Artur Neves assumiu a pasta de Secretário de Estado da Proteção Civil a 20 outubro de 2017, logo após os incêndios. Hoje, fala das mudanças que se fizeram nos últimos meses e das perspetivas para o próximo verão.
O Governo lançou uma campanha massiva de sensibilização às populações sobre a importância da limpeza da floresta. Muitos foram aqueles que realçaram a impossibilidade da realização de tal trabalho, bem como o tom intimidatório da mesma. Acha que os objetivos dessa campanha foram atingidos?
Os objetivos foram plenamente atingidos, tendo inclusive superado as expetativas. Em primeiro lugar, foi quebrada a barreira da impossibilidade que muitos achavam existir no tocante à gestão de combustível. Depois de uma primeira reação negativa tanto de proprietários como de algumas autarquias, constatamos que foi absorvido o propósito da campanha e, acima de tudo, a necessidade da mesma como primeira proteção contra os incêndios.
O ano de 2017 ficará para sempre marcado nas nossas memórias pelos piores motivos. Todos, desde o poder político ao mais comum dos cidadãos, pediram uma resposta cabal ao Governo da República. Sr. secretário de Estado, o Governo está a fazer tudo para evitar que tragédias como a de junho e outubro se repitam?
Tudo está a ser feito no sentido que 2017 não se repita. Em primeiro lugar, no domínio da prevenção, estamos a fazer aquilo que nunca foi feito antes.
Primeiramente, incidimos esforços no sentido da sensibilização para o problema e envolvemos todos os agentes para que, no período de inverno, se pratique efetivamente a prevenção, como chave e primeira ação contra a problemática dos fogos do verão. O Governo focou-se de forma determinante e construtiva na análise e melhoria do Sistema Nacional de Proteção Civil. Não apenas na componente operacional, mas também estratégica, transversal a todas as áreas governativas. Dou como exemplo a Estratégia Nacional de Proteção Civil Preventiva. O centro de gravidade da agenda política de todos desde o Governo até à oposição e mesmo da comunicação social está muito à volta deste assunto. 2017 foi um ano que revelou também a necessidade de desenvolver a cultura de proteção civil e de implementar medidas de proteção comunitária, uma vez que a proteção civil começa em cada um de nós. A prevenção tem que ter mais ênfase e é vital para mitigar as consequências de todo o tipo de acidentes ou mesmo catástrofes.
Estamos a trabalhar em dois níveis: num primeiro de prevenção, para evitar as consequências negativas dos recentes flagelos. Neste sentido, temos o programa “Aldeia segura, pessoas seguras” em que, depois da limpeza à volta dos aglomerados, estamos a preparar e envolver as pessoas sobre como se devem prevenir e agir perante ameaças. Os incêndios vão voltar a acontecer e, se acontecer em regime ciclópico como aquele que aconteceu em outubro, com projeções em grande número e muito extensas, tornam-se potencialmente destrutivas para os aglomerados.
“Os incêndios do ano que passou atingiram níveis que ninguém pensou que fossem possíveis em Portugal”
Em relação ao programa “Pessoas seguras, aldeias seguras”, acha que, em Portugal, os cidadãos não têm uma cultura de prevenção e proteção?
Em Portugal, a cultura de prevenção necessita de desenvolvimento. Estes programas são uma medida para ter no imediato pessoas esclarecidas quanto a medidas de autoproteção e aglomerados mais protegidos. Porém, há diversas medidas a fim da criação sólida de uma cultura de proteção civil, através de ações de voluntariado jovem, conteúdos nos programas escolares e atividades escolares como os clubes de proteção civil, que se pretendem dinamizados. Deve começar-se a desenvolver essa cultura de prevenção e de segurança e é nesse sentido que o Ministério da Educação está a procurar desenvolver programas como, por exemplo, os “Clubes de Proteção Civil”. Programas associados a mobilização dos jovens para as questões da proteção civil são fundamentais.
Os municípios, hoje, estão mais sensíveis para as questões de proteção civil e estão já a estruturar-se organicamente para constituírem serviços municipais de Proteção Civil que estejam à altura dos riscos que os ameaçam. Atualmente, por força das alterações climáticas, que claramente são mais extremas, os incêndios do ano que passou atingiram níveis que ninguém pensou que fossem possíveis em Portugal, nem tão pouco na Europa. Temos de, claramente, desenvolver essa cultura de segurança para que todos tenhamos consciência de que devemos, em todas as circunstâncias, conhecer os riscos e prevenir-nos para as consequências.
