O negro domina a paisagem de um concelho que outrora tinha o verde como cartão-de-visita. Sem florestas ou pastagens, Mação ainda aguarda o primeiro cêntimo dos milhões de apoios que tardam em chegar. À boleia do clube de todo-o-terreno local MAC TT, fomos descobrir como sobrevive o concelho que perdeu cerca de 80% do património natural.
“Tudo ficou diferente”
Sérgio Santos, vice-presidente do MAC TT, diz que “depois deste verão, tudo ficou diferente”. Para além do cenário desolador, o novo ‘pano de fundo’ dificulta o reconhecimento dos trilhos, pois os habituais pontos de referência foram levados pelas chamas. Rui Marques, presidente da associação, reforça a importância da área florestal para o concelho, realçando algumas iniciativas levadas a cabo pelo MAC TT em prol do ambiente: “A nossa mancha verde era o maior tesouro do concelho. A paisagem era o que mais nos orgulhávamos e tínhamos de tentar manter a todo o custo. Nesse âmbito, tivemos diversas ações, como a plantação de árvores para assinalar datas como o Dia da Criança e o Dia da Floresta. Há dois anos, no nosso aniversário, realizámos uma ação de sensibilização da comunidade, recolhendo lixo. Ainda hoje, no início do trajeto, deparámo-nos com sacos de lixo escondidos atrás de um depósito de água. Era bom que as pessoas se mentalizassem que a natureza não é só delas, é de todos. Todos juntos podemos fazer melhor e podemos contribuir para que isto não se perca.”
“O nosso receio é cair no esquecimento”
Mação ficou entregue aos seus 27 mil hectares de área ardida. Os apoios financeiros tardam em chegar e as medidas políticas parecem não ser adequadas às verdadeiras necessidades da população. “O nosso receio é cair no esquecimento. Desde os incêndios ainda não vi nada ser feito, está tudo na mesma. A única diferença é o corte intensivo das árvores queimadas, por parte dos madeireiros, que estão a aproveitar esta desgraça para terem umas economias extra”, crítica Sérgio Santos, lamentando ainda a situação que vivem os pequenos agricultores. “As pessoas ficaram sem as suas hortas, onde produziam batatas, couves, feijão, azeite e outros bens de primeira necessidade, que é o grande sustento da gente do Interior.”
“Portugal não é só o litoral”
A população envelhecida sente-se sem forças para se reerguer. A dificuldade na obtenção de apoios e o desinvestimento no Interior do País são motivos mais do que fortes para deixarem entre as cinzas todo o trabalho de uma vida. Mas a distribuição dos dinheiros públicos não poderia ser redefinida perante esta situação calamitosa? Rui Marques parece, de certa forma, ter resposta a esta questão: “Portugal não é só o Litoral e os grandes centros urbanos. Quem governa deveria olhar para o país de igual forma, não só por interesses económicos. Ainda agora nos foi retirada uma verba dedicada à prevenção [dos incêndios] e vai ser aplicada no Polis da Figueira da Foz e no metro do Porto. Se calhar, com as catástrofes que houve no País, são obras que poderiam ficar para segundo plano.”
“Houve uma união muito grande do povo”
Os habitantes de Mação sabem o que representou a união de todos no combate às chamas. Seria impossível esquecer. A disponibilização de recursos próprios e a entreajuda evitaram que esta calamidade atingisse proporções ainda maiores. “Houve uma união muito grande do povo, não só a defender o que é seu, mas também o que é de todos. Foi graças à coragem de muita gente que não se assistiu em Mação ao que se verificou em Pedrógão, nomeadamente em relação às vítimas mortais”, afirma Sérgio Santos.
Kits de incêndios quase milagrosos
À procura de responsabilidades
“Não chegou um único cêntimo à câmara de Mação”
Contas feitas, os prejuízos calculados rondam os 70 milhões de euros, dos quais cerca de 60 milhões referem-se a potencial florestal e o restante foi gasto em medidas de estabilização pós-incêndios e infraestruturas municipais. Vasco Estrela lamenta ainda o critério que classifica de “infundamentado e injusto” do Governo na atribuição de apoios e revela que “ainda não chegou um único cêntimo à câmara de Mação”.