Comentadora da CNN Portugal e da TSF, Sofia Oliveira é um dos nomes mais mediáticos (e polémicos) do comentário desportivo em Portugal. Ela que se afirma muito explicativa e algo dura, mas também racional. E imparcial.
São muitos os epítetos que lhe são atribuídos, nem sempre abonatórios. Como é que a Sofia se caracteriza a si própria?
É muito difícil falar sobre mim. Tento ao máximo ser uma pessoa racional e acho que é esse o grande objetivo que tenho para a formação do meu caráter. Obviamente que as emoções são importantíssimas e não as quero descurar, mas até para a minha profissão fui-me obrigando a deixar a emoção de lado, tanto na área profissional como pessoal. Tento sempre analisar com racionalidade e não me tornar numa pessoa demasiado fria, mas sei que sou muito explicativa e, por vezes, maçadora.
Como é ser comentadora feminina de futebol, uma profissão ainda muito masculinizada?
Costumo dizer que o mais importante nesta área não é se há muitas mulheres ou homens, mas sim que haja pessoas que desfrutem do futebol, que tirem partido do facto de estarem numa posição que é privilegiada. A possibilidade de fazer algo de que gostamos e sermos competentes. Nunca olhei muito para o género da pessoa que ouço. Aquilo que a minha experiência me diz ao longo do tempo é que as pessoas que discordam ou não discordam de mim e as pessoas que me seguem e ouvem, fazem-no devido ao meu conteúdo e não por causa do género. Felizmente, também nunca me senti desprezada ou inferiorizada por conta disso, embora acredite genuinamente que possam existir pessoas com vivências e testemunhos diferentes.
A verdade é que foi a primeira mulher a comentar um jogo de futebol TSF e a primeira a ser comentadora assídua de jogos de futebol numa rádio nacional. Foi um momento especial?
Foi um momento muito especial estrear-me pela rádio, soube poucos minutos antes de entrar no ar que seria a primeira mulher a fazer comentário de forma recorrente no campeonato. O que eu espero desta experiência é que seja visto como algo natural e que, sempre que existirem pessoas com qualidade tenham a sua oportunidade, sejam mulheres ou homens. Faz muita falta ao comentário desportivo pessoas que amem verdadeiramente o jogo.
Como é que se aprende a comentar futebol profissionalmente?
Essa é uma pergunta complexa. E a resposta também. Antes de mais, é importante que as pessoas percebam que o jogo é uno. Eu costumo dizer que há um barómetro, creio que chega ali a um determinado degrau onde o que estás a dizer já não é realidade. Desengane-se quem acha que é tudo aceitável na análise. As interpretações podem realmente diferir de pessoa para pessoa, mas há obviamente coisas certas e coisas erradas. Agora, como é que se aprende a fazer eu não sei bem. Tive muitas pessoas que me ajudaram. O Tomás da Cunha, o Blessing, o João Rosa ou o Carlos Daniel, que é a minha maior referência. Pessoas que ouvia e lia, com as quais me identificava quando faziam a análise de um lance, uma análise mais coletiva ou individual. Outra das coisas mais importantes é ver muito futebol. Às vezes vejo o mesmo jogo várias vezes. Geralmente quando quero analisar exaustivamente um jogo, sei que o tenho de ver mais do que uma vez, porque há coisas que se vão perder na primeira visualização. Não há uma fórmula mágica, basta identificares-te mais com umas pessoas do que com outras e no fim acabas por escolher um bocadinho o teu caminho.
E como se prepara para um jogo em direto?
Depende muito do local onde tu estás a trabalhar. Eu já passei pelo Canal 11 e estou agora na TVI/CNN Portugal e na TSF. As análises eram bastante mais abrangentes, focávamo-nos muito nas várias ligas, desde a Liga 3 até à Liga principal de futebol. É óbvio que havia sempre um foco maior em relação ao Sporting, ao Porto e ao Benfica, mas tentávamos incluir análise de todos os clubes e ainda tocar em algumas ligas inferiores. Agora, na CNN, as coisas são completamente diferentes, o foco dado ao Benfica, ao Porto e ao Sporting é maior, sendo que em termos de trabalho não muda grande coisa para mim. É importante que recolhas e que bebas o máximo de conhecimento que conseguires.
“Costumo viver com o caderno de apontamentos na mão”
É verdade que se sentava no sofá a ver os jogos com um bloco de notas?
