Jaime Marta Soares tem um currículo de dez páginas de que muito se orgulha. Como sublinha, “participei em muita coisa. Fui presidente de muita coisa”. A sua vida dava, diz, um “bestseller”. Numa entrevista reveladora, o “homem dos sete ofícios”, como se autodescreve, explica por quê. Fala sobre os cargos mais polémicos que assumiu, as suas conquistas e mágoas, mas também o que espera no futuro.
Presidente da Liga Nacional de Bombeiros Portugueses, antigo líder da Câmara de Vila Nova de Poiares e e ex-responsável da assembleia geral do Sporting. Os compromissos de relevo assumidos na vida pública são inúmeros e nem sempre o seu desempenho desperta opiniões consensuais. Uma coisa é certa: sempre que Jaime Marta Soares intervém em público, seja para criticar a atuação da Proteção Civil e defender os Bombeiros, nos incêndios de 2017, como para criticar as decisões de Bruno de Carvalho à frente do Sporting, ninguém fica indiferente à sua opinião.
Quem é este homem dos sete ofícios que bate o pé sempre que uma situação lhe parece errada? Na televisão, tem uma expressão austera, mas durante a entrevista, que decorre na Liga Nacional de Bombeiros Portugueses, o rosto cerrado depressa se esvai para se revelar um homem humilde e afável que afirma orgulhar-se de todas as empreitadas que encontrou no caminho. Com uma vida entregue à causa pública, Jaime Marta Soares garante estar de “consciência tranquila” e revela que a maior mágoa é não ter vivido com a família.
Aos 74 anos, como recorda o seu percurso profissional e pessoal?
Com cerca de 10 anos, comecei a querer ser participante ativo na vida da sociedade. Lembro-me de andar às costas de um amigo a fazer pinturas de “viva ao Norton de Matos”, quando se candidatou a Presidente da República. Com 15 anos, fui à campanha de Humberto Delgado. Deram-me uma bandeira nacional, arranjei um pau de feijoeiro para fazer de mastro e fui para as zonas críticas onde passava a PIDE a aterrorizar-nos, com armas. Mas não me importei. Fui numa caravana até Coimbra, onde andei às costas de estudantes com a bandeira nacional.
Tenho recordações extraordinárias. Já sentia que tinha algo dentro de mim que me levava a envolver na vida pública. Ao mesmo tempo, praticava várias atividades no desporto, como futebol e andebol, dançava no rancho folclórico e participava no teatro. Envolvia-me em, praticamente, tudo o que fizesse parte da comunidade onde vivia.
Casei com 19 anos. Fui para a tropa com 21 anos, onde estive até aos 25 anos. Quando se deu a Revolução de Abril, ainda não tinha 30 anos, e oito dias depois, fui candidato à comissão administrativa de Vila Nova de Poiares, numa grande manifestação popular. Eram milhares de pessoas no jardim da vila que elegeram 13 indivíduos para a comissão administrativa. Em Coimbra, o governo civil disse que só podiam ser três pessoas. Dessas 13 pessoas, fui escolhido para pertencer aos três candidatos. Em 1979, ganhei as primeiras eleições com maioria absoluta e fui reeleito até sair com 37 anos de eleições e mais dois anos e meio de comissão administrativa.
Na altura, o município de Vila Nova de Poiares era pequeno. Quando cheguei à presidência da câmara, não havia água nem eletricidade. As estradas eram mato. Não havia ligações entre as povoações e centros de convívio. Não existia indústria. Dei-lhes tudo isso. Desenvolvemos muitas potencialidades e passámos à frente de muitos municípios importantes. Mas pelo caminho, tive outros cargos. Fui fundador da Associação Nacional de Municípios Portugueses, onde estive 30 anos como dirigente. Fui presidente da maior associação de informática em Portugal, a A.I.R.C., durante 30 anos. Portugal autárquico tem cerca de 70% das câmaras informatizadas com o nosso software. É o mais moderno e desenvolvido.
