriam ir à mesquita rezar – quando a religião devia ser respeitada – senti, de facto, esse abuso. Senti a intimidação e o clima de medo que os palestinianos sentiam, até porque o meu aspeto físico lá não denunciaria que seria europeu. Aquelas pessoas da Palestina não são respeitadas porque são tratadas como inferiores. Israel, por exemplo, é quem controla a água potável da Palestina. E não é normal um país controlar a água do outro. Nem controlar quando os cidadãos devem aceder aos seus terrenos agrícolas. Isto é estrangular um povo até ao seu desaparecimento e um abuso militar. E eu, efetivamente, não consigo dar a mesma voz a ambos. Dar voz a quem não a tem, sem ser neutro. Não consigo ser imparcial, nesse sentido.
Jornalismo em mudança
Numa era em que se assiste a uma evolução do jornalismo, muitos jornalistas tentam adaptar-se às novas tecnologias, visto que há cada vez mais uma transição de um jornalismo em papel para um jornalismo digital. Considera que está a passar por esta fase ou o facto de ainda ser jovem traz-lhe mais competências neste sentido?
Na nossa geração, as redes sociais fazem parte do dia-a-dia. Obviamente, não sinto uma fase de transição. Sinto, sim, necessidade de formação porque, apesar de tudo, gerir redes sociais é complexo. Tem de se saber o que se está a fazer e eu não tenho competências para isso. Mas posso dizer que o Facebook e o Instagram, para o programa para o qual trabalho, são geridos por nós, equipa. E estamos plenamente conscientes do alcance que isto tem. Um vídeo de uma entrevista, por exemplo, que eu dei na TVI24 acerca de uma investigação sobre o Fernando Medina e a Câmara Municipal de Lisboa teve cerca de 150 mil visualizações e um alcance de 250 mil pessoas. Isto é mais do que a audiência da TVI24. As redes sociais têm, de facto, um grande poder. No entanto, não podemos simplesmente pedir a um jornalista que se adapte a isto. A gestão de redes sociais é uma competência específica. Mas vamos fazendo… experimentando, pesquisando… faço com gosto.
Muitos referem que o jornalismo em papel tem tendência para acabar, mas outros revelam com otimismo a impossibilidade de esta ideia se tornar realidade. O jornalismo em papel tem ainda grande impacto junto dos jornalistas ou, atualmente, existe alguma indiferença quanto ao assunto?
Todos os dias chegam jornais em papel para nós lermos. Não desapareceram. Temos assinaturas digitais, mas leio os jornais em papel que chegam diariamente à redação. Confesso que tenho uma preferência pelo papel. Fecharam muitos jornais nos últimos tempos. Mas acho que tudo o que for bom, vai vender na mesma. Efetivamente, o modelo de negócio vai ter que ser outro. É ainda uma incógnita de que forma esse modelo vai ter que ser. Mas o que acontece na imprensa, acontece na televisão. As receitas publicitárias diminuíram.
O que eu considero é que, tanto os jornais em papel como as televisões generalistas, para combater o novo consumo de plataformas como a Netflix e a HBO, devem aumentar exponencialmente a qualidade dos conteúdos. O jornal em papel já não pode simplesmente dizer aquilo que se passou no dia anterior, porque isso já saiu nas redes sociais e nos jornais online. Têm de ir mais longe. Histórias e investigação próprias, uma abordagem que complemente uma notícia que saiu no dia anterior… ir mais além. Para sobreviver, têm de mudar o paradigma. Às oito da noite, quem se senta para ver as notícias na televisão, já sabe tudo o que se passou durante o dia. À exceção da minha avó, que não tem redes sociais…
Sobre as fake news. Crê que os cidadãos têm, gradualmente, mais consciência das falsas informações que são partilhadas ou continua a ser uma batalha para o jornalismo?
É uma batalha. Acho que ainda estamos numa fase – e que não é uma transição – para as pessoas perceberem que só se pode acreditar naquilo que um órgão de comunicação social conta. A situação é grave.