A proteção de pessoas e bens está hoje na ordem do dia, como nunca antes. Sendo que os incêndios florestais são apenas a parte mais visível da proteção civil, como projetaria o futuro da proteção civil?
A visibilidade da proteção civil está muito concentrada nos incêndios, a verdade é esta. 95% das ações diárias de proteção e socorro às pessoas não são incêndios florestais. Diariamente, há operações de socorro, nos mais diversos âmbitos, como por exemplo indústria, em acidentes rodoviários, fenómenos atmosféricos que acontecem em muitas circunstâncias. Diariamente são imensas e essas ações de socorro, além da emergência médica, não têm muita visibilidade ou quase nenhuma, a não ser que haja um acidente rodoviário de maior dimensão, mas no dia-a-dia, isso passa despercebido.
Muito se tem falado de meios aéreos, e na sua importância para o combate a incêndios. O Sr. Secretário de Estado pode garantir-nos que no período do DECIF (Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestal), teremos os meios aéreos necessários?
O período DECIF agora é DECIR, Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais porque, enfim, são espaços associados à ruralidade. Deixou de ser florestal por causa do conceito de diretiva única de prevenção e combate. O que nós estamos a fazer é tudo para termos esses meios e vamos tê-los, claro! Já temos assegurados os meios aéreos de cariz permanente e estamos a trabalhar no sentido de garantir os meios que entendemos necessários à eficácia do combate. Este ano, com dificuldades acrescidas. Primeiro, porque o período de cinco anos de contratação de meios aéreos terminou em outubro do ano passado e, portanto, tivemos de desenvolver um procedimento concursal para contratar os meios aéreos para este verão e para o próximo. Estamos a desenvolver os procedimentos, ao abrigo da Lei e defendendo o interesse público, para garantir os meios aéreos necessários no período de 15 de maio a 15 de outubro, na sua totalidade.
“Note-se que há situações tão extremas que se torna injusto pedir aos bombeiros voluntários altruísmo ao ponto de se colocarem em certos riscos”
Outro tema que tem sido muito discutido é sobre o SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal). O último Conselho de Ministros aprovou a alteração do contrato com a SIRESP. Estamos mais preparados para evitar as falhas de comunicação reveladas pelas duas comissões técnicas independentes?
O SIRESP está a sofrer diversas melhorias que o tornam mais robusto, logo está mais preparado para dar resposta às necessidades operacionais.
O sistema SIRESP carecia efetivamente de redundâncias, principalmente de transmissão. Isto porque quando as linhas de comunicação entre antenas sofriam danos, as antenas deixavam de comunicar para fora do seu raio de ação. Foi também melhorado o abastecimento de energia com a alteração ao contrato de concessão com a SIRESP SA, que vai decorrer ainda até 2021. Conseguimos garantir no imediato redundâncias de comunicação via satélite com ligação a todos os 451 sites – são as antenas que fazem a transmissão- com uma ligação satélite em cada uma dessas antenas.
Preparamos também um sistema de redundância energética que garante que, antes que se esgotem as 6 horas de autonomia, seja ligado um gerador que mantém a antena ativa. Assim garantimos duas coisas: redundância de comunicação e redundância de energia elétrica, sentindo que nesse campo estamos já com outro nível de atendimento para situações de catástrofe. Mas também, ainda acima disso, porque em determinadas regiões pode ainda haver dificuldade de comunicação via satélite, vamos ter mais quatro unidades móveis de comunicação que vão ficar preposicionadas para serem rapidamente projetadas para os teatros de operações.
A Comissão Técnica Independente também referenciou a necessidade de alteração à estrutura orgânica e operacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil. Reconhece a necessidade dessas mudanças?
A estrutura da Autoridade Nacional de Proteção Civil criou-se fruto de uma restruturação do Sistema Nacional de Proteção Civil de 2006, nos moldes que ainda hoje assenta. Os desafios que enfrentámos nos últimos anos impõem que seja criado um quadro com uma carreira bem definida nos seus vários domínios. Urge dotar a ANPC de uma estrutura sólida e capacitada, com recursos humanos muito bem preparados nos vários domínios e para os diversos riscos cuja ameaça é superior fruto das alterações climáticas.