Ainda em 1979, entrei na Assembleia da República, ainda como independente. Depois, tornei-me militante do PSD. Na minha vida de bombeiro, com 16 anos, comecei a participar nas atividades dos bombeiros. Mais tarde, fui eleito presidente da federação de Coimbra. Fui nomeado comandante, conselheiro nacional de bombeiros e fiz parte do concelho superior de bombeiros. Fui candidato à Liga Nacional de Bombeiros, em 2012. Ganhei as eleições. Entretanto, tive filhos. Da minha primeira mulher, tive três filhos, que acabou por falecer com 50 anos. Voltei a casar uns anos mais tarde e tive mais um filho. Sempre tive uma vida muito recheada. Era um homem dos sete ofícios. Fui sempre muito polémico. O que dizia não voltava atrás. E, muitas vezes, apesar de ser duro, tinha um sentimento ético e de lealdade muito forte.
Em Portugal, é difícil encontrar uma personalidade tão envolvida na vida pública. Como se organiza para conseguir dar o seu contributo em áreas tão distintas como a política, a vida cívica e o desporto?
Andava sempre ao cronómetro. A correr. Às vezes, quando saía de Poiares para ir a Coimbra a uma reunião, já tinha outra marcada em Poiares. Estava em todo o lado. Tive muitas atividades. Participei em muita coisa. Fui presidente de muita coisa. Tanto na área do desporto, da política e dos bombeiros. Durante 20 anos, fui comandante operacional das zonas mais difíceis no combate aos incêndios em Portugal e, por isso, muitas vezes, vinham-me buscar de helicóptero ou eu ia de carro. Às vezes, saía de Poiares e só chegava oito dias depois. Esgotado. Fiz o curso de árbitros de futebol e de piloto. Não sei como conseguia fazer aquilo, mas fazia.
Como lida com o poder nos cargos importantes que tem assumido?
É muito subjetivo dizer “o poder”. Enquanto presidente da câmara, nunca tive poder nenhum. O poder está nas mãos do povo. Um presidente da câmara sabe que de quatro em quatro anos está na rua. Portanto, isso é relativo. Há indivíduos que veem na democracia apenas os direitos e os deveres. Usam todas as artimanhas para viver à custa da democracia e é isso que tem vindo a dar cabo da democracia em Portugal. A nossa democracia está doente e vê-se por todas estas envolvências de coisas terríveis que se vivem no nosso país, na área da justiça. A vida política não é uma carreira fácil. Tem muito protagonismo.
Conquistas, vitórias e mágoas
Em qual das funções que desempenhou, se sentiu e sente mais realizado?
É uma pergunta fácil, mas ao mesmo tempo difícil. Em todas as funções, dei o melhor que podia e sabia. Sempre me dediquei de alma e coração. Guardo recordações maravilhosas de todas. Tenho a consciência tranquila. Fiz tudo o que era possível fazer. Empenhei-me com toda a força, tentando ser, em qualquer delas, justo, honesto e equilibrado nas decisões. Sempre com um sentimento muito forte de servir, nunca me servindo dos lugares que fui ocupando ao longo da vida.
Arrepende-se de ter deixado algum cargo ou algo por concretizar?
Sim, uma coisa que me prejudicou muito. Em Portugal, liga-se ainda muito ao “doutor”. Não acabei a minha licenciatura. Frequentei o curso de Direito, mas não tinha tempo. E essa é uma das minhas mágoas. Não ter conseguido acabar a licenciatura. Porque há duas coisas que me faltam na vida. Terminar a licenciatura e, provavelmente, por causa disso, não ter sido membro do governo. Não ter concluído o curso, não foi impedimento para nada, mas existiram alguns casos em que senti que não fui tão valorizado.
Este país é ainda conservador em certas coisas. E nas guerras entre os partidos é usado o termo “senhor doutor”. E torna-se complicado, mas não me importo. Isso nunca me inibiu. Podia inibi-los a eles, mas a mim não. A eles criava-lhes problemas. Também deixei outra coisa por fazer, em relação à minha terra: não consegui uma estrada da Beira bem arranjada e uma ligação da zona industrial ao IP3. Se acontecesse, Poiares tornava-se num dos concelhos mais pujantes. Faltam algumas acessibilidades que são muito importantes. Ainda tentei. Fiz alterações brutais que só aconteceram mesmo devido ao meu feitio.
Sente-se orgulhoso de tudo o que conquistou?
Sim, claro. Cometi erros ao longo da vida. Mas tive sempre a sensibilidade de o perceber e acabava por ter o bom senso de justificar as minhas razões. Se entendesse que as minhas razões não eram suficientes, tinha a humildade de pedir desculpa às pessoas. Mas, felizmente, nunca cometi erros que prejudicassem as pessoas. Ao longo da vida, nunca fui criticado, profundamente, por algum projeto que não tivesse consistência. Podia ter oscilações, mas atingia os objetivos. Não tenho medo de nada.
