A trissomia 21 não é uma escolha ou uma hipótese, mas sim uma condição genética. Apesar de limitadora em alguns campos da vida, pode ser vivida pelos portadores com um sorriso no rosto, imune à solidão ou à tristeza. Para possibilitar a sua integração social é necessária a interajuda de todos. Conheça mais sobre esta condição.
Beatriz, 14 anos, é portadora de trissomia 21 ou síndrome de Down. Os pais descobriram no dia do seu nascimento que a filha tinha trissomia 21. Desde bebé que luta por todas as adversidades e barreiras até aos dias de hoje, na sua adolescência. Como tantos outros casos existentes em Portugal, a condição desta jovem é genética e resulta de uma anomalia no processo de divisão celular do óvulo fecundado.
Os portadores da síndrome de Down desenvolvem uma cópia extra do cromossoma 21. O cariótipo humano é constituído por 23 pares de cromossomas e, nestes casos, verifica-se a presença de um cromossoma 21 adicional, provocando assim um desequilíbrio genético, que afeta o desenvolvimento físico, motor e cerebral do portador. Os dados mais recentes da incidência da trissomia 21 são de 2013 e revelam que um em cada 800 bebés nascia com esta condição.
Como explica Blandina Hasselmann, ginecologista, a ciência médica dispõe de exames pré-natais, que conseguem identificar a presença da síndrome: “Hoje em dia, existe o rastreio bioquímico que a grávida faz no primeiro trimestre, às 12 semanas. Procede-se a uma recolha para analisar o sangue da gestante. É realizada uma ecografia morfológica no primeiro trimestre. Estes dados podem ou não esclarecer se o bebé tem síndrome de Down. Para uma pesquisa mais detalhada e para encontrar o gene da trissomia 21, existe o Harmony, que é um exame não invasivo e realizado em laboratório, embora com custos elevadíssimos. A amniocentese é um exemplo de outro exame, sendo que este é invasivo. Em caso de dúvidas que estejam presentes na eco morfológica, é muito importante que qualquer grávida realize os exames.”
Para mulheres que não tenham possibilidades financeiras e que necessitem de ser submetidas a estes exames, o Estado apenas comparticipa a amniocentese, que já é realizada em hospitais públicos. “Mas para este exame ser possível, tem de existir documentos médicos que comprovem a elevada probabilidade do feto ter a síndrome, visto que este exame é invasivo para a estabilidade da gravidez. O Harmony é um teste realizado em laboratório, não é comparticipado, mas para quem tem seguro de saúde é vantajoso”, avança a médica.
Ao contrário do que julga o senso-comum, não são apenas as grávidas a partir dos 40 anos que terão de ser sujeitas a este tipo de exame. Blandina Hasselmann garante que esta ideia é um mito: “Pode acontecer a qualquer um. Há dez anos, todas as grávidas acima dos 35 anos tinham de fazer. Aconteceu que começaram a nascer bebés com a síndrome de Down a mulheres abaixo dos 35 anos. É mais raro, mas acontece. Hoje em dia, todas as grávidas, independente da idade, se submetem ao rastreio, justamente para as auxiliar em caso de dúvida.”
No caso de Beatriz, não foi aconselhado à mãe realizar qualquer tipo de exames específicos, visto que nas ecografias não acusava qualquer alteração no estado do feto. Nos planos dos pais, o bebé estaria de perfeita saúde. “Não é fácil de explicar, no dia do nascimento da Beatriz numa fração de segundos, passei vários estados emocionais, o de desespero, o de muita dor, o de sofrimento imenso (como nunca pensei viver), mas ao mesmo tempo, o de força, o de otimismo, o de amor maior é incondicional. Lembro-me de pensar: ‘Só quero que isto acabe, não aguento, olhei para ela, eu amo-a tanto’ ”, partilha a mãe de Beatriz.
Quando a síndrome é detetada nos fetos, estima-se que 95% dos pais optem por uma interrupção voluntária da gravidez, de acordo com dados da associação Pais 21. Apenas em 2007 e, após um referendo nacional, foi incluída na lei a possibilidade de se realizarem interrupções de gravidez, a pedido das mulheres.
O sim a um filho especial
Quando o casal opta por prosseguir com a gravidez, a educação do filho com síndrome de Down tem consequências. A família terá de adaptar as suas rotinas a esta nova realidade. Como especifica Blandina Hasselmann, “esta condição tem vários graus. Há portadores que têm síndrome de Down quase nula, outros tem muito acentuada. As crianças com esta condição podem ter problemas cardíacos, retardamento mental, o qual pode ser mais ou menos acentuado. Cada caso é um caso”.
As limitações cognitivas podem não ser impedimentos para qualquer portador de síndrome de Down. A especialista lembra que “existem portadores muito bem-sucedidos, que tiveram sempre o acompanhamento das suas famílias e de especialistas da área. Hoje em dia, há várias terapias destinadas a crianças e jovens”.
Nos centros sociais ou agrupamentos escolares, é habitual existir informação sobre as unidades, que nas proximidades prestam este tipo de serviços. “É importante os portadores desenvolverem este tipo de habilidades para que na sua vida adulta possam trabalhar. Como já existem casos de sucesso em que portadores trabalham em supermercados, escritórios”, sublinha.
A neurologista defende a igualdade de tratamento no combate à descriminação de quem nasceu com esta condição: “O importante é olhar para uma criança ou jovem com síndrome de Down como se olha para qualquer outra, com amor dedicação e com a certeza de que o adulto é preciso para o ajudar. Os portadores são sempre pessoas muito amorosas e ligados à família.”
Marcar pela diferença
Da mesma forma que muitos portadores conseguem ser bem-sucedidos profissionalmente, também podem constituir uma família. Tal como as outras crianças, quem tem trissomia 21 passa por uma sequência de mudanças físicas e hormonais associadas à puberdade. Blandina Hasselmann refere que “a maioria das pessoas com trissomia 21 tem necessidades sexuais, geralmente, não expressas fora dos seus foros íntimos. É importante que estas sejam reconhecidas, aceites e tomadas em conta, quanto à elaboração dos programas educativos”.
Na sua adolescência, Beatriz já enfrenta muitas das adversidades que a puberdade representa em qualquer corpo de uma rapariga da sua idade. Com a ajuda da sua mãe, da médica e das amigas, a jovem aprende a superar cada etapa da vida sempre com um sorriso no rosto. “Quero que as pessoas olhem para mim como olham para qualquer outra rapariga da minha idade”, confessa.
Mesmo protegidos pela família, há portadores que se casam e que, possivelmente, podem constituir uma família. A médica obstetra revela, no entanto, que “a maioria dos homens serão inférteis e as mulheres poderão ser férteis e engravidar”. E acrescenta: “Não conheço por enquanto nenhum, mas é importante referir que podem existir casos específicos e mencionados pelo mundo de pais portadores de trissomia 21, pois estes são protegidos pelas suas famílias.”
A importância da criação de associações que possam ajudar as famílias dos portadores e os próprios portadores é muito importante. Em Portugal, existem várias entidades que desenvolvem atividades e encontros entre portadores da doença genética e das suas famílias. A Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21 (APPT21) é uma destas entidades que pretende responder às dúvidas presentes na vida de quem convive diariamente com a condição.
Beatriz completou o 1º ciclo numa escola específica para crianças com deficiência. Neste momento, frequenta o ensino secundário regular e tem obtido resultados positivos graças ao empenho dos professores e de colegas de turma que a acompanham.
A jovem frequenta vários encontros organizados por associações de portadores de trissomia 21, pratica hipismo e, em casa, ajuda nas tarefas domésticas. Mesmo com algumas dificuldades, esforça-se para ensinar o seu irmão mais novo com os trabalhos de casa. E todas as noites passeia o seu amigo de quatro patas, na companhia do pai. Beatriz é uma adolescente feliz, que manifesta esperança e está decidida a ultrapassar todas as barreiras da sua vida: “Quero levar a minha vida com um sorriso sempre na minha cara. Quanto maiores forem as minhas dificuldades a vencer, maior será a minha satisfação de glória.”