Há muitas fake news a circular, porque a melhor forma de atacar alguém é pondo uma notícia falsa publicamente. Eu próprio já fui alvo de muitas fake news, infelizmente. Colocam em causa a minha credibilidade, o meu nome, podendo a minha próxima reportagem não ser vista de forma respeitada. É uma situação que pode acontecer a toda a gente, e é mesmo muito grave. Pode-se fazer uma notícia falsa sobre o Governo e isso vir a ter impacto nas eleições. No entanto, há muitos políticos que utilizam as fake news a seu favor. E já não é sobre a vida privada das pessoas. É a democracia que está em causa.
Por exemplo, André Ventura recorre a informações falsas a torto e a direito, como se fossem verdade. Tudo isto é triste e perigoso para a democracia. Mas como é que isto se combate? Com um jornalismo forte e com órgãos de comunicação credibilizados. As pessoas só podem acreditar nestes órgãos, porque são eles os únicos que garantem a verificação e validação dos factos.
Há páginas que publicam o que querem, sem escrutínio nenhum. E, com a velocidade das redes sociais, propaga-se aos milhares por minuto. É muito perigoso. No entanto, ainda hoje, a nível internacional, se está a questionar que ferramentas é que as redes sociais podem aplicar para verificar se as publicações que circulam são verdadeiras ou falsas. Até agora, desde que isto começou a estoirar, só vi o Facebook uma vez a avisar-me para ter atenção às informações falsas. Foi nos fogos da Austrália, em que havia um mapa que mostrava o país todo a arder. Aquilo não era verdade. Mas só vi este aviso uma vez, desde que criei perfil no Facebook, em 2009.
Portanto, o combate às fake news não pode ser só um trabalho de jornalistas. Tem que ser também controlado por essas plataformas, que têm de alocar dinheiro, investimento e pessoas para verificar a informação que circula. O mundo não pode ser um lugar para isto. Para informações que passem mensagens de ódio, racismo, xenofobia e, sobretudo, informação falsa. O papel do jornalismo, neste sentido, tem que ser paralelo ao papel destas plataformas.
Longe das câmaras
O que é que o jornalismo como profissão lhe traz a nível pessoal?
Acho que vou chegar ao final da minha carreira com muitas experiências. Pensar: “Estive na Palestina. Estive na estrada que dá acesso à Faixa de Gaza, onde caíram 18 rockets na noite em que lá estive. Fiz a mesma travessia que os refugiados. Conheci refugiados, com quem ainda hoje mantenho contacto.”
Conheci pessoas, tive experiências e fui a sítios que, de outra forma, não aconteceria. O facto de poder conversar com pessoas completamente antagónicas em relação ao que penso, e que me ajudam a crescer… o jornalismo, a nível pessoal, traz-me isto. Sou uma pessoa completamente diferente. Se calhar sou menos tímido, menos reservado, e sou certamente mais conhecedor do mundo em que vivo.
Também traz algumas amarguras pela injustiça que vemos diretamente com os nossos olhos. E, por isso, talvez seja um bocadinho mais frustrado com o mundo em que vivemos. Mas também me traz mais combustível para continuar a trabalhar e denunciar essas realidades. Em geral, é isso mesmo. Traz-me mais conhecimento, mais cultura geral e torna-me uma pessoa melhor. E isso é maravilhoso. Foi por isto mesmo que escolhi ser jornalista.
Como imagina o seu futuro como jornalista? Há ainda muitas escadas para subir?
Cheguei muito depressa onde queria chegar. Hoje sou amigo da Ana Leal mas, quando ainda não era jornalista, olhava para ela e dizia que queria ser assim. Ela fazia aquelas entrevistas incisivas, com as perguntas certas nos momentos certos. E eu queria aquilo. Queria ser como ela. Ela fez um bocadinho de tudo e, sem dúvida, é a jornalista que mais admiro. E não digo isto por trabalhar com ela, porque já dizia isto antes sequer de sair da ESCS.
Mas hoje, aos 29 anos, trabalho numa equipa de seniores. Sou o mais novo. Há, pelo menos, 15 anos de diferença entre eu próprio e a equipa. E são anos de jornalismo, não de idade. Sinceramente, não consigo pensar onde quero estar daqui a cinco anos porque, daqui a cinco anos, quero estar onde estou. Quero fazer isto.