Sim. Depende sempre um bocadinho do contexto, mas é raro não ter qualquer coisa onde apontar, nem que seja nas notas do telemóvel — um lance ou uma jogada importante, porque já não é possível dissociar o meu trabalho do futebol. As coisas já se misturam muito e por isso já não consigo olhar para o jogo de outra forma. Portanto, sim, é um exercício que costumo fazer: costumo viver com o caderno de apontamentos na mão. Apreciava coisas que hoje em dia não aprecio, defendia coisas que hoje em dia já não defendo e, no fundo, o futebol tem tantas analogias com a vida e essa é só mais uma. Vamos crescendo e vamos olhando para o fenómeno também de forma diferente e vamos vivendo e experienciando também de forma diferente.
Já foi “ferrenha” do Sporting Clube de Portugal. Chegou, inclusive, a trabalhar no canal do clube. Como é que passa de adepta assumida para um papel de imparcialidade?
Para ser sincera, não sei identificar exatamente o momento. Houve vários acontecimentos que me levaram por esse caminho, principalmente o interesse na análise. Quando te queres tornar jornalista, quando gostas disto, é quase natural. Acredito que seja igual com os treinadores. O Jorge Jesus era do Sporting, treinou o Benfica e fez um excelente trabalho. O Ruben Amorim, benfiquista desde pequenino, está a fazer um ótimo trabalho no Sporting. Há muitos selecionadores que não têm a nacionalidade das seleções que representam. A partir do momento em que tu te focas na análise do jogo, tudo o resto é acessório. Não é que não exista, existe, daí eu dizer sempre que o Sporting é o meu clube. Sinceramente, acho que não faz sentido as pessoas dizerem que não têm clube. Se for realmente verdade que certas pessoas nunca se vincularam na vida com algum clube também aceito isso, agora dizerem que não têm clube para ser politicamente correto, não faz sentido. O que é mais importante é, sem dúvida, o jogo, que é transcendente. Independentemente de ser sportinguista e nunca ter escondido isso, agora é um sportinguismo muito suave.
É alvo de muitas críticas. Uma das mais fortes esteve relacionada com a crítica à nomeação de Darwin Nuñez, para a Bola de Ouro de 2022. Como foi lidar com todo esse ódio nas redes sociais?
Tocaste num aspeto que, para mim, é muito relevante. Eu nunca considerei que os comentários menos positivos tenham sido comentários de ódio, porque tenho muita dificuldade em acreditar que as pessoas que não concordam comigo me odeiam. Foi um soundbyte e soundbyte que as pessoas ou com o órgão de comunicação social decidem destacar é tão impactante, que depois tudo o que possas explicar a seguir é sempre pior e já não vai ter o mesmo impacto.
Para terminar… três perguntas de resposta rápida: rádio ou televisão?
Diria rádio. Quando fazes rádio tens a sensação que qualquer pessoa que te queira ouvir está ali realmente pelo teu conteúdo e isso a meu ver é mais enriquecedor.
A equipa ou o treinador que mais admira…
Para mim, o melhor de todos é Pep Guardiola. Está num pedestal , à parte de todos os outros. Depois tenho nomes como Roberto de Zerbi. Também gosto bastante do Maurizio Sarri ou Imanol Alguacil, treinador da Real Sociedad. São as equipas que neste momento me dão mais gozo de ver jogar. A própria Atalanta de Gasperini também gosto muito.
Bernardo Silva ou João Félix?
Agora é que me colocaste numa posição difícil. Então para mim não há nenhuma dúvida em relação a quem é o melhor, claramente o Bernardo. Agora, qual é que eu prefiro, é difícil responder-te a isso porque eles na sua génese são bastante diferentes. O João é um jogador especialíssimo a jogar em espaços curtos, com uma capacidade e uma agilidade fora do normal. Tem uma aptidão especial com com a bola. O Bernardo sabe tudo do jogo. Pode jogar em todas as posições. Sabe quando acelerar, sabe quando travar o jogo, guardar a bola, quando passar ou ir para cima do adversário. Combina muito bem, é muito, muito difícil eu dizer qual é que é o meu favorito mesmo. Mas eu acho que o Bernardo merece que eu diga que é ele, porque tem uma carreira que não engana ninguém e é especialíssimo também.