Escritor e jornalista, Miguel Esteves Cardoso é apaixonado pela vida e por Portugal. Com uma brilhante carreira na área das letras, escreve diariamente para o jornal Publico. Aprendeu a dar valor à vida quando esteve prestes a perder o grande amor da sua vida, Maria João Pinheiro, 14 anos mais nova.
Estudou em Inglaterra, onde se licenciou em Estudos Políticos. Regressou a Portugal, em 1982. Como se sentiu? Foi a saudade que o fez regressar?
(Hesitação) Sim, foi a saudade. Fui estudar para Manchester, no Norte da Inglaterra, porque pensava que estava bem em qualquer lado, achava-me um cidadão do Mundo. Passado um ano de lá estar, sem vir a Portugal, comecei a ter saudades de ouvir o português, porque não tinha amigos portugueses e nessa altura não havia internet. Era caríssimo telefonar. Tinha muito pouco dinheiro e, portanto, não havia qualquer contacto para além das cartas escritas. Ao fim desse tempo, ouvi uma professora a falar português, e vieram- -me as lágrimas aos olhos! Foi aí que percebei que estava com imensas saudades e que era realmente português. A partir desse dia, pedia ao meu pai para me mandar produtos portugueses. Mandava-me uma garrafa de água ardente ou whisky, bebia um bocadinho e chorava imenso. Quando regressei a Portugal, em 1982, assim que cheguei, fui passear. Observei o Rio Tejo, os pescadores nas fragatas a tomar o pequeno- almoço. Ouvir toda a gente a falar português parecia um milagre. Fiquei com a “doença” da saudade e foi sobre isso que fiz a minha tese de mestrado.
Foi o primeiro director do jornal O Independente, que, em 2006, teve o seu fim. Como foi a sensação de perder o seu menino, se me permite este paralelismo?
Fui embora do jornal muito mais cedo mas, quando soube que ia acabar, senti imensas saudades dos tempos que lá passei. Quando se funda um jornal, não há nada, tem que se fazer tudo do zero, é um trabalho de equipa. Fomos o primeiro jornal a usar computadores, os outros eram muito, muito, atrasados. Hoje em dia, ao relembrar esse período de tempo em que estive no O Independente, sinto saudades. Eramos todos muito novos e estávamos a fazer coisas novas pelas primeira vez na vida. Actualmente, os jornalistas estão “tramados” porque têm a concorrência gigantesca da internet que é gratuita, instantânea e muito actualizada. Acaba por ser diferente porque não têm aquela “coisa” de grupo, que é fazer um jornal, estar no mesmo edifício com muitas pessoas onde umas dizem que sim e outras que não. Mas é isso que acaba por ser muito divertido e contribui para um bom jornal.
No seu livro ‘O Último Volume’ descreve como se esquece alguém que se ama. A minha questão é, consegue-se mesmo esquecer alguém que se ama? Ou um verdadeiro amor nunca se esquece?
Não, acho que um verdadeiro amor nunca se esquece. A intenção do texto é transmitir que as pessoas tentam enganar-se a si mesmas e pensam que se pode esquecer alguém muito rápido, mas para esquecer é preciso tempo. De qualquer modo, podendo ou não esquecer, penso que nunca se esquece alguém que se ama. Vai haver sempre algo que a faz lembrar.
O livro editado em 2013 tem o título Como É Linda a Puta da Vida, são estes dois adjetivos/ antítese que caracterizam a sua vida?
Sim. Primeiro, porque a vida é a única coisa que temos e, portanto, não há alternativa, a alternativa é a morte. Segundo, tem coisas muito más, mas também outras boas. Geralmente, as pessoas comportam-se como se só houvesse más. A vida é horrível e, a cada ano que passa, estamos cada vez mais perto da morte. Isso é uma coisa chata. A vida acaba muito, muito mal, acaba na morte. Não só uma pessoa morre, como isso também causa tristeza às pessoas que deixa cá.
“As poucas vezes que rezei, tive sorte”
Nesse mesmo livro é possível ler-se: “Ajuda a Maria João, se puderes, se não puderes, não dificultes a quem puder ajudar. Reduz-te à tua insignificância que é tão grande”. Está a falar com Deus? É crente?
Sim, sou. Acredito em Deus porque, as poucas vezes que rezei tive sorte. Deus existe, independentemente de nós. Ou seja, Ele pode existir ou não. Ninguém tem a certeza absoluta de que existe, mas, mesmo não tendo, é uma espécie de último apelo. Se realmente existir, que nos ajude quando precisamos. Mas, lá está, Deus não deve ficar muito contente de só nos lembrarmos dele só quando precisamos…
Foi essa fé que o fez acreditar que a Maria João estava a desmorrer?
A fé não ajudou nada, quem ajudou foram os médicos. O acesso a bons médicos é muito importante porque, com fé e sem médicos, não vamos a lado nenhum. A Maria João estava morta e eu também. Nestes casos de doença, o que ajuda são os bons médicos e a sorte. Há pessoas que não têm sorte nenhuma, mas há outras que têm imensa sorte.
“Sou uma pessoa muito trabalhadora”
Já deu para perceber que, a nível pessoal, o Miguel é uma pessoa muito cuidadosa, carinhosa e com medo da perda. E enquanto profissional como se caracteriza?
Uma pessoa para escrever tem de ser muito metódica, quase fria, porque tem de adquirir aquele hábito de escrever e isso dá muito trabalho. Infelizmente, não é como tirar uma fotografia. Um sentimento para ser bem expresso dá muito trabalho, há uma parte toda técnica. Quanto mais fácil parecer quando se lé, mais trabalho deu a quem escreveu. Em resposta à sua pergunta, digo que sou uma pessoa muito trabalhadora.
Tem a vida que sonhou?
(Hesitação) Agora, tenho a vida que quero, mas há alturas em que sinto que a desperdicei. A minha juventude toda, li demais, esforcei-me muito, estudei exageradamente, não era preciso ter notas tão boas. Entre os 19 e os 28 anos, não me lembro de viver. Não ia à praia, não fazia mais nada a não ser estudar e ler livros. O meu problema foi tentar ser aquilo que os outros queriam que eu fosse.
“A Maria João é a minha vida”
O que se imagina a fazer daqui a 20 anos?
Daqui a 20 anos vou ter 80, já sou velho (risos). Se Deus quiser e eu estiver vivo, vou continuar a escrever. Felizmente, escrever é algo que vai evoluindo com o tempo. Comecei a escrever aos cinco anos, depois aos 11 já escrevia correctamente. Escrevi aos 24, 34, 44 e, agora, daqui a 20 anos, vou escrever sobre a velhice. Vou dizer a verdade, porque essa coisa da velhice está muito mal contada.
Imagina-se a continuar a fazer crónicas para a sua Maria João?
Sim, Deus queira que sim, se ela estiver viva serão sempre para ela, porque ela é a minha vida. Não é só gostar um do outro, também gostamos muito da companhia um do outro. Isso às vezes é irritante para os outros casais, porque é muito “nho nho nho”. Às vezes até dizem que “mete nojo!”, Mas tive tantos anos triste e desgraçado que, agora, tive a sorte de encontrar a pessoa ideal para mim.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Técnicas Redactoriais”, no ano letivo 2014-2015, na Universidade Autónoma de Lisboