João Cunha, jornalista da Rádio Renascença — onde começou a estagiar, em 1997 —, desde cedo percebeu que o jornalismo seria o seu destino e a rádio a sua paixão. Um amor que continua bem vivo, perceptível tanto no entusiasmo com que fala da sua carreira quer na forma como aborda os desafios e o futuro da profissão.
Como surge o interesse pelo jornalismo?
Por acaso. Fui aluno de Humanidades, tive uma boa média no 12º ano e já fazia algumas coisas na rádio, não só na escola, mas também numa rádio local, e achei que aquilo era engraçado. E mais seria se eu o fizesse e me pagassem. O gosto surgiu, sobretudo, com a questão da reportagem, mais do que o jornalismo propriamente dito. O que me enchia o olho era poder contar uma história sem a ajuda de imagens, ou seja, as imagens eram criadas por mim na cabeça de quem ouvia e isso foi o que me chamou a atenção. É um desafio gigantesco. Temos de tentar transmitir tudo aquilo que a pessoa poderia experienciar se estivesse no sítio em que nós estamos. Ajudar e a contextualizar o cenário e as situações.
Especializou-se em reportagem de rádio no CENJOR. E como surgiu a Renascença?
Surgiu de forma muito engraçada. A minha mãe foi funcionária da Portugal Telecom (PT) durante muitos anos e tinha uma colega cuja filha trabalhava aqui na Renascença, na parte da produção. Entretanto, fez o favor de trazer um currículo meu e apresentar ao chefe de redação e, na altura, ele estava a precisar de alguém para vir fazer um estágio. Ele achou curioso o facto de eu não ter um curso superior e já ter alguma experiência de rádio e por isso convidou-me para vir. E assim foi. Eu fazia o estágio na Renascença, no horário maravilhoso das 05:00h às 11:00h e depois de sair ia trabalhar numa outra rádio. Durante os três meses de estágio fui dos poucos, se não o único, em que me davam o equipamento e o microfone para a mão. Ia para a rua e entrava em direto, fosse o que fosse. Estava tranquilo e foi um período incrível.
Tem dois filhos, é professor na ETIC, trabalha como jornalista na RR… Sendo o jornalismo uma profissão que exige muita investigação e dedicação, como gere a vida profissional com a pessoal?
Só uma correção. No meu ponto de vista, atualmente o jornalismo não se compadece com as necessidades de tempo para fazer investigação. As redações são tão diminutas e têm tão pouca gente que não se podem dar ao luxo de ter alguém que se dedica apenas a investigar, infelizmente.
Voltando ao assunto…
Há uma vantagem, a minha mulher foi jornalista até há poucos anos, por isso percebe. Costumava dizer, na brincadeira, que só se estragava uma família [risos]. Mas o grande ponto é que há alguém do outro lado que entende as necessidades e as questões de um jornalista, sobretudo com as minhas características. Já cheguei a estar ausente durante três semanas… e gerir isto familiarmente, com dois filhos, não é fácil. Agora é mais fácil. Habituamo-nos. Na altura, tinha menos 25 anos e 30 kg! A vida e a saúde já não são as mesmas, porque não dormimos o que devíamos, mas por outro lado trabalhamos naquilo que gostamos.
“Os jovens estão completamente alheados da realidade que os rodeia”
Fale-nos um pouco das características do jornalismo de rádio…
Acho que a grande vantagem do jornalismo de rádio é a linguagem que utilizamos. É o que costumo dizer aos meus alunos: “Malta, fazer rádio em termos de linguagem é a mesma coisa que estarmos na mesa de um café a falar com os nossos amigos. A diferença é que não podemos dizer asneiras.” E é exatamente isso, tem de ser a linguagem que a nossa avó entenderia, sem palavras caras e com termos corriqueiros, que são o que faz com que a mensagem passe à primeira. Se as pessoas param para pensar “Que palavra é esta?” vão perder o resto da mensagem e quando retomam já não têm noção da notícia. Portanto, a rádio tem esta forma direta e objetiva de transmitir a mensagem, as pessoas ficam muitíssimo bem informadas em termos de contextualização. Ouço um noticiário de um minuto e fico a saber o que é notícia àquela hora.
Normalmente o que as pessoas mais procuram na rádio é o entretenimento. Considera que, de alguma forma, a sociedade desvaloriza o jornalismo de rádio?
Não. Acho que as pessoas precisam, não só de ficar atualizadas, mas também de um momento de escape, porque também faz parte, sobretudo às 07:30h, quando estão numa fila de trânsito de 45 minutos para chegar ao emprego. O que é que se dá às pessoas que nos estão a ouvir na rádio? Dá-se aquilo que elas querem e sabemos isso através de estudos de opinião. Normalmente, até tínhamos isso, creio que na RFM… imaginávamos alguém para quem trabalhávamos. Dá sempre jeito, conseguimos desenvolver o que podemos produzir para o público-alvo personificado naquela determinada imagem.
Há 25 anos, o jornalismo era muito diferente do que é atualmente. A tecnologia veio ajudar a profissão?