No que concerne à Força Especial dos Bombeiros (FEB), estamos a diligenciar no sentido da integração destes elementos na estrutura operacional, em prol da estabilidade profissional destes elementos. A integração destes terá uma carreira própria designada por Força Especial da Proteção Civil, bem preparada com uma profissionalização clara, com oficiais de comando também com a carreira definida. Esse corpo vai ser uma força associada em dualidade ao Grupo de Intervenção, Proteção e Socorro da Guarda Nacional Republicana que será o suporte do Estado juntamente com os bombeiros voluntários.
Os bombeiros estão em todo o lado, são absolutamente imprescindíveis para a proteção e socorro das pessoas, mas, em situações extremas de catástrofes, o Estado precisa de ter a sua própria estrutura que responda rapidamente às necessidades que o País possa ter em determinados momentos e o socorro e proteção das pessoas não pode estar condicionado a qualquer acordo que possa falhar em determinado momento com organizações associativas. Note-se que há situações tão extremas que se torna injusto pedir aos bombeiros voluntários altruísmo ao ponto de se colocarem em certos riscos. Daí a importância de termos uma proteção civil organicamente bem estruturada e com um quadro de pessoal estável altamente dedicado e altamente capacitado para responder às crises de natureza de catástrofe que naturalmente temos e que podem ter consequências muito graves para as nossas populações.
“Portugal não fica nada a dever aos outros países”
Recentemente, visitou o Centro de Capacitação da Guarda Nacional Republicana, a Escola Nacional de Bombeiros e as Instalações da Liga Portuguesa de Bombeiros. Portugal tem as estruturas necessárias para a proteção e socorro dos seus cidadãos?
Portugal não fica nada a dever aos outros países, pelo que me apercebi nessas visitas. Nomeadamente com o Centro de Capacitação da GNR, a estrutura dos Grupo de Intervenção Proteção e Socorro (GIPS) e a formação que têm nesse espaço coloca-os ao nível do que melhor se faz na Europa. A GNR tem módulos em diversas áreas inscritos no mecanismo Europeu (ERCC) que podem ser ativados a qualquer momento para intervir em qualquer parte do mundo. Note-se que a Escola Nacional dos Bombeiros (ENB) participa em diversos projetos de vanguarda, tendo inclusivamente um centro de treino de realidade virtual. A Escola Nacional de Bombeiros é uma estrutura fantástica com modelos de formação também muito avançados e, portanto, temos condições para estarmos ao nível dos melhores, não tenho dúvida nenhuma. Agora precisamos também de restruturar a Escola Nacional de Bombeiros, restruturar os cursos de formação no sentido de lhes dar outra capacitação institucional e, isso está a ser trabalhado com o Ministério da Educação no sentido de institucionalizar devidamente aqueles cursos de formação.
Disse numa entrevista recente ao Porto Canal que temos 2 milhões de hectares em risco. Podemos afirmar que depois das alterações feitas, o risco de incêndios severos este ano poderá ser menor face ao ano anterior?
O risco de incêndio este ano? Não é menor. É, por ventura, até maior porque à medida que os anos passam mais cresce o mato, a selvajaria desorganizada da nossa floresta. Há muita superfície que não é percorrida por incêndios há mais de 15 anos. O risco é idêntico. Poderá ser menor se as condições climáticas permitirem isso. Se chover até junho como está a chover neste momento, poderá haver um menor número de ignições, mas o risco é idêntico. Estamos a preparar-nos para cenários duros mas, com a perspetiva da dupla aplicação de meios entre prevenção e combate, há muita vantagem no investimento de meios. O objetivo principal é conseguir extinguir os incêndios no período de ataque inicial, evitando que ganhem proporções. Estando o país mais protegido em todos os aspetos, como está e como nunca esteve, estou convicto que este ano estamos mais bem preparados. A floresta tem um risco idêntico ao que tinha. Com esta nuance da limpeza, não afetará tanto as pessoas, mas a diminuição da carga de combustível disponível e o ordenamento florestal, demorarão mais tempo a conseguir-se. O esforço das pessoas e autarquias foi vital para mitigar as consequências para as pessoas e seus bens.