Conhecida pelo programa ‘Cala-te Boca’, da Mega Hits, Maria Correia considera que a espontaneidade é uma das suas principais características. A comunicadora acredita que o fascínio da rádio está na capacidade de criar imagens mentais em quem está do lado de lá.
Maria Correia, 27 anos, licenciada em Comunicação Social e Cultural, na Universidade Católica, já quis ser bombeira e inclusive fotógrafa de surf, mas foi a rádio que a conquistou. Estagiou na Mega Hits e hoje pode ser ouvida nas manhãs, no ‘Snooze’, com Rui Maria Pêgo e Conguito. Juntos têm a rubrica ‘Cala-te Boca’, que se tem revelado um sucesso. Recentemente, Maria Correia lançou um canal no Youtube ‘MCMC On Backsta-G’, onde publica vídeos sobre temas que merecem o seu interesse. É numa esplanada, enquanto bebe café, que confidencia mais pormenores sobre o seu amor pela rádio.
Nasceu no Dia da Rádio, 13 fevereiro, mas o “bichinho” só apareceu quando estava na universidade. O que a fascinou na rádio?
Primeiro, foi a capacidade de passar uma mensagem para várias pessoas e conseguir inspirar e mudar os seus dias. Sempre ouvi imensa rádio, todos os dias de manhã. Adorava o fenómeno de começar a rir-me sozinha, no meio do metro ou do autocarro. No fundo, sempre pensei: adorava ter este impacto na vida das pessoas. Não só no seu dia a dia. Em que estamos no trânsito… Ou seja, não temos de estar parados a ouvir rádio. Podemos estar a fazer mil coisas em simultâneo e a rádio serve de companhia. Pode fazer-nos rir e pensar: “ah, sou igual a ela, também”. Tento ser muito eu própria para inspirar as pessoas a perceber que somos todos iguais. Inspirou-me essa parte, o poder fazer rir, de acompanhar as pessoas, a voz… Não adorava a minha voz porque é um bocado grossa. Diziam que tinha voz de bagaço (risos). Quando entrei para a rádio, disseram: “Não, tu tens voz de rádio”. Comecei a ouvir a minha voz e a pensar: se calhar até gosto disto e de comunicar e de falar imenso. Foi assim que surgiu. Foi mesmo na faculdade com a disciplina de Comunicação Radiofónica.
Como foi para uma recém-licenciada chegar a uma estação de rádio como a Mega Hits?
Imagina…. Fui para lá sem a expetativa de ficar. A Universidade Católica tinha uma parceria de estágios com o grupo Renascença, do qual a Mega Hits faz parte. Fui para aprender, ganhar currículo e ter uma experiência incrível. Mas nunca na vida pensei que ia ficar. Para mim, nem era uma hipótese. Depois, disseram que havia essa possibilidade e agarrei. Tive mesmo de dar tudo quando estava a estagiar. Quando chego lá é um bocado arrebatador. Chegamos e temos os microfones…. Nessa altura, punham-me imensas vezes no ar, a falar para imensa gente. Estava um bocado nervosa, mas depois comecei mesmo a ficar apaixonada. Agora, já é mais normal.
Improviso preparado
A Mega Hits é uma rádio mais direcionada para jovens. Este target permite-lhe, de alguma forma, ter uma linguagem mais informal e com mais à vontade do que se fosse noutra rádio?
Totalmente. O nosso cort-target é 15-24 anos. Ou seja, temos de saber a linguagem do target. Saber o que andam a fazer, o que vestem, comem, bebem, onde é que vão sair à noite, se gostam de ir ao cinema… Tudo. Falando exatamente a mesma linguagem que eles. Claro que na rádio temos de ter mais cuidado e usar uma linguagem mais universal para que toda a gente perceba. Há pais e irmãos mais velhos a ouvir. Há muito mais pessoas a ouvir. Até os próprios locutores têm uma idade próxima ou a do target. Entrei com 21 anos, a média etária dos ouvintes. A minha linguagem é mesmo essa. É assim na Mega Hits. Claro que não vou dizer asneiras na rádio. Temos de ter esse cuidado porque, se estivesse a falar coloquialmente e com uma linguagem super erudita, se calhar o target não ia acompanhar. Iam pensar que não falamos a mesma língua. “Por que é que estou a ouvir isto?” É uma preocupação.
Acompanhamos o target em tudo o que faz. Mesmo nos horários. Sei que, de manhã, as pessoas estão a sair de casa para ir para a faculdade ou estão a correr. Temos de pensar sempre no que eles estão a fazer agora, a fim de poder dizer coisas que falem mesmo com o target. Há pessoas que ficam mesmo: tu disseste aquilo e eu estava mesmo a correr naquela altura. Temos de ter na consciência o que é que as pessoas estão a fazer. Preparamos tudo e temos sempre a consciência das rotinas das pessoas.
Para quem não está dentro do meio, fazer rádio é mais do que ir ao estúdio e falar. Seria possível descrever um pouco da sua rotina?
Trabalhar em rádio, às vezes, pode ser muito complicado. Chegamos lá ainda quase a dormir e tenho de acordar as pessoas.. Se bem que fazemos um bocado de “honest radio”. Às vezes, há dias em que estou ou com uma alergia ou com mais sono e não tenho medo de dizer. Se estão a ouvir, vão pensar: “Também tenho sono, ela também tem sono. Ela é uma pessoa normal, eles são normais”. Chegamos à rádio e imprimimos o guião, pode ter tópicos ou mesmo um texto. Vamos para o estúdio. Preparamos o programa no dia anterior. E se durante a noite acontecer alguma coisa, temos de rever o guião e pensar: isto ainda faz sentido fazer, não faz? Vamos adaptando. É adaptar. É claro que improvisamos em cima do texto. Não estamos agarrados, improvisamos. Havia alguém que dizia isto, não me lembro quem era: “o melhor improviso é o improviso preparado”. Assim, conseguimos improvisar, ser genuínos e espontâneos. Há dias em que não estamos de tão bom humor ou tão inspirados e, se não tivermos uma base, é mais difícil.
Plataformas digitais na rádio
Num panorama em que os jovens já não ouvem tanto rádio, qual o segredo para que o ‘Snooze’ seja um programa de sucesso entre os mais novos?
Basicamente, tentamos criar sempre uma ligação emocional. Através das redes sociais, tentamos apelar a que as pessoas conheçam a marca Mega Hits, a que oiçam mais rádio, também. Agora temos uma aplicação nova que também é incrível e não ocupa espaço nenhum no telemóvel. Podem ouvir rádio onde quiserem. Podem gostar da nossa personalidade no Instagram, tanto no da Mega Hits como no nosso pessoal ou no Youtube. Depois pensar: Vou dar uma oportunidade, vou ouvir. Já aconteceu muita gente a reconhecer-me e dizer: “Sigo-te no Instagram”.
Muitas das redes sociais estão a ajudar a que não acabe tanto. Acho que nunca vai acabar. Vamos no carro a ouvir rádio, mesmo que seja música. Às vezes, fartamo-nos de ouvir a nossa música e queremos mesmo aquele fator surpresa da rádio. Pode surpreender pela positiva, outras vezes não. Ninguém vai deixar de ouvir rádio. É uma companhia. Não temos de estar parados a ver o telejornal, por exemplo. Pode-se, por exemplo, estar a estudar e ouvir que o grande sucesso do cinema do momento é o filme de Lady Gaga com Bradley Cooper, “Assim Nasce uma Estrela”. A rádio nunca vai acabar.
Vivemos num tempo onde a rádio já não é só som, mas também imagem. Defende que as plataformas digitais, como o Instagram e o Youtube, são uma ferramenta para dar essa imagem à rádio?
Completamente. Até porque antigamente havia a incógnita do quem é que estava por trás daquela voz. Hoje em dia, os ouvintes podem identificar-se muito mais com os animadores, com a on air personality deles através de outras plataformas. Podemos ir ao Instagram, pesquisar e pensar: identifico-me com ela. Ou não. Temos o ‘Cala-te Boca’, que é uma rubrica do ‘Snooze’. Muita gente vê só no Youtube, mas a marca rádio continua. Não deixa de ser rádio. Mas claro que a imagem está a ser fundamental para a rádio continuar de boa saúde.