Tenho as minhas convicções e há algo que noto na minha vida. Quando mudo a minha ideia inicial, acabo sempre por me arrepender. E penso “porque é que não fui por aquele caminho?”. E, nesse aspeto, há uma coisa que me ajudou muito. Era o presidente da câmara e o comandante dos bombeiros. A mesma pessoa. Quando era o presidente da câmara e me esquecia de falar com o comandante dos bombeiros, fazia sempre asneira. Analisava as coisas como comandante dos bombeiros. E conclui que falhava menos quando falava com o comandante dos bombeiros, o que demonstra os princípios que defendia: solidariedade e humanismo. Sou um homem feliz. Tenho uma grande paz de espírito, de consciência e de orgulho. Sinto mesmo muito orgulho de tudo o que fiz.
Quais são os aspetos positivos e os negativos da sua carreira?
Todos os trabalhos foram positivos. Mas existe um negativo que não tenho cura para ele. Devido à minha vida profissional, não vivi com a minha família, com os meus filhos. Não vivi com as minhas mulheres. Dei sempre tudo o que tinha. O carinho, o amor e a ternura. A minha segunda mulher dizia-me: “Jaime Soares não me subestimes.” Era uma mensagem para me lembrar da família. Um dia, estava a dizer ao meu filho mais velho, palavras que ele não gostou e virou-se para mim e disse “papá, estás a gritar comigo porquê? Tinha 13 anos quando te vi. Já tenho 26 anos e só voltei a ver-te agora”. Virei-me para ele, com as lágrimas a caírem pela cara abaixo, e pensei: “Isso aconteceu contigo e com os outros”.
Chegava a casa e eles já estavam a dormir. Saía de manhã e eles ainda estavam a dormir. Eu não os via. Às vezes, via-os aos fins-de-semana, mas era a correr. Foi muito difícil para os meus filhos o facto de haver tudo para os filhos dos outros, mas para os filhos do presidente da câmara não. Se o filho do presidente tem um emprego, pensam logo que foi a “cunha”. Os meus filhos sentiram isso. Se fosse uma coisa para o filho dos outros estava garantido, agora para eles nunca havia ajuda nenhuma. Os meus filhos chegaram a dizer-me isso. Agora, estou a pagar caro o afastamento em relação à minha família. Todos se desenrascaram, mas nenhum com o apoio do pai. Fizeram pela vida. Sozinhos. Não quer dizer que não tenha um amor louco pelos meus filhos. Não tem nada a ver. Mas não fui um bom marido, não fui um bom pai e não fui um bom avô. Aquele sentimento de presença nas várias etapas da vida deles, não fui capaz de dar a nenhum.
Sportinguista para sempre
Como viveu a crise no Sporting? Sentiu-se apoiado no embate contra Bruno de Carvalho?
Quando entrei para presidente da assembleia geral, senti logo que Bruno de Carvalho tinha um feitio muito individualista e muito próprio. Mas conseguia manter um relacionamento afável com ele. Percebi que ele era bipolar, mas aproveitava os momentos em que ele estava bem-disposto para conversar e brincar com ele. O Sporting era um bom projeto. Ajudei em tudo o que podia. Criei uma lealdade impressionante com Bruno de Carvalho. Os discursos que fiz nos meios de comunicação social provam que o defendia até aos limites. Depois de todas as polémicas com o atlético de Madrid e da situação das mensagens que enviava aos jogadores, avisei-o. Sabia disso e tentei sempre assegurá-lo: “Bruno, o sporting está na sua mão. Tem o país na mão. Não semeie ventos porque, se semeia ventos, colhe tempestades”.
No segundo mandato, ele reparou que comecei a tornar-me mais exigente em relação à sua postura. Não deixava que ele mandasse em tudo. Chegou a tentar pôr a assembleia geral contra mim porque viu que o poder dele era muito grande. Percebia isso e antecipei-me sempre sem dar a entender. Tornei-me um incómodo para o novo projeto dele. Um projeto que o Sporting não precisava. Um projeto em que ele se tornaria dono do Sporting. Mudaria estatutos para poder fazer tudo o que queria e lhe apetecia. Para ficar eternamente no Sporting. Ele ficava no Sporting se levasse tudo com equilíbrio, respeitasse os estatutos, o funcionamento democrático das assembleias e os órgãos sociais.