Não, o bom jornalismo não está relacionado com a tecnologia. Lembro-me quando comecei a trabalhar em rádio, o meu telemóvel pesava 12 kg, era uma pasta da Motorola com uma antena gigante e toda ela era uma bateria. Atualmente, faço tudo com o meu telefone. Tenho uma aplicação para entrar em direto em qualquer sítio do mundo com qualidade de estúdio, tecnicamente é maravilhoso. Preocupo-me com as “festinhas” que vou fazer aos ouvidos das pessoas com a qualidade dos sons que gravo. Portanto, nesse aspeto a tecnologia ajudou, mas o jornalismo não se faz bem ou mal à conta disso.
Abordando agora o tema dos jovens. Estudos demonstram que há cada vez menos jovens que se interessam pela informação.
Essa é uma das minhas dores de alma, perceber que os jovens estão completamente alheados da realidade que os rodeia, sobretudo porque dou aulas. Estará o jornalismo em risco com a opção e com a situação que é vivenciada diariamente? Acho que não, ainda há muita gente que tem interesse. Mas, enquanto jornalista, e estando na rua praticamente todos os dias, noto alguma apatia por parte das pessoas. Não têm opinião, ou seja, sabem o que aconteceu, mas depois não têm uma posição formada sobre o assunto, porque não têm tempo para pensar sobre isso, há outras coisas que as ocupam mais.
Talvez porque só querem ler as “gordas” …
Só querem ler o oráculo ou ouvir os noticiários pequenos, que não chateiam. Acho que as pessoas andam um bocadinho nisso, o “eu quero saber, mas não me chateiem”. E isso é um bocadinho triste porque demonstra, em certa parte, a sociedade que temos atualmente.
Perante essa situação, como vê o futuro do jornalismo?
O futuro do jornalismo depende das pessoas que o queiram fazer, não acabará nunca. É preciso alguém que investigue e que tenha tempo para isso, que dê conta das notícias, tendo em conta o facto das pessoas andarem sempre a correr. Há uma coisa que é extraordinária. Sempre que falamos de algo que vá ao bolso das pessoas, ou que seja impactante a esse nível, as pessoas sentem-se apertadas e começam a ter mais interesse em acompanhar as notícias. Não estando apertadas… “é a vida”. Não é a vida, a vida é aquilo que queremos que ela seja, e é por isso que o papel do jornalismo é essencial num país democrático. Somos nós que, muitas vezes, conseguimos ter conhecimento de situações e denunciá-las.
“Um jornalista não se pode deixar levar pelas emoções”
Lida com circunstâncias extremas, por exemplo tremores de terra, crises migratórias e quedas de aviões. É em tempos de angústia e pressão que um jornalista se deixa levar pelas suas emoções e se distancia um pouco da sua profissão?
Um jornalista não se pode deixar levar pelas emoções. É um ser humano, claro que tem sentimentos. Posso dizer que o primeiro trabalho que fiz fora do país, no qual fui enviado para uma guerra, na Guiné-Bissau, mexeu comigo. Tanto que quando voltei, me foi dito que se eu precisasse de ajuda, de um psicólogo… há uma coisa que é importante, e que está relacionada com a reportagem. Temos de ter uma carapaça. Estar num país africano a ver crianças a morrer de fome e a viver debaixo de uma árvore faz confusão, porque pensamos sempre nos nossos. Se não tivermos essa carapaça enquanto fazemos um trabalho corremos o risco de não conseguir realizá-lo. Isso torna-se aborrecido, porque alguém investiu em nós e mandou-nos para um sítio e depois chegamos lá e bloqueamos. Somos menos humanos por isso? Não, temos consciência da responsabilidade que é a nossa missão enquanto jornalistas, sobretudo em situações complicadas que mexem connosco.
Apesar de ter opiniões, um jornalista deve agir de forma isenta na produção de uma notícia ou de uma reportagem. Isto leva-me à questão da imparcialidade…
De antemão te digo que, se porventura for tratar de um assunto que ache que irá colidir comigo, peço a um colega para ser ele a fazer o trabalho, e vice-versa. Mas acho que faz parte do ser jornalista ter consciência do contraditório. Não se diz nada sem ouvir uma pessoa ou ter noção da importância de transmitir uma informação correta. Acho que mesmo perante uma situação mais melindrosa, conseguimos fazer essa notícia. Lá está, é a tal carapaça que tem de existir nessas situações difíceis. Só que ela tem uma coisa presa em cima, um cartão com o ‘Código Deontológico dos Jornalistas’. Não posso realizar um trabalho sem ouvir as duas partes, caso contrário não é fazer um trabalho devidamente… é como servir ‘Bacalhau à Brás’ sem bacalhau.
Para finalizar, que conselho daria a um jovem que deseja seguir jornalismo?
Quem quiser fazer do jornalismo vida tem de gostar muito disto. É importante ler muito, fazer perguntas e ter curiosidade natural. É essencial ouvir o que nos dizem e, a partir disso, fazer questões sem receio. Tem de existir o tal bichinho do jornalismo e depois perceber, dentro do meio, onde se encaixam melhor. Eu costumo dizer que a grande vantagem de trabalhar em jornalismo na rádio é que ninguém sabe quem eu sou, a não ser que eu lhe diga. É a minha privacidade. É bom ninguém saber quem somos e fazermos aquilo que gostamos.