Rádio como partilha
“A minha vida é falar”. Portanto, encara a rádio como uma partilha. É da opinião que as pessoas precisam de trocar mais ideias e de se ouvir mais umas às outras?
Completamente. A rádio, às vezes, e agora os “influencers” … A rádio e a televisão sempre foram influencers. Agora, é que existe esse conceito isolado de quase tudo. Mas na rádio, somos influencers. Todos os dias, estamos a influenciar as opiniões. Se falar de tendências, vou influenciar pessoas a vestir-se de uma certa maneira. Se no ar disser: acho que a tendência desta estação é cor de rosa, uma opinião minha. Se calhar, há pessoas que vão vestir cor de rosa. Ou então também vou ouvir na televisão ou ver alguma coisa que me vai deixar influenciar. Falta realismo.
No Instagram e noutras plataformas, só vemos o lado bom das pessoas. Às vezes, é preciso trocarmos mais ideias e comunicarmos mais com os outros. Não me refiro a que devemos pôr coisas tristes, no Instagram, mas reais. Sem querer, estamos a criar uma pressão gigante a esta geração de perfeição. E contra mim falo também. Vamos ao Instagram de uma influencer e elas editam-se imenso. Muita gente não sabe. O que é que vão tentar fazer? Reproduzir aquilo. Todos os influencers deviam tentar mostrar o lado mais real, em vez das fotografias do ângulo perfeito. Por exemplo, o Facetune é uma aplicação em que podemos pôr maminhas, tirar as rugas, encolher a barriga… Quase todas as influencers usam. A própria Maria Vaidosa teve um bebé e depois pôs uma sequência de fotografias a dizer: podia ter cortado a barriga…. Essa comunicação dela foi fundamental para se tornar numa pessoa e não uma imagem inatingível de perfeição. A ligação emocional não se cria só através de uma personagem. No outro dia, pus uns textos mais profundos e tive imensas pessoas a dizerem: “Maria, leste os meus pensamentos”. Se calhar, sem querer, ajudei não sei quantas pessoas que pensavam que estavam sozinhas. Se falássemos todos mais uns com os outros, perceberíamos que estamos todos a viver o mesmo. Não estamos super felizes como nas redes sociais.
Nos dias de hoje, o que procura uma pessoa quando liga a rádio?
Procura, acima de tudo, companhia, conhecer novas músicas, novos artistas. Podemos ir ao Youtube por iniciativa própria ou deixarmo-nos influenciar por especialistas de música. Sabemos que determinado som é bom e estamos a dar a conhecer. Pode-se gostar ou não. Mas há pessoas que vão à procura do que se está a ouvir agora. Vou sair hoje à noite, o que se está a ouvir? Vai à rádio um bocado nessa expectativa. Já de manhã, a rádio tem uma missão que é acordar, ser companhia.
Vida de locutora de rádio
Quais são as dificuldades para um jovem que quer seguir a profissão, nomeadamente, para quem é de fora de Lisboa ou de outros grandes centros urbanos?
Para já, estadia. Se vierem estagiar para a rádio e não tiverem onde ficar, é difícil. Para seguir rádio ou televisão, é preciso estar em Lisboa e no Porto, onde está tudo a acontecer.
Existe a ideia que a rádio é dos meios que menos paga aos seus profissionais? Consegue-se viver bem da rádio ou é necessário equilibrar com outros trabalhos?
Dá para viver bem da rádio. Temos um ordenado normal, mas com uma particularidade. Os locutores têm um ordenado base, mas se fizermos intervenções de animador, que normalmente são pagas por marcas, ganhamos um extra. O mesmo acontece se trabalhamos ao fim de semana e nos festivais. Quando dizemos uma marca no ar, estamos a ganhar dinheiro, como na televisão. A televisão vive da publicidade e a rádio vive da publicidade. É assim que se sobrevive. Não conseguimos ser milionários ou poupar muito dinheiro e ter uma casa. Há meses em que ganhamos muito bem porque temos muita publicidade e outros menos.