A partir daí, ficou pior. Houve também uma oscilação na sua vida pessoal que não ajudou. Alterou a forma de estar e de ser. Foi aí que fiz uma opção. Ou sustentar um indivíduo que com as suas ideias ia dar cabo do Sporting ou assumir o meu papel de presidente da assembleia geral. E optei por exercer o papel de presidente. Comecei a fazer o que tinha dito na minha tomada de posse: estar no Sporting para defender intransigentemente as opções dos sócios. Foi isso que fiz.
Passei momentos muito complicados. Com uma quantidade enorme de indivíduos ao lado dele que foram os responsáveis de tudo o que se passou, pelo apoio que lhe davam. Não tenho medo nenhum de dizer o nome do senhor professor Eduardo Barroso, que influenciou Bruno de Carvalho a pensar que era o melhor do mundo. Criou-me problemas de toda a espécie por ter dito na comunicação social que o Bruno devia fazer uma reflexão sobre se devia permanecer ou não no Sporting. Fui atacado e insultado por esse senhor. Mas se pensava que me ofendia estava enganado. Não deixo que qualquer pessoa me ofenda. É um indivíduo que só tem prejudicado o Sporting com as suas intervenções.
Custou-lhe deixar o Sporting para trás? Por quê?
Custou. O Sporting fez parte da minha vida. Era um orgulho. Sou sportinguista desde que me lembro. Criei muitos amigos, uma ligação aos atletas, à equipa de futebol, aos treinadores, aos dirigentes e aos dirigentes das outras equipas. Sinto que o Sporting me ajudou a sentir feliz. Sempre fui com a minha viatura para todo o lado. Nunca apresentei custos ao Sporting. Fui ao estrangeiro na comitiva e recebia as direções das equipas. Portanto, sinto que servi o Sporting da forma mais honesta. Claro que pensava levar este mandato até ao fim. Tinha ideias para modernizar o voto eletrónico em todo o país para os sócios não terem que se deslocar. Era um projeto meu, uma ideia minha. O Sporting é uma passagem maravilhosa na minha vida que recordarei eternamente com orgulho naquilo que fiz. Mas tive momentos muito complicados. Houve muitas pessoas que me fizeram passar um mau bocado e prestar um mau serviço na gestão corrente do Sporting. Mas também há pessoas que respeito muito. Cometeram-se erros que um dia o Sporting vai ter que pagar.
Bombeiro: a vida a servir os outros
Foi muito crítico na atuação da Proteção Civil nos grandes incêndios de 2017. Na sua opinião, o que correu mal e o que mudaria?
É estrutural. Em Portugal, temos um sistema que é gerido como entidade responsável na área da governação e depois temos a Autoridade Nacional da Proteção Civil. Em qualquer parte do mundo, esta entidade é coordenação, não é de comando. A proteção civil não comanda a GNR, nem a PSP, nem o Exército, nem a Marinha, nem a Força Aérea, nem o INEM, nem a Cruz Vermelha porque são estruturas da organização do Estado. Contudo, comanda os bombeiros que são estruturas da sociedade civil. Isso cria um mal-estar nos bombeiros portugueses porque não temos nas mãos a oportunidade de gerir os nossos destinos. Por isso, os bombeiros têm vindo a pedir, ao longo dos anos, para serem livres. Que sejamos iguais em relação aos outros. Ter as direções nacionais e os comandos autónomos. É só isso que queremos.
Fomos apenas os operacionais nos incêndios de 2017. Quem manda na estrutura é a Proteção Civil. E se houve erros foram da Proteção Civil. Quando as coisas correm bem, vão buscar os louros, mas quando correm mal tentam atirar para cima dos outros. Não fizeram nada para defender o comandante dos bombeiros de Pedrógão Grande e os seus próprios funcionários. Portanto, isto mostra o erro tremendo que é continuar a ter uma estrutura destas em Portugal. O problema dos bombeiros em Portugal está a montante, não está no combate. O problema está no mau tratamento da floresta. Na falta de planeamento e de ordenamento. Para que haja uma melhor organização das florestas, tem que se realizar uma definição estratégica, um emparcelamento ou criar uma lei. Era preciso fazer alguma coisa e não fizeram. Por isso, têm que encontrar um bode expiatório para o que aconteceu, ou seja, os bombeiros. Não posso calar a minha revolta porque 98% do socorro em Portugal é realizado pelos bombeiros.
