Nascido em Algés a 9 de novembro de 1945, António Bessone Basto é considerado um dos mais ecléticos atletas portugueses de sempre, tendo ganho mais de 1500 prémios, títulos e troféus nas mais diversas modalidades, da natação ao andebol. O UALMedia foi conhecer um pouco melhor este atleta de renome.
Descendente de uma família de desportistas e do fundador do Sport Algés e Dafundo, António Bessone Basto cedo iniciou a vida como atleta, incutida tanto pelos pais como pelos avós. Aprendeu a nadar aos 3 anos, fez a travessia do Tejo aos 8 e com 12 foi internacional pela primeira vez, em natação. Participou nos Jogos Olímpicos de 1964 em Tóquio como atleta de natação. Apaixonado pelo desporto, experimentou as mais variadas modalidades, e hoje, aos 73 anos, continua a praticar natação, modalidade que o introduziu no mundo do desporto. O atleta fala um pouco mais sobre a sua vida agitada, numa entrevista feita num lugar que lhe é muito familiar: a praia.
Ao longo da sua vida praticou inúmeras modalidades: natação, andebol, caça submarina, rugby, basquetebol, karaté, judo, ginástica, hóquei em patins, polo aquático, atletismo, pesca desportiva, ping-pong… O que o levou a praticar tantas modalidades?
Agarrei-me muito ao desporto porque era disléxico desde o nascimento. Nasci em casa e estive com o cordão umbilical à volta do pescoço durante algum tempo. Por isso, o cérebro não foi oxigenado, estive praticamente morto. Nasci com uma série de problemas motores, e o desporto ajudou-me. Daí ter praticado tantas modalidades, fiz tudo o que podia e, de ano para ano, sentia que começava a ser como os outros miúdos da minha idade. Outra razão que me levou a praticar tantas modalidades foi o facto de, na altura, a modalidade onde me iniciei, a natação, ser uma modalidade de uma só época: a época de Verão. Então, durante as outras épocas tinha que me mexer para não engordar e, para tal não acontecer, praticava diversas modalidades. Para além disso, um homem que me marcou ao longo da minha juventude foi o diretor da escola Francisco Arruda, Calvet de Magalhães. Era um homem que proporcionava condições aos alunos para praticar desporto. Havia campos de andebol, basquetebol, futebol… tínhamos a possibilidade de fazer todas essas modalidades e eu aproveitei isso, aproveitei o que havia naquela época, não havia estes ginásios que há agora.
Hoje, como já referiu, a prática de desporto é muito mais acessível e facilitada do que era antigamente, no entanto ainda há quem se recuse a fazê-lo. Porque é que acha que isso acontece?
Hoje em dia, é tudo mais fácil. Vejo as condições que tive e as condições que há hoje, isso leva-me muitas vezes a ir ao ginásio e começar a olhar para a fartura que há e a fazer-me confusão como é que há tão pouca gente a fazer desporto. Mas muitas vezes a fartura é no que dá… aqueles que em pequeninos tiveram dificuldades são normalmente os que vigoram, ou seja, aqueles que nascem em berço de ouro acabam por não aproveitar as oportunidades que têm porque acham que tudo é garantido. Já com os meus filhos aconteceu o mesmo, tiveram tudo e mais alguma coisa. Eu, o pouco que tive, aproveitei, eles tiveram mais e não aproveitaram. Tenho um que foi o que aproveitou mais, o Rodrigo, ele é o segundo filho do segundo casamento, o resto nunca ligou muito à prática desportiva, fazem exercício, mas não com intuito de competir.
E hoje, aos 73 anos, continua a praticar desporto, pelo menos natação…
Sim, continuo a levar uma vida onde o desporto está muito presente. Por exemplo, estou a apostar para o ano, se tudo correr bem, fazer um triatlo olímpico, porque correr, eu corro, bicicleta não sou um ás, mas faço, natação, ainda nado e ainda faço competição, apesar de ter estado dois anos parado com uma lesão no ombro. Mal o braço me deixou voltar, eu voltei e cá estou eu para dar e para vender.
E para além de todas essas modalidades, há mais alguma que gostaria de ter praticado?
