Com as entradas e as saídas de jogadores a acontecerem de minuto a minuto, a tarefa de acompanhar atentamente e de forma crítica estas mudanças torna-se quase impossível. Existe, porém, escondido por detrás desta mescla e balbúrdia, destas trocas e baldrocas, um microclima que merece ser abordado.
Para a opinião geral do público português, a Liga NOS e a capacidade de compra e de manutenção dos seus ativos é, e incluindo as três potências, muito reduzida. É-o por inúmeras razões. Porque um país com as nossas características nunca poderia ter uma realidade diferente no seu desporto. Porque a irresponsabilidade e os contínuos atos ilegais dos seus dirigentes e agentes desportivos criam as realidades infernais dos clubes. Talvez porque somos um país onde os meios justificam sempre os fins.
O truque, no entanto, é olhar para a forma como quem (honestamente) trabalha no clube tenta colmatar estas deficiências. A maneira como o fazem é, talvez, o que caracteriza o microclima da liga de todos nós.
A inteligência e o profissionalismo que são incutidos na tarefa de scouting, triagem e abordagem a nível de treino têm de colmatar o fraco orçamento disponível. Os que treinam e moldam o nível mental, físico e tático dos jovens jogadores tentam valorizar quem ainda não tem valor. É fazer omeletes sem ovos. Arrisco-me a assinalar que, por estas razões, estes contextos limitadores e muito duros, criam o molde daqueles que são os melhores. Sejam eles do departamento de scouting, os treinadores, as academias e as suas fornadas anuais de jovens de imensa qualidade, ou até do departamento médico. Estes frutos são os mais apetecíveis. São-no por serem os mais resistentes face ao desgaste imenso que os afeta diariamente neste contexto extremado de limitação económica.
Quando chegam a uma Liga Inglesa, ou a um contexto similar, já criaram “calo” para superar qualquer problema espinhoso. Já possuem os know-how que nenhum outro candidato possui. Já levam às costas o peso saudável de anos de experiências e de todos os tipos e feitios. São feitos à pressão, é essa a realidade.
É uma realidade que não só faz parte do mundo do futebol como também do resto do paradigma português. Produzimos os melhores porque a vivência é a mais dura e apela à superação de cada indivíduo na sua área. Em paralelo com esta realidade, vem outra: a capacidade nula de os manter. Porque, nos contextos estrangeiros, a recompensa é maior e imagine-se… justa. Isso mesmo. Adequa-se àquilo que cada um dá e produz através do trabalho e do esforço.
Mas voltando àquilo que é o desporto-rei e o que me levou a esta reflexão. Existem grandes negócios feitos até agora na primeira liga, e muitos deles irão propor um palco adequado para as estrelas – algumas cadentes, outras ascendentes – brilharem a partir do começo do nosso campeonato. É certo que para muitos de vós, e até para mim, outros campeonatos despertam maior atenção e maior entusiasmo, isto em termos de qualidade de jogo e da reputação de quem entra em campo. Mas tenham em atenção (redobrada) que há algo em que não ficamos atrás, e repito por outras palavras o que defendi nas premissas anteriores: a qualidade dos nossos intervenientes. Aqueles que muitas vezes estão na sombra dos que sobem à custa do volume da sua voz e não da sua qualidade. Aqueles que, de forma profissional e verdadeira, elevam dignamente o nosso futebol e desporto português a níveis de Champions. São eles os campeões. Mas não são eles que abrem o telejornal das oito. Não são eles que ocupam a capa do jornal diário desportivo e muito menos são a eles que as letras garrafais destas gazetas se referem.
Da próxima vez que lerem que um jovem português se transferiu por muitos milhões para um tubarão europeu, em vez de sublinharem o trabalho do jovem (real e merecido), pensem também nos que por detrás e de forma genial trabalharam para tal acontecer. É um microclima que existe dentro do nosso futebol cheio de problemas e de falta de profissionalismo. É aquilo que nos deve orgulhar.