É bom se equilibrarmos com outra atividade para termos uma vida confortável. Se trabalhares com marcas e mesmo no Instagram, é possível fazer muito dinheiro. Mas não fazemos uma fortuna a trabalhar na rádio (risos). Se alguém for para a rádio e pensar: quero ir para a rádio para ter muito dinheiro. Não vale a pena. Para seguir rádio, temos mesmo de gostar e ter uma paixão gigante.
“Liberdade de falar quando te apetecer”
Defende que a espontaneidade é a chave para o sucesso. É uma característica importante para alguém que quer fazer da comunicação a sua vida?
Para mim, é fundamental, mas não tem de ser. Varia mesmo de pessoa para pessoa. Há quem funcione muito melhor com tudo preparado, com um texto, uma base ou segurança maiores, antes de entrar num direto ou de fazer qualquer trabalho. Se estiver muito formatada naquilo que tenho a dizer, não me vai sair tão bem. Prefiro ter guide lines e improvisar por cima. É uma incapacidade minha. Não estou a dizer que é bom. Sou muito melhor a improvisar e a ser espontânea.
A televisão nunca foi uma opção?
Quando fui para a rádio, pensava que este meio também era uma forma de chegar à televisão. Hoje em dia, gosto muito mais de rádio do que de televisão. Na rádio, temos um poder mágico. Criamos as imagens que quisermos na cabeça das pessoas. Descrevo tudo o que está a acontecer à minha maneira. É uma espécie de arte. Estou a dizer o que vejo, mas aos meus olhos. Não existe nenhum programa de televisão ou formato em que pense: “via-me imenso a fazer isto”. O que é ser eu própria, ser espontânea. Para mim, é tudo um bocado formatado. Prefiro mais a liberdade que tenho na rádio do que televisão. Mas se me surgir uma proposta, quero experimentar. Nunca digo nunca. Imaginava-me a fazer um Curto Circuito, na SIC Radical, ou assim.
Recentemente, lançou um canal no Youtube “MCMC On Backsta-G”. Acredita que esta plataforma dá mais liberdade do que a rádio?
O que me levou a ir para o Youtube foi a necessidade de ter mais tempo para falar,uma vez que, na rádio, o tempo é limitado. No canal, posso falar o tempo que me apetecer e sobre temas que quiser. Reparto o ‘Snooze’ com mais duas pessoas e amo dividir o programa com eles, mas no meu canal estou só por mim. Posso estar ali a divagar e a falar do que quiser.
No Youtube, temos a liberdade de fazermos o que quisermos. É o que me fascina neste meio. É isso que falta na televisão, por exemplo. É a liberdade de conteúdos, de falar quando nos apetecer. No Youtube, as pessoas escolhem se querem ou não ser a minha audiência. Mas há pessoas que não, que têm uma estratégia. Por exemplo, chegar a determinado público. Não estou a pensar nisso, quero ser eu própria no Youtube. Não me meti numa estratégia muito elaborada, nem pensei bem a quem é que queria chegar. Até pode ser um erro. Às vezes, não preparo muito as emissões. Já aconteceu estar a gravar tipo oito minutos e não tinha nem uma linha de raciocínio. Comecei a falar e depois cheguei ao fim e disse: “não quero nada disto, não estou a dizer nada”. Também há momentos em que a espontaneidade corre mal.
Além da rádio e do canal, com que outros projetos se sentiria realizada?
Tantos. Neste momento, queria também concretizar algum projeto ligado à música. Gosto muito de hip hop. Escrevo algumas coisas. Também já fui algumas vezes MC, ou seja, dar música num palco a animar as pessoas. Também gostava de escrever um livro. Tive esta ideia na última semana. Não sei se hei de escrever ou não.
Qual seria o tema do seu livro?
Sou muito random, muito aleatória. Às vezes, estou em casa e, nos últimos dias, abro o caderno e escrevo. Não penso no que estou a escrever. É super libertador. Tive anos sem escrever e agora comecei outra vez. Pensei: porque não partilhar isto com mais pessoas? Pode ser que alguém se sinta como me estou a sentir. É a cena de ser relatable. Hoje em dia, é o mais importante na comunicação. A verdade. Quando não é verdade em qualquer tipo de entretenimento, de arte, o público sente. Por isso, quando as pessoas são fake ou não estão a ser naturais, não lhe ligamos. O público sabe sempre tudo.