Foi em território britânico que Nuno e Henrique se fascinaram com as artes do espetáculo, com o musical “Jesus Christ Superstar”. Desde pequenos que vivem no mundo da arte, repleto de luzes, música e teatro. Participaram em vários programas de televisão, como o Festival da Canção. Senhoras e senhores: os irmãos Feist.
Foi no Casino Estoril, na estreia do mais recente espetáculo “Balas e Purpurinas”, que falaram ao UALMedia. No final do espetáculo, já dentro do camarim cheio de espelhos, roupas e luzes, Nuno Feist e Henrique Feist, os irmãos mais famosos do “showbiz”, explicam como irá decorrer o seu novo espetáculo “Balas e Purpurinas” e mostram as suas inquietações quanto à cultura em Portugal.
Já foi anunciado o novo musical dirigido pelo Henrique e pelo Nuno, “Balas e Purpurinas”, e o Henrique disse à RTP que “é uma viagem pela história da Eurovisão, focada também muito no aspeto histórico e político porque, para além da componente de espetáculo e entretenimento, o festival tem uma grande carga política”. Falem um pouco do espetáculo.
Henrique: Quando se diz que tem uma grande carga política é no sentido de que as pessoas percebam que o espetáculo vai ser teatralizado, ou seja, não é um concerto onde se vão cantar canções da Eurovisão. É um espetáculo onde se pretendeu dizer o que se passou, as histórias que se passam nos bastidores, políticas e outras, são essas que dão laço às canções. Não ganharam por serem bonitas. Assim, há razões pelas quais nós cantamos as coisas, e essas razões são dadas precisamente pelo tal “lado B” da Eurovisão. As pessoas não sabem dessas histórias.
Nuno: O meu irmão é que é o génio que faz colar isto na cabeça, é o génio que consegue ter estas ideias malucas e cozinhar isto. Depois passa para mim: “agora faz isto soar qualquer coisa”. É assim que a gente funciona e tem funcionado nos últimos anos. Claro que temos as nossas divergências o que é normal, parte do processo criativo, mas isso também é sempre para o bem do espetáculo final.
Qual é a necessidade de mostrar isso ao público?
Henrique: É para educar o público. Acho que é a nossa função, também enquanto se faz teatro. Há várias formas de fazer teatro. Há entretenimento puro, que também faço. Já tive amigos que vieram ver o espetáculo e que disseram o que gostaram do espetáculo e que saem sempre a aprender alguma coisa. Para escrever também tive que ler, fazer uma pesquisa (como na universidade) de 60 anos de Eurovisão e perceber que há coisas que não sabia e é importante que o público também saiba, porque o teatro também tem que servir para isso, para educar, informar e desafiar o próprio público a ter opiniões. Por exemplo, se foi certo ou se foi errado Salazar fazer aquilo que fez na Eurovisão e que é feito aqui em cena… É importante que as pessoas saibam também, porque não deixa de ser um bocado da nossa história.
Suponho que seja difícil criar um espetáculo como este. Quem teve a ideia?
Nuno: O Henrique teve a ideia principal.
Henrique: É difícil, quando pedem para investigar 62 anos de Eurovisão. É muito, é preciso estudar quase da Segunda Guerra Mundial até hoje, que repercussões a Segunda Guerra Mundial tem até hoje, é perceber o que é que estava a acontecer em 1956, 1957, 1958, portanto, é um trabalho de pesquisa enorme. Quando falam que esta canção ganhou porque havia uma ditadura do Franco em Espanha, por exemplo, temos que ir perceber também o que era a ditadura do Franco em Espanha, portanto, é muita pesquisa e cada porta abre outra. Eu não sabia dos protestos em Azerbaijão, pessoas que foram presas lá fora, não sabia que tinham havido pessoas que foram desalojadas para se construir a arena da Eurovisão… existem imagens disto. O pior é filtrar a pesquisa porque não se pode pôr tudo, filtrar o que me vai servir como um veículo para uma canção ou para um espetáculo… Tenho filtrar aquilo que é mais importante e que trará mais público.
Nuno: Não tenho muito a dizer sobre isso porque entro sempre na parte final do espetáculo. O Henrique passa-me a parte musical toda, a carne toda.
“Os musicais acompanham os tempos”
O musical é um espetáculo para velhos?
Nuno: Eu acho o contrário. Temos público jovem, que até inclui a minha faixa etária, a malta que curiosamente nasceu após o 25 de Abril e quando já tinha idade de raciocínio e já começava a poder ter liberdade de expressão, teve muito mais acesso a ver coisas. Acho que o musical é mais a faixa até aos 50 anos do que a malta mais de idade que, na minha opinião, pensa mais no musical como revista.
