Miguel Faísca viu o seu sonho de ser piloto de automobilismo concretizado quando em 2013 ganhou a Nissan Playstation (®) GT Academy Europe. Esta competição permite os melhores jogadores de Gran Turismo lutarem por uma oportunidade de se tornarem pilotos profissionais. O ponto mais alto da sua carreira aconteceu nas 24 horas do Dubai 2014, onde arrecadou o primeiro lugar na classe SP2.
De onde vem a sua paixão por carros e pelo desporto automobilístico?
A minha paixão vem desde muito pequeno. A primeira palavra que disse foi “trator” e ainda antes de saber ler já fazia coleção de revistas de carros. Ao longo dos anos, a paixão continuou a crescer e comecei a interessar-me cada vez mais. Mais tarde, o gosto pelas corridas surgiu.
Durante todo o evento do GT Academy em que participou e foi o vencedor, quais foram as maiores dificuldades que se lembra de sentir?
O GT Academy foi uma experiência muito intensa. A primeira dificuldade foi não acreditar em mim mesmo, nas minhas capacidades. Foi complicado manter a calma e pôr os nervos à parte para conseguir focar-me nas várias provas. Existiam vários desafios e provas ao longo da competição, tais como provas físicas, de condução, entrevistas, etc. Um fator a ter em conta é que muitos dos participantes já tinham alguma experiência previa. Havia participantes que até em fórmula já tinham corrido.
O Miguel já tinha alguma experiência a conduzir carros ou sentiu dificuldades ao passar do comando da consola para um volante de um carro?
Sim, passar de um comando para um volante ainda é uma diferença grande [risos]. Apesar de que podemos aprender muito ao jogar. O Gran Turismo, por exemplo, é um simulador em que te ensina as trajetórias corretas das pistas, onde deves travar e onde colocar o carro. A minha primeira grande experiência a conduzir carros foi em 2010, ano em que passei do ensino secundário para o superior. Soube da existência do desafio Seat by Vodafone e inscrevi-me. Nessa corrida, fiz a pole position e acabei por terminar em terceiro lugar. Depois, em 2012, participei no Redbull Kart Fight, mas não consegui passar. Na próxima eliminatória que seria no Algarve consegui o melhor tempo e passei à próxima fase que seria em Braga. Esta acabou por ser uma desilusão pois havia pilotos que pesavam 30/40kg e não havia pesos. Quando se trata de um piloto como por exemplo 40kg contra um piloto de 60kg, é claro que o piloto mais magro tem uma grande vantagem e contra isso não se pode fazer nada.
“Se não fosse o GT Academy, provavelmente estaria a trabalhar como engenheiro mecânico”
Como é que a sua vida mudou depois de ter ganho o GT Academy?
Se não fosse o GT Academy, provavelmente estaria a trabalhar como engenheiro mecânico. Não me posso queixar, pois estou a trabalhar na área que gosto, estou muito relacionado com carros. Há dias de trabalho em que me divirto tanto que nem chegam a parecer dias de trabalho, mas, claro há sempre dias que correm menos bem. Lembro-me de quando estudava engenharia mecânica chegar a casa e continuar a pensar nos trabalhos e que tinha que estudar. Já o meu pai, que é engenheiro civil, também chegava a casa e continuava a pensar no trabalho. Isto leva a parecer que não temos vida além do nosso trabalho, coisa que não acontece comigo, pois posso chegar a casa e dedicar-me a outras atividades que não estejam relacionadas com o meu trabalho.
Acha que faz falta e que deviam haver mais eventos deste tipo, a fim de descobrir novos pilotos?
Acho que sim, pois é possível descobrir novos talentos, como pilotos, ou descobrir pessoas dedicadas que queiram seguir uma carreira no automobilismo. O evento pode não garantir uma carreira permanente no automobilismo, mas eventos como este levam as pessoas a tentar realizar os seus sonhos, o que acaba por ser uma boa experiência.
Acha que Portugal é um país que ainda tem muito a crescer no automobilismo, falando na problemática de pistas, equipas, patrocínios, eventos?
É complicado, mas gostava de pensar que tem vindo a crescer. Em 2014, quando corri no Estoril, convidei alguns amigos a virem ver a corrida e eles pensavam que os bilhetes eram de graça. Expliquei-lhes que, em algumas corridas, as entradas são grátis, porém existem corridas em que o investimento é maior, logo, tem de haver custos para quem quer assistir. As pessoas gostam de corridas, mas não gostam só de corridas e isso leva a que muitas vezes seja complicado justificar a compra de um bilhete que só nos permite ver uma corrida. Acho que o que faz falta em Portugal neste tipo de eventos é mais atrações. Já trabalhei em eventos como o Goodwood e Le Mans Classic e são estes os eventos em que Portugal devia se inspirar. Por exemplo, no evento Le Mans Classic, para além das corridas de carros clássicos, existem experiências em que as pessoas podem dar voltas em carros, existem “barracas” que vendem peças para os carros clássicos, as marcas apostam na exposição dos seus carros, existe entretenimento para as crianças e concertos. Enfim, acaba por ser uma feira automóvel que atrai todo o pessoal que gosta de carros, e é isso que na minha opinião faz falta a Portugal para poder crescer no mundo do automobilismo.
“Hoje em dia, quase todos os pilotos pagam para correr”
Sei que o Miguel tem trabalhado como instrutor piloto, mas o que podemos esperar de si nos próximos meses? Vai participar em alguma competição?
Para já, não tenho nenhuma competição planeada. Infelizmente, hoje em dia os preços dos carros de competição estão muito caros. Antigamente, as equipas é que tinham os carros, arranjavam os patrocínios e chamavam os pilotos. Mas, hoje em dia, quase todos os pilotos pagam para correr, o que torna tudo mais complicado, pois para além de terem que pagar a uma equipa, têm que pagar licenças, seguros, estadias em hotéis, etc. Tenho a imagem de piloto e posso tentar usar essa imagem para arranjar patrocínios, porém, sendo de um país como Portugal, é muito difícil arranjar um patrocínio que pague um campeonato.
Atualmente como está a sua situação académica?
Durante dois anos paguei propinas para tentar acabar cinco cadeiras que deixei para trás, na altura em que ganhei o GT Academy, em 2013. Dessas cinco cadeiras, apenas duas conseguia fazer por exame, sendo que as outras eram por trabalho de grupo. Então, o meu plano, na altura, era dedicar-me apenas às cadeiras que podia fazer por exame ou teste, mas não conseguia estar presente nas aulas por estar grande parte do tempo fora de Portugal, então decidi deixar os estudos em pausa. Algo que me deixa desmotivado é ver os meus colegas de estudo que já terminaram as suas licenciaturas e mestrados serem mal pagos, após todo o tempo que dedicaram e dedicam ao seu trabalho. Por outro lado, também tenho colegas que estão a trabalhar no estrangeiro, e esses, sim, recebem decentemente, o que me leva a ter vontade de terminar o curso. Atualmente, gosto muito do que faço e vou esperar para ver até onde consigo levar a minha carreira no automobilismo, apesar de este ano ainda não saber se vou correr. Quando chegar aos 30 anos, talvez comece a pensar em terminar o curso e ter um trabalho normal.