Olho-a. Intensa. Selvagem. Dá dois bafos no cigarro e expele o fumo por entre os lábios. Selvagem. Tem-me preso. Olha para aquela pose, esparramada e nua na cama. E eu sentado no chão a olha-la. Morde os lábios, mordo os lábios. Ainda lhe sinto o sabor. Tem-me preso. Egoísta! Não me deixa viver. Não sem a ter na mente… e no corpo. Não consigo pensar, quero-a de novo e de novo e mais e mais. Selvagem. Quero-a.
Olha-me. Bem no fundo dos olhos. Tenho a certeza que me consegue ver a alma. Deixa-me louco. Não consigo viver. Quero-a, mas não lho digo, não lhe posso dar mais poder. Tem-me na palma da mão. Sou escravo da sua boca. Sou escravo do seu toque. Tremo só de pensar. Cabra! Não me deixa viver.
– Veste-te – digo-lhe.
Curva os lábios enquanto continua a penetrar com os seus olhos no mais puro de mim. Cabra. Não consigo pensar enquanto está assim. Satisfeita, nua, na cama. Tem-me preso. Aquele meio sorriso. Era capaz de morrer a olhar para ele.
Quero dizer-lhe para deixar de olhar para mim com tamanha altivez. Não consigo. Quero-a, a toda a hora. Gosto de a apanhar a dormir. Passo os olhos por cada contorno do seu corpo. Oiço-lhe a respiração. Quero tocar-lhe, mas não quero acordá-la.
Tão senhora de si. Tão mulher sem dono. E eu aqui, sentado no chão a olha-la. Tem-me preso. Cabra! Um dia vou conseguir não a ter. Tenho de. Sabe o poder que tem em mim. Selvagem. Ela que me dê uma razão para a largar. Só uma. Está a matar-me. Não consigo viver.
Vai-te embora, deixa-me!
Não! Não me oiças, não me escutes através desse olhar. Quero-te. Sempre. Não consigo pensar em como vai ser quando ela se for embora de novo. Quando voltará? Não pode ir-se embora.
– Queres ficar? – pergunto, já sabendo a resposta.
Olho-o. Sinto-o tremer. Está de novo a pensar que não pode viver sem mim. Está de novo a recriminar-se por me querer desta forma. Não tenho forma de o descansar. De lhe dizer que não sou nada. Vou matá-lo se o fizer.
Não consigo pertencer-lhe. Não consigo. Quero dizer-lhe que está tudo bem. Quero que pare de tremer. Não consigo. Não sou nada e ele não percebe. Não posso ser dele. Sou apenas minha.
– Queres ficar? – pergunta-me, já sabendo a resposta.
Nunca fico. Não posso, porque não sou dele. Sou apenas minha. Se um dia fico, pensará que me tem. Nunca teve.
Tem uns olhos bonitos, cor de avelã. Meigos. Queres-me. Eu sei que sim. E eu às vezes penso que quero ser dele. Mas não posso. Penso que podia ficar. Não faria assim tanto mal. Não posso. Tinha de lhe dizer que não sou nada. Que sou apenas minha. Ia matá-lo.
De vez em quando finjo que durmo para que me possa olhar sem restrições. Se estou acordada fica apavorado. Fica a pensar quando me vou embora? Quando vou voltar? Não tenho forma de o descansar, por isso finjo que durmo. Deixo-o ver-me. Ter-me apenas durante uns minutos. Não sou dele. Sou apenas minha.
– Vou-me embora – respondo, agarro na roupa e saio do quarto.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Escrita Criativa”, no ano letivo 2015-2016, na Universidade Autónoma de Lisboa.