Para evitar despedimentos e layoffs, todos os dias milhares de pessoas adaptam a sua vida a novas circunstâncias. Um em cada quatro portugueses passou a quarentena em teletrabalho. Clara, Mariana, Raquel, Filipa e Afonso sentiram a mudança de perto. O UALMedia tentou perceber como se estão a adaptar aos desafios no seu novo dia a dia.
Como é, afinal, trocar a secretária do trabalho pelo sofá de casa? Ou o convívio no refeitório ou no bar pela deserta sala de estar? Um dos problemas transversais a todos os que fazem teletrabalho é um maior cansaço pelo tempo que passam à frente do ecrã do computador, mas também a alteração a uma rotina já bem conhecida. Para combater a falta de experiência são feitas formações – também elas extenuantes – para apoiar os trabalhadores que, de um dia para o outro, viram a sua vida mudar. Que o diga Clara Santos, de 55 anos, professora de Inglês numa escola secundária, que garante ter feito mais de cem horas em formações com vista a melhorar a performance para as aulas virtuais. Mas, mesmo assim, não sente que o ensino presencial seja substituível.
Fazendo uma viagem aos primeiros tempos do ensino à distância, fala numa escola que não estava preparada para esta mudança: “a escola fechou a uma sexta-feira e na segunda seguinte reabriu. Uns [alunos] estavam na aula através do Zoom, outros através de chamada por telemóvel e outros nem estavam…uma grande desorganização”. Até que a administração da escola decidiu uniformizar a aposta na plataforma Teams, adianta esta docente que leciona há 30 anos. O maior desafio é tornar as aulas interessantes, já que muitos alunos entram na sessão, vão à sua vida e só voltam na hora de saída. Sempre por detrás de um incógnito ecrã preto.
Mostra-se feliz com o regresso às aulas, apesar das restrições que vigoram em torno da escola. O mesmo não se pode dizer dos alunos, que não sentem verdadeiramente falta da escola, mas sim do convívio – ainda inexistente. Grande parte das turmas prefere, por isso, ter aulas em casa. Mas a experiente professora vai mais longe, ao dizer que se devem criar condições para a igualdade entre os alunos, porque a telescola – embora seja uma grande ajuda – não “sabe” o que os alunos já estudaram, logo, não chega para colmatar as carências que muitos estudantes sentem.
As condições
Desengane-se quem pensa que a falta de condições afeta apenas os estudantes. Centenas de famílias muniram-se de equipamentos novos devido ao teletrabalho. Mariana Ventura, de 18 anos, não teve de o fazer, já que a empresa onde trabalha, um call center, distribuiu por alguns trabalhadores um computador quando se deu o confinamento obrigatório. Ainda assim, teve de esperar perto de um mês para começar a trabalhar. As condições estão longe de ser as ideais. “Passo o dia a atender chamadas, sentada no chão do quarto”, adianta. E, a estas cinco horas de trabalho, subtraía apenas 15 minutos de pausa.
Saturada com a sua rotina e com as parcas condições de trabalho que possui em casa, Mariana chegou a apresentar a sua carta de demissão. Contudo, após uma negociação com a entidade patronal, conseguiu reduzir o horário de trabalho a quatro horas com pausas. Hoje, a jovem que pretende ingressar no ensino superior sente-se mais ambientada e mais capacitada para fazer uma melhor gestão do tempo.
As vantagens
Mas nem tudo é mau neste novo modo de trabalhar. Raquel Guerreiro, de 18 anos, que entrou este ano para o curso de Direito, confessa, orgulhosamente, que o início da faculdade corria de feição: “Fui das únicas que passou a tudo!” Quando se deu o fim das aulas presenciais, receou sair prejudicada. Mas não foi isso que aconteceu. “Tenho basicamente as mesmas notas. [Nas aulas] participo o mesmo, embora, alguns colegas estejam a aproveitar melhor esta fase”, confessa. Passa muito mais tempo em frente ao computador – cerca de dez horas – mas, por outro lado, poupa bastante tempo em transportes. No percurso casa-faculdade despendia cerca de uma hora e meia [três horas na ida e volta], que agora converte em tempo de estudo.
Na adaptação a uma nova realidade, admite que a faculdade deu uma ajuda importante porque ajustou os métodos de avaliação em função das dificuldades vividas. Sente, no entanto, que lhe está a custar muito mais do que esperava ficar “fechada em casa”, por ser uma pessoa sociável, que gosta de estar em contacto com as pessoas, não apenas por chamada telefónica. No entanto, a fase de desconfinamento já lhe permite umas fugazes idas à praia, para desanuviar do stress das aulas online. “Pelo menos, a praxe foi logo na primeira semana (em setembro)”, desabafa acerca do ano de caloira.
A segurança
Todos os dias, milhões de estudantes e trabalhadores utilizam o Zoom, plataforma que já conta com mais de 200 milhões de utilizadores – segundo a própria empresa – e foi, por isso, alvo de grande mediatismo durante este confinamento provocado pela COVID-19. Mas a atenção dada à plataforma digital, criada por Eric Yuan, também dá que falar por outras razões. Segundo a SIC Notícias, já houve queixas devido a ataques virtuais, durante aulas online. Mas as acusações não ficam por aqui. Muitos utilizadores queixam-se de serem vítimas da partilha de dados pessoais com o Facebook.
Segundo o estudo da Fixando – plataforma online que contacta serviços locais – 40% dos Portugueses passou a quarentena a fazer teletrabalho. Mas será que todos eles manifestaram algum tipo de preocupação no que respeita à segurança online?
Filipa Alves, de 31 anos, trabalha como consultora de projetos numa universidade em Groningen (Países Baixos) e também faz consultoria na área da proteção de dados. Na hora da entrevista, sugerimos a plataforma Zoom, algo que é prontamente recusado pela emigrante portuguesa, pois “não oferece totais garantias de segurança”. A alternativa foi o Google Mees. “É mais seguro e bem mais rápido de aceder”, justifica. Confessa que esta preocupação pela segurança já é antiga, mas o facto de ser um dos requisitos do seu trabalho também contribui para cuidados redobrados.
Sugere, como solução ideal, uma mistura de teletrabalho com trabalho físico. Ideia corroborada por 95% dos portugueses – segundo um estudo da Jones Lang LaSalle Incorporated. Trabalha na sala, já que o namorado, professor universitário, utiliza o escritório da casa. Não sabe como vai ser voltar ao trabalho presencial, mas admite ter saudades de ir de bicicleta para o emprego (ou não estivesse nos Países Baixos). Admite que, neste regime de trabalho à distância é mais fácil trabalhar mais uma hora e “nem se dá conta”. Chega a passar oito horas em frente ao computador, apesar de ter um horário de cinco ou seis. Na hora de justificar o aumento no tempo de trabalho, dá um exemplo: “se receber um e-mail quando estou em casa, vou logo ver. Se estivesse na rua ou no café, se calhar não o faria”. Mas nem tudo é mau nesta nova vida. Confessa que o trabalho presencial a obriga a ter uma relação social ativa com as colegas, o que, por vezes, leva a perdas de tempo útil, algo que não acontece em casa. Situações como essa dão-lhe tempo para, por exemplo, ler mais livros.
A vida pessoal
“A COVID-19 mudou as nossas vidas e o seu impacto e consequências continuarão a fazer-se sentir durante muito tempo.” A frase é de Marta Temido, ministra da Saúde, e não podia ir mais ao encontro do que tem sido a vida de milhares de pessoas durante a quarentena: pouco tempo para a vida pessoal.
Afonso Pereira, de 15 anos, a frequentar o 9º ano, é disso exemplo. Costumava ter treinos de futebol três vezes por semana, cancelados devido à pandemia. Esperava-se, portanto, que houvesse mais tempo de lazer na vida do jovem, mas tal não aconteceu. Passa os dias na sala, no computador portátil que comprou porque o irmão já utilizava o seu para ter aulas online. Quando tem um pouco de tempo ainda dá umas corridinhas no bairro, mas “não é a mesma coisa”. As aulas de que mais gostava eram as de Educação Física, mas agora são mais teóricas. Tornou-se apenas mais uma hora, a somar às cinco ou seis que passa, diariamente, em frente ao ecrã do portátil. O (pouco) tempo que sobra costuma gastá-lo a jogar Playstation ou a ver séries.
Como seria de esperar, a adolescência rima com agitação. E muita. O jovem Afonso admite que quem muitas vezes paga o excesso de adrenalina dos alunos, pelo muito tempo que passam sentados, são os professores. “Já fizemos algumas traquinices, como desligar o microfone do professor.” Mas hoje estas situações estão ultrapassadas. O jovem pensa no futuro sem grande ansiedade, já que as notas do primeiro e segundo períodos o permitem. Alguns dos colegas não se podem regozijar do mesmo, pelo que jogam o futuro nos próximos tempos. “[Alguns colegas] estão a aproveitar muito bem, porque precisam de melhorar as notas. Participam muito e [as notas] devem melhorar”, revela com alguma surpresa.