Há uma modalidade que não pratiquei, mas que gosto muito de ver, que é o surf. Lembro-me quando era miúdo, estava na Costa da Caparica, e houve um grande amigo meu, chamado Alberto Pais, que apareceu com uma longboard, uma coisa enorme, aí começou o surf. Fui experimentar e correu mal à primeira. Fui logo ao fundo, bati com o ombro na areia e, por isso, pus a prancha de parte. No entanto, muitos amigos meus praticaram e é algo a que gosto de assistir. É uma modalidade que ainda hoje acompanho, passo horas a ver e, por vezes, penso que poderia ter insistido mais e não ter desistido logo. Outra modalidade que também me desperta algum interesse é o golfe. Para o golfe, acho que tinha uma certa habilidade porque tinha um bom ‘chicot’e no braço, e hoje, a brincar, vejo que podia ter aproveitado qualquer coisa. Agora já não coloco essa hipótese porque é um desporto que quando é feito a sério também tem as suas lesões.
De Lisboa a Tóquio… a nadar
Mas comecemos pelo início. A natação começou a fazer parte da sua vida desde muito cedo. Aprendeu a nadar aos 3 anos com ajuda dos seus pais, aos 8 anos fez a primeira travessia do Tejo e com 12 anos teve a primeira internacionalização, contra Espanha. Considera que se a sua família não estivesse tão ligada a esta modalidade, ela seria tão importante na sua vida como foi?
A natação era uma modalidade imposta pela minha família, por isso, não era a que gostava mais em pequenino. Sempre quis praticar outras modalidades, por exemplo, a minha loucura em pequeno era a bola, como qualquer miúdo. Andava sempre com uma bola atrás, mas o meu avô, que foi um dos fundadores do Sport Algés e Dafundo, bem como o meu pai, tiraram-ma para eu me focar na natação. Há pessoas que escolhem os clubes dos filhos, outros que escolhem as namoradas ou as futuras mulheres, aqui na minha família disseram-me o que é que eu ia fazer. Eu tinha de ser nadador e fui. Fui até aos 17 anos, depois quando voltei dos Jogos Olímpicos de Tóquio desisti, desisti muito cedo. Só comecei realmente a gostar da modalidade quando chegou a Portugal o treinador Yocochi, ele é que me disciplinou, pôs-me nos eixos, foi mais do que um pai para mim. Estudou comigo, ajudou-me no que conseguia, e não era fácil, pois era um miúdo rebelde, era um revoltado, porque não conseguia estudar como os outros, devido à dislexia. Queriam que eu fosse como os outros quando não o conseguia ser. Enquanto que um miúdo normal precisava de fazer 20 vezes um exercício para aprender, eu tinha que fazer 100 para ser igual a ele. Aí é que comecei a perceber que, com trabalho e dedicação, tudo se faz e tudo se alcança. E também foi o treinador Yocochi que acabou por me incutir a competição, mas sempre tendo em mente que ser demasiado competitivo não é saudável. Saudável é fazer desporto pelo desporto.
E hoje em dia, considera-se um apaixonado pela natação?
Sou um grande apaixonado pelo desporto. Vamos dizer que a natação foi como comecei, foi o princípio da minha juventude, isso marcou-me, mas há outras modalidades onde me mantive durante mais anos. É claro que se me perguntarem o que é que gostei mais… gostei muito da natação, mas também devo muito à caça submarina, por exemplo. Naquela época, ganhei muito dinheiro nessa modalidade, tirei bons resultados a nível nacional e internacional, enquanto que nas outras não ganhava nada. Joguei andebol no Sporting, estive no Algés e Dafundo, joguei no Belenenses, e, ao contrário da caça submarina, em vez de ganhar dinheiro ainda o gastava. A caça submarina trouxe-me muito, ganhava muito dinheiro naquela época, porque não havia ASAE e vendíamos peixe furado. Foi até com esse dinheiro que consegui ir ao estrangeiro representar o país por várias vezes.
Mas de onde surgiu a ideia de se iniciar na caça submarina?
A caça submarina apareceu na minha vida depois de ter deixado de nadar. Comecei primeiramente com o meu cunhado, ele veio de São Tomé e Príncipe com o vício dos peixes e acabou por me incutir esse vício também. Mais tarde, fomos para o Algarve juntos e foi aí que comecei a caçar. Tinha um certo jeito para aquilo, a água para mim já era de família. Para além disso, a velocidade e os reflexos que tinha, tudo criado pelo treino intensivo, ajudavam muito na prática dessa modalidade.
Já nos falou aqui do treinador Yocochi. Quando foi aos Jogos Olímpicos de Tóquio em 64, considera que a sua prestação ficou aquém porque ficou sem o treinador a que estava acostumado?
Sim, ficou aquém porque 14 ou 16 meses antes dos Jogos Olímpicos, fiquei sem o meu treinador, que era um técnico, e puseram-me a treinar com um senhor que andava a ensinar as pessoas a nadar e não era suficientemente exigente comigo. Acabaram por estragar oito anos de trabalho árduo. É claro que, mesmo assim, não fiz pior do que aquilo que fazem agora [os atletas olímpicos portugueses], até acho que fiz melhor, mas mesmo assim sei que, se tivesse mantido o treinador Yocochi, teria tido uma melhor prestação.
Ser bom de bola
Deixando agora um pouco a natação para trás, o andebol foi também uma modalidade onde ganhou diversos títulos, medalhas, prémios…
Sim, foi. No entanto, sei que no andebol podia ter feito muito mais, mas não fiz porque comecei a ver que tinha família e que não ganhava nada com esta modalidade. Nessa época, ganhava já muito com a caça submarina e percebi que era difícil conciliar as duas coisas. Para continuar com o nível a que estava acostumado, tinha de parar com o andebol, e foi o que fiz. De um dia para o outro, abandonei o andebol. Fazer as duas coisas era muito desgastante: entrava para a água às 7:00 e, às vezes, saía às 17:00, depois à noite tinha o peixe dentro do carro para vender e ainda tinha de ir jogar pelo Sporting… Então, pensei que isto não podia continuar e, por isso, acabei por desistir do andebol que não me dava nada.
No entanto, na época de 1970, ainda foi considerado um dos melhores guarda-redes do Mundo. Para si, esse foi o momento mais marcante enquanto atleta de andebol?
Fui porque quando cheguei ao Sporting havia muitos jogadores melhores que eu e aprendi com todos para conseguir evoluir. E evoluí! Mas o mais marcante para mim nestas coisas do desporto não são as medalhas, nem nada disso. Costumo dizer é que a coisa mais marcante para mim foram os colegas que tive, os adversários, as amizades, isso hoje para mim é que é marcante. Nas modalidades todas em que estive, tive grandes homens que me ajudaram e treinadores que apostaram em mim. Devo-lhes muito, eu não era uma pessoa fácil e eles para me controlarem tinham de ser rijos, porque eu era muito exigente, não só comigo mas com eles também. Os meus títulos, as minhas medalhas, os meus prémios, deixo isso para segundo plano.
Então, para si, as amizades que criou superam qualquer prémio que possa ter recebido?
Exato. Isso para mim é que é importante. É, por exemplo, no lançamento da minha biografia, saber que quando olhar para o lado vou ter muitas pessoas lá, a apoiar-me e a acompanhar-me, isso para mim é o importante. É aproveitar os anos, que passam rápido, e aproveitar para lembrar essas memórias que eles têm de mim e que eu tenho deles.
É considerado um dos mais ecléticos e premiados atletas portugueses de sempre, ganhou mais de 1500 medalhas e troféus, foram-lhe atribuídos inúmeros títulos honoríficos e louvores nas mais diversas modalidades. No seu entender, qual a razão que o levou a atingir este nível de glória e grandiosidade no desporto?
Todos os sucessos que tive ao longo da minha vida deveram-se sempre ao mesmo, trabalhar mais do que os outros, mais horas do que os outros, mais vezes do que os outros e isso ajudou-me não só no desporto, mas também a nível profissional. Sabia que para sermos melhores tínhamos de trabalhar mais, e esse é o segredo: Trabalhar. Havia gente que dizia que eu já tinha nascido com um certo talento para o desporto, mas não é verdade. Consegui muitas vitórias e sucessos porque trabalhava mais do que os outros e dedicava-me mais do que os outros, porque se não o fizesse seria simplesmente mais um.
O seu avô foi um dos fundadores do Sport Algés e Dafundo e apenas com meia hora de vida foi proposto pela sua avó para sócio deste clube…
Exatamente, e ainda tenho a proposta comigo. Meia hora depois de ter nascido já era sócio do Sport Algés e Dafundo, sou o sócio número 14588, e ainda hoje é o meu número, aliás vou fazer este ano, dia 9 de novembro, 74 anos de sócio, e de vida também! (risos)
E considera que o Sport Algés e Dafundo é o seu clube de coração? Mesmo tendo passado tanto tempo como atleta do Sporting?
É o clube do coração, porque foi ali que fui criado, foi a minha rampa de lançamento. Apesar de ter estado tanto tempo fora noutros clubes, quando voltei receberam-me outra vez e têm um certo carinho por mim. No Sporting, já não é a mesma coisa, recebi o prémio Stromp 43 anos depois do que devia ter recebido, quando há treinadores que passam por lá e ao fim de cinco meses recebem-no logo. O Algés não mudou desde a minha época até agora, sempre me deu amor e carinho, e isso é um clube de que gosto. Representei vários clubes, fui campeão em vários clubes mas, por exemplo, no Sporting, que foi o clube onde estive mais tempo, foi também o clube onde fui mais mal tratado, não pelo Sporting, que não tem culpa nenhuma, mas por algumas pessoas que por lá passaram. O Sporting tem tido presidentes que me são apresentados depois de já estarem na direção do clube e que nem sabem quem eu sou, e estive lá 35 anos. Aqui se pode ver a diferença que existe de clube para clube. Por isso é que hoje, tudo o que faço, faço no Sport Algés e Dafundo. Eu costumo dizer que quando um clube não liga ao passado, o futuro não é risonho.
Fazer as pazes com o passado
Falemos agora de família. No meio de tantos prémios, tantas internacionalizações, tantos treinos, como conseguiu conciliar esta vida de atleta com a sua vida mais pessoal, com a família?
Nestas vidas de atleta há sempre qualquer coisa que falha e, no meu caso, foi aí. No entanto, a minha família tinha um nível de vida bom, os meus filhos viajaram, fui com eles para vários sítios. Agora, se me perguntarem se era um pai ausente, tenho que responder que sim… era muita coisa. Para além do desporto, também trabalhava, chegava a ficar a atender clientes até às 3:00 ou 4:00 da manhã e depois levantava-me às 7:00 horas da manhã para trabalhar. Por isso, sim, é verdade que fui um pai ausente, mas preparei tudo para o poder ser, não lhes faltou nada, os meus filhos não tiveram as dificuldades que tive. Na minha casa havia costureira, mulher-a-dias e criada. Nesse aspeto, fui autossuficiente e dei-lhes condições, não lhes faltou nada. Agora, se deviam ter tido o pai mais vezes em casa… é natural que sim. Eu costumo até dizer que a melhor coisa que me aconteceu na vida foram os sogros, porque sempre me apoiaram e ajudaram em tudo o que podiam, e devo-lhes isso.
No entanto, apesar dessa ausência, tentou de algum modo fomentar o desporto na vida dos seus filhos, netos e bisnetos?
Sim, tentei, claro que tentei, mas acho que eles ficaram cansados. E há outra coisa: Quando era pequeno e começava alguma modalidade, diziam-me sempre: “Tens de treinar para ser melhor do que o teu pai.” Para mim, quanto mais me picavam com isso, mais eu gostava de o atingir, porque tinha uma grande força de vontade e uma enorme vontade de vencer. Os meus filhos não. Quando lhes diziam, por exemplo na natação, “tens de ser melhor que o teu pai”, eles fugiam, diziam que não queriam porque tinham medo do insucesso.
Vai ser lançada a sua biografia, no dia 9 de novembro deste ano [2019]. O que pode contar-nos acerca deste projeto?
É um livro que acho que tanto a malta do meu tempo como a rapaziada nova vai gostar. Vão ficar a perceber as dificuldades por que passávamos no meu tempo, porque conto coisas que hoje em dia não podiam acontecer. Por exemplo, em miúdo, ia ao cemitério quando acabavam os funerais e, como era amigo do coveiro, ia lá roubar as flores para ir vender para o largo de Algés. Hoje em dia, isso era logo considerado um crime. O livro tem muita gente a falar sobre mim, pessoas que me conhecem a contar imensas histórias. Mas também falo sobre mim, conto coisas que provavelmente muita gente não contaria porque poderia ficar mal visto, mas se não o fizesse não seria uma biografia. Por isso, o que faço é contar a minha vida desde pequenino, as malandrices, as coisas boas, as coisas más, enfim, tudo. É uma história rica, pois foram muitas as modalidades que pratiquei e todas elas têm muito que contar. Muitas vezes não fui mais porque andava a saltar de modalidade em modalidade, queria competição. Havia alturas em que dormia três horas por dia e acabei por ter um esgotamento nervoso. Estive parado por uns tempos, nem queria sair de casa, demorei cerca de três meses a recuperar. São todos estes altos e baixos que conto no livro que vai ter como título “Vontade de Vencer”. Escolhi este título porque é muito nessa “vontade de vencer” que toda a minha vida se baseou e ainda hoje se baseia