Para já, estou onde quero. A TVI deu-me as oportunidades todas. Que obviamente, também implicam trabalho. Antes de vir para o programa, tinha mais de 50 folgas em atraso. Mas é um esforço pessoal. Em vez de folgar, vou trabalhar. Porque quero. É um investimento pessoal. Mas, agora, estou onde quero estar e quererei estar. Neste momento, gostava de ter mais um bocadinho de experiência internacional. Mas, a seu tempo, isso chega. Aprendi, sobretudo, a esperar. Com tempo e trabalho, tudo o que queremos acaba por chegar.
Tendo em conta as oportunidades que tem atualmente, o que julga ter sido o fator diferenciador entre o André e os seus colegas, após terminar o curso?
Esta pode ser a minha análise, que pode estar errada. Às vezes, nas escolas superiores tende-se a desvalorizar um bocadinho a importância da parte teórica para avançar-se para a parte prática. Obviamente que é importante, porque é o primeiro contacto com o mercado de trabalho. Mas o que acho que me distinguiu foi, por exemplo, não me contentar com um 15. A seguir ia fazer exame para melhorar a nota. E subi muito das minhas notas em exame.
Eu vinha de Línguas e Humanidades. Não tinha matemática desde o 9º ano e sofri muito na ESCS com Economia. Não percebia nada e foi muito difícil. Acabei por chumbar… e nunca tinha chumbado. Fiquei muito frustrado porque tive 8. Fui a exame, e tive 8 também. E passei ‘à rasquinha’ com 13 no recurso em setembro.
Mas o que me distinguiu foi dominar isso. É sempre um conselho que dou quando falo com estudantes: a parte teórica é muito importante. Obviamente, que podem saber ler e escrever para televisão, já ter tido o primeiro contacto com um programa de edição e uma câmara… mas é aqui, nas redações, que ajudamos a construir a forma de produzir televisão. Eu ajudei e ajudo quem me vier pedir ajuda na redação. Dedico o meu tempo e dou opiniões. Mas também peço opiniões aos estagiários. É muito importante a entreajuda. Todos nós ganhamos com isso.
Em geral, o que te diferencia, é saber cultura geral. Saber informações de economia, sociedade, educação, política. Quem são as pessoas dentro dos partidos ou como se elege para a Assembleia da República. Isto aprende-se nas cadeiras teóricas. Na altura, pode parecer que não serve para nada, mas serve.
Por exemplo, quando o BES começou a cair, era preciso alguém para acompanhar esta crise e eu, com os meus conhecimentos de economia, dei todas as notícias possíveis sobre o assunto, acompanhei a Comissão de Inquérito, fiz uma entrevista ao governador do Banco de Portugal, que foi citada em todo o lado e fez o BES valorizar 80 milhões de euros. Nunca vou saber quanto são 800 mil euros, quanto mais 80 milhões… Mas foi graças à minha insistência em economia e às aulas da minha professora, que me chumbou duas vezes, que percebi que tinha mesmo que saber aquilo. Este exemplo do BES mostra o impacto que tem a importância de termos conhecimento teórico sobre as coisas, que vamos aprendendo na universidade e adquirindo ao longo da nossa vida.
É esse o conselho que dou aos estudantes. Teórica, sim, sim, sim. Prática, como complemento. Ler jornais e ver televisão todos os dias. Ter muita cultura geral. Saber o xadrez da sociedade, para saber o que perguntar. Mas também, igualmente importante, é não ter medo de falhar. Andei para trás e para a frente durante cerca de três anos da minha vida. Saí da faculdade, fui estagiar para a TVI, não fiquei. Fui para a RTP, não fiquei. Fui trabalhar para a CMTV, fui despedido. E agora estou aqui, na TVI. Não ter medo de ser despedido e de acabar o estágio e não ficar. É normal e é possível. Mesmo contra tudo e contra todos. Não tenham medo de falhar. E, sobretudo, não desistam.