Henrique: O musical em nenhuma parte do mundo pode ser para velhos porque senão o musical vai à falência. Nem todos os velhos vão ver musicais, os musicais acompanham os tempos. Se hoje formos à “Broadway” temos uma nova vaga de musicais que são feitos mais com linguagem de “Hip Hop” e de “Rap”. Se acompanhares os tempos dos musicais, eles sempre acompanharam os tempos. Nos finais dos anos 60 e dos inícios dos anos 70, começas a ter as “Rock Óperas”, quando surgem os “Deep Purple” e os grandes grupos de “Rock”. Os musicais acompanharam isso. Tiveste o “Jesus Christ Superstar”, por exemplo. Sempre se conseguiram moldar às épocas. O que hoje existe é, por ventura, musicais repostos na “Broadway” que eram dos anos 40/50 e esses os “velhos” gostam de ir ver para relembrar esses tempos, mas o musical nunca foi uma coisa para velhos. Portugal é que é um país para velhos.
Nuno: Aquilo da “Rockalhada”, a primeira pessoa que fez de Jesus no “Jesus Christ Superstar” foi o vocalista dos “Deep Purple” para trazer umas massas.
Basicamente, os musicais adaptam-se às épocas, é isso?
Henrique: Claro, senão não sobrevivem. O musical é a forma de teatro mais cara que existe, porque tem músicos, guarda-roupa, som ao vivo. É uma logística completamente diferente do teatro declamado e é uma logística caríssima. São músicos ao vivo e o investimento é sempre muito maior, ou seja, um musical sabe que quando estreia tem que ir buscar vários públicos senão não sobrevive, não traz rentabilidade rigorosamente nenhuma. Se o musical fosse para velhos, a “Disney” não teria feito nem a “Bela e o Monstro” nem a “Pequena Sereia”. “Mary Poppins” é claramente para crianças, “Dreamgirls” com a “Beyonce” não é para um público velho, é para um público moderno.
Nuno: Os musicais são transversais. Por exemplo o “Mamma-Mia” é um musical transversal, malta dos anos 60/70 conhecem os “ABBA”, mas a malta mais jovem ficou a conhecer os “ABBA” outra vez. O musical dos “Queen” também em Londres com temas como “Bohemian Rhapsody” e, há outro que é o “Hamilton” que fala sobre a história do norte-americano “Hamilton” e sobre a declaração da independência americana e é todo cantado em “Hip Hop”.
No vosso espetáculo é comum a presença de muitos jovens?
Henrique: É comum a presença de pessoas com talento. Não olho para as idades. Se eu vejo alguém com talento, eu puxo. Hoje em dia, o que não é “The Voice”, não dá oportunidade para os jovens.
“Se perguntar quem ganhou há três anos o “The Voice”? Ninguém sabe onde ele está”
Já que falaram nas oportunidades dos jovens no teatro, musical, o que acham sobre essas oportunidades? Acham que são poucas e não levam os jovens para o caminho musical?
Nuno: Nós estamos na televisão há 30 e muitos anos. Estes formatos de televisão cada vez apostam menos em música ao vivo. Coisas com nome e passado, e coisas com carreira deixaram de fazer, pois não pagam nada aos concorrentes. Os concorrentes servem aquela temporada, acabaram e são descartados, próxima temporada. É por isso que é visto o “The Voice” e afins, não se lembram de quem ganhou. Se perguntar quem ganhou há 3 anos o “The Voice”? Ninguém sabe onde ele está.
Henrique: Há casos pontuais, como o Piçarra, que se conseguem integrar mas não é regra geral. É visto como preocupação do canal mostrar um programa à noite e ter um programa à noite para dar. Se os concorrentes depois daquilo vão ter carreira ou não… não é esse o interesse “mor”. O interesse é: “tenho ali um programa de 6 meses para ocupar a grelha todos os domingos”. Com isto, estás a desfazer sonhos das pessoas o que é mau, e estás a dar a entender às pessoas que existe um mercado em Portugal que não existe. O teatro musical nunca foi fácil em Portugal. Optam por fazer aquele teatro de “olhar para o seu umbigo” que é: ninguém percebe nada do que viu, estão só 20 pessoas na plateia mas todos saem do teatro a dizer “isto foi excelente, isto foi bom”, mas não perceberam [tom chateado] nada do que viram, porquê? Porque é aquele teatro mais intelectual. O que acontece é o feitiço contra o feiticeiro, porque depois as pessoas pensam que teatro é isso e não é só isso. O teatro também é comercial, a partir do minuto em que eu ponho um bilhete à venda.
Acha que Portugal não dá grande importância ao teatro e ao musical para a cultura?
Nuno: Não dão importância.