Nos incêndios florestais, em termos de equipamento, viaturas e recursos humanos são 95% a nossa presença. O socorro geral dá 98%. Somos responsáveis por 85% do serviço prestado pelo INEM, pois dentro das viaturas, os tripulantes são dos bombeiros. Isto devia levar com que este sistema aceitasse as nossas sugestões. Estamos à espera da revisão da lei orgânica da Proteção Civil, à procura de uma direcção nacional de bombeiros independentes com orçamento próprio, num comando autónomo com um conjunto de reformas de direções distritais de reequipamentos, porque a maioria, no ativo, são voluntários. Somos o maior exército da paz e da vida que existe em Portugal, por isso devíamos merecer mais respeito.
Considera que o Governo tem sido célere na recuperação dos concelhos das vítimas dos incêndios, nomeadamente, na ajuda às famílias e às empresas locais?
Estas coisas são muito complexas e difíceis. Acho que nunca será perfeito. Mas penso que há uma vontade de responder. Acredito que existe uma evolução nesse sentido. Tentar criar condições para que as pessoas não fiquem abandonadas. Vamos ver. Ainda é cedo para fazer o balanço final.
Contra a desertificação do Interior
Em relação à presidência de Vila Nova de Poiares, como recorda esses tempos? Sente-se reconhecido na sua terra?
Sim, muito. Tinha uma grande ligação com o povo. Conheciam-me e tratavam-me pelo nome. Tratava-os pelo nome. Esta empatia levou a que fosse reeleito toda a vida. Tiveram que fazer uma lei para correr comigo, se não, a esta altura, ainda estaria na câmara. É a eles que devo aquilo que sou. Nasci no seio deles. Fui criado e educado com eles; conhecia os seus valores e a sua forma de vida. E, por isso, adaptei-me a ela, criando as condições suficientes para lhes dar uma boa qualidade de vida. E consegui. Os poiarenses confiaram em mim e fomos fazendo tudo juntos. Não o fiz sozinho. Dei tudo o que podia e não podia.
O que seria importante mudar na governação para desenvolver o Interior? É a favor da regionalização?
A regionalização não é possível em Portugal porque somos um país pequeno. A região mais pequena de Espanha é maior que Portugal. Por isso, não haveria vantagem. O país devia ter sido dividido em três linhas verticais. O Litoral, o Centro e a fronteira com Espanha. O Centro seria o equilíbrio em termos de se criar infra-estruturas descentralizadas que pudessem fazer o equilíbrio entre um lado e o outro. Perceber o que era possível fazer para criar empresas. O que está encostado a Espanha consegue desenvolver os seus negócios. O Centro tem os incêndios florestais, o envelhecimento das populações, o não aproveitamento dos resíduos para a agricultura e para a lenha. Mas tínhamos que criar condições para que as pessoas não fossem embora. Criar empresas com jovens para pastorícia e criação de gado. Transportar pessoas com empresas modernas e mecanizadas, gerando riqueza. Se não, começa o êxodo populacional para o Litoral onde há prostituição, droga e não há habitação. A regionalização não é possível.
Que projetos ainda pretende concretizar? Pensa continuar com a vida profissional agitada que tem?
Há um grande projeto que ainda quero concretizar na Liga de Bombeiros Portugueses. Conseguir as propostas legislativas que coloquem os bombeiros no lugar a que têm direito. É nisso que aposto e pelo qual vamos lutar. No final deste mandato, terminará uma das minhas grandes experiências de vida e de dedicação a uma causa. Depois, gostaria de regressar à minha terra e à minha casa. Tenho uma casa muito agradável e queria transformá-la num museu. Num museu que os meus filhos pudessem abrir à comunidade para as pessoas verem aquilo que fui capaz de fazer. Gostaria de viver pacificamente como um cidadão que se orgulha de ter nascido português e que se orgulha do que fez. Tenho medo da nostalgia, de sentir falta do frenesim a que estou habituado a viver. Tenho 75 anos. No final deste mandato, terei 78 anos. Penso que chega de tanto esforço. Chega a hora de descansar com os meus netos e bisnetos. Também gostaria que, um dia, alguém escrevesse um livro sobre o que foi a minha vida. A história da minha vida daria um bestseller. Gostava de mostrar o que um homem pode fazer na vida quando tem paixão por aquilo que faz.