Sinopse:
“Na famosa Escola de Magia de Watford, Simon desempenha um papel especial: ele é o Escolhido, aquele que irá salvar todos do Mal. Mas a verdade é que, metade das vezes, Simon não consegue fazer a sua varinha funcionar, e, na outra metade, pega fogo a tudo. O seu mentor evita-o, a sua namorada deixou-o, e existe um monstro que se alimenta de magia e que utiliza o rosto de Simon. Para piorar as coisas, Baz, a némesis irritante de Simon, desapareceu. Só pode estar a preparar alguma!”
Crítica:
“Carry On” é o terceiro romance de Rainbow Rowell para um público jovem, sendo inspirado numa das suas obras anteriores, “Fangirl”, na qual a personagem principal lia as histórias de Simon Snow. Este livro pode ser lido separadamente, não tendo conexão direta com “Fangirl” no que toca à história.
Algo curioso acerca desta obra é que ela começa pelo fim. É como o último livro de uma coleção que não existe. Somos quase “atirados” para o meio da história sem nada saber, algo que aumenta o mistério, tornando-se difícil pousar o livro. Encontramo-nos num mundo em que as palavras têm magia, literalmente, visto que qualquer palavra, por muito simples que seja, pode ser um feitiço… se o mágico que a profere assim o desejar. Seguimos a personagem de Simon Snow, um mágico da escola de Watford que, apesar de ter dificuldade com palavras, terá de salvar o mundo.
É uma óbvia paródia aos livros de fantasia para adolescentes, como por exemplo “Harry Potter”. Possui todos os elementos de uma história assim: um jovem escolhido para salvar o Mundo, uma escola mágica, uma melhor amiga inteligente, um diretor sábio, um bully irritante e um vilão misterioso. No entanto, subverte todos estes estereótipos, bem como o próprio caminho que a história segue. Simon Snow não quer ser o herói desta história. O seu colega de quarto e némesis, Baz, não quer ser um dos vilões da história. Agatha, o “interesse romântico”, não ser ser a rapariga que fica com o herói. Estão todos constantemente a tentar escapar do enredo, ou ao menos a tentar mudá-lo.
“Carry On” está dividido em quatro “Livros”. O primeiro é narrado maioritariamente por Simon, que se encontra paranóico pois Baz desapareceu e pensa que este está a conspirar contra si e atacará a qualquer momento. Para além disto, continua com a pressão de salvar o mundo mágico do vilão Humdrum, que terá de derrotar sozinho como foi profetizado. Neste “Livro 1” conhecemos as duas personagens principais: Simon e Baz. Ficamos a perceber a apreensão de Simon quanto à sua profecia e quanto a Baz, que conhecemos apenas pelos olhos de Simon – e ficamos certos de que Baz é o vilão. Mas o “Livro 2”, narrado maioritariamente por Baz, muda a nossa perspetiva da personagem. Percebemos a sua complexidade, os seus sentimentos e, acima de tudo, percebemos que este rapaz é um adolescente. Não é um vilão dramático de uma história de fantasia, tal como Simon não é o herói que irá eliminar o mal no mundo. Estas personagens são adolescentes no meio de uma guerra envolta em elementos de fantasia.
Em livros de fantasia, é difícil fazer com que as personagens continuem a parecer humanas para o leitor, visto que tecnicamente não o são. Em muitas obras, personagens fantásticas são colocadas sob um pedestal: ou são heróis que vão aniquilar o mal ou vilões culpados por todos os males do mundo. “Carry On” é mais subtil. Não existe uma personagem completamente boa, tal como não existe uma personagem completamente má. Todos são inequivocamente “humanos”. Acreditamos que estes são adolescentes a enfrentar o seu último ano, a crescer, e a descobrir quem são para além de ainda terem de lidar com uma guerra mágica.
Todas as relações são incrivelmente reais e complexas. A relação completamente platónica entre Simon e Penelope, a rapariga mais inteligente da escola de magia, é uma das melhores do livro. Vemos a dinâmica de amigos, que se aconselham um ao outro e fazem piadas, e não vemos parceiros de combate. No desenvolvimento da ação, esta relação não é vista como romântica, e Penélope acaba o livro solteira. Depois temos Agatha, a ex-namorada de Simon, que todos acreditam destinada a ficar com ele (um cliché de livros deste tipo, o herói tem de ficar sempre com a rapariga bonita), algo que desperta conflitos nela própria, visto não querer passar a sua vida sendo apenas “a namorada de Simon Snow”. Entre ela e Simon, vemos os escombros de uma relação que apenas era perfeita porque todos queriam que assim fosse. Apesar de ser uma das personagens que menos participa, vale a pena ler com atenção a evolução e a autodescoberta de Agatha como pessoa independente.
Temos também a relação de Simon e Baz. Estes têm uma dinâmica de amor-ódio, sempre a planear um contra o outro. Eventualmente, são obrigados a trabalhar juntos e a sua relação evolui. Esta relação é uma das mais bem escritas no livro. Temos duas personagens completamente diferentes mas, de certa forma, iguais: os dois são vítimas das suas circunstâncias. Não querendo revelar muito, pode dizer-se que vale a pena ler o livro mesmo que só por estas duas personagens. Simon e Baz são incrivelmente complexos e têm a maior (e melhor) evolução da obra.
Este é um livro de fantasia e mistério, daqueles que alimentam constantemente a nossa atenção, ficando agarrados às páginas e às personagens criadas. É impossível largar a obra e, apesar de ser uma paródia, é surpreendentemente imprevisível. Rainbow Rowell desenvolve (sempre) personagens muito bem conseguidas, e as desta obra não são exceção. Recomendo este livro a todos os amantes de fantasia. Uma história cativante e realmente mágica, cheia de intriga, crescimento, amor e coragem.
Se gostaste de “Carry On: A História de Simon Snow” também gostarás de “Six of Crows: Sangue e Mentiras”, de Leigh Bardugo.