Henrique: O teatro é das coisas mais importantes em Portugal, não é coincidência que temos e tivemos dos maiores atores de teatro do mundo. No século 20, tínhamos a companhia Rey Colaço-Robles Monteiro que era só das maiores companhias que existia em Portugal, que trabalhava no Nacional e que era da dona Amélia Rey Colaço, das melhores atrizes que tivemos em Portugal. Nós tivemos dos maiores cinemas musicais do mundo. O teatro de revista nos anos 30/40/50/60 foi dos teatros mais famosos em Portugal. Não é à toa que daí nascem as “Beatrizes Costas”, que transitaram do cinema para o teatro. Nós tivemos os maiores teatros que existiram, depois perdeu-se. Há teatro em Portugal, bons atores, há muita gente desempregada a querer fazer teatro em Portugal, o problema é: tens um ministro da Cultura que se calhar nunca foi ao teatro e um ministro da Cultura que nunca lá foi, para mim [tom agressivo], é uma besta! O ministro da Cultura é uma besta! Se não conhece os atores que fazem teatro, cinema e televisão em Portugal, ou não sabe sequer o que é uma peça, é uma besta! É a Cultura que mais move um país.
Nuno: A Cultura é a identidade de um país.
Henrique: A Cultura é a arma mais poderosa que um país tem, sem necessidade de dar tiros. Não é de propósito que chegamos ao aeroporto a Espanha e o que vês anunciado nos painéis é tudo o que está no teatro. Cá em Portugal, vês qual é a série que está na “Fox Life”, um anúncio da “Gilette”, e um “Ice Tea” de pêssego… Quando me explicarem qual é importância desta publicidade num aeroporto, dou de barato a explicação se me for válida. Não creio que vá ser válido um estrangeiro chegar a Portugal e saber que existe “Gilette” em Portugal e que pode beber “Ice Tea” de pêssego. Não é importante, mas é isto que está nos aeroportos. Logo por aí, consegues ver o atrativo para o estrangeiro, já no aeroporto está mal.
“Estamos num país que resgata bancos que fizeram merda e não salvam a cultura”
Têm aparecido nos media várias notícias sobre o encerramento das licenciaturas em artes de espetáculo, dança, entre outras… também foi criada uma moldura no Facebook a dizer #culturaacimadezero, além de haver queixas sobre os apoios ao espetáculo e artigos sobre os apoios do Costa serem uma farsa. O que têm a dizer sobre isso?
Nuno: Haver apoio para o espetáculo há. O problema é que é tudo “lobbies”, e os apoios estão a ser dados para esses “lobbies”, para os amiguinhos. Estão mal distribuídos. Na minha ótica, muita gente interpreta o apoio do Estado para a indústria das artes como a única fonte de receita, e com esse dinheiro tem que se governar e não pensam na parte comercial. O apoio é tipo a mesada do “papá”, recebem aquilo e ficam à rasca. Há mais pessoas no espetáculo, tem que ser distribuído por todos.
Henrique: Se eu tivesse um teatro e visse que a receita de público era uma média de 40 pessoas, eu cortava o subsídio. Essas pessoas do público têm o dinheiro garantido, não sentem o impacto, sabem que o dinheiro vem. Sobre o Costa, não concordo, porque o Costa está a levar por tabela. A situação explodiu de outra forma. Se a cultura está mal agora é porque isto já vem de muito atrás e o maior erro que tens em Portugal é a Lei do Mecenato. Na Lei do Mecenato são submetidos a vários papéis para que passem a ser uma coisa de interesse cultural ou não. Ninguém consegue ser considerado de interesse cultural devido aos critérios pedidos. Há uma coisa que também é importante dizer que é sobre a #culturaacimadezero. Não questionem, porque estamos num país que resgata bancos que fizeram [tom chateado] merda e não salvam a cultura. Isso para mim é uma coisa que me toca profundamente, porque o dinheiro que vai para os bancos, é de todos. Se resgatam bancos com milhões de euros, então resgatem a Cultura, porque a Cultura é a cara do país. Um estrangeiro não chega a Portugal e vai depositar dinheiro no Novo Banco. Um país sem um banco sobrevive, um país sem cultura não sobrevive.
O Nuno e o Henrique têm notoriedade dentro do mundo do espetáculo, e têm uma missão: fazer com que o espetáculo sobreviva. Como se sentem nesse lugar?
Henrique: É aquilo que sabemos melhor fazer e sabemos que estando a fazer isso. não devemos ser desonestos, nunca. Sabemos que, ao fazê-lo, vamos educando, vamos insistindo, como diz o ditado “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Há público que até pode vir ver um espetáculo nosso e que diga “não gostei”. Não me interessa, porque já estou a educá-lo a ter opinião. Não é só um público sair e dizer “adorei”. O público tem que ter o descaramento de dizer: “não gostei por isto, isto e isto”. Quando for ver outro musical e disser: “gostei mais deste do que do outro que vi”, já educaste o público a ter um pensamento crítico.
Nuno: É óbvio. Já viste que adoramos o que fazemos e explicamos as nossas mágoas quando estamos a exprimi-las. Adoramos o que fazemos e, como o meu irmão disse, é o que sabemos fazer e o nosso papel aqui é educar e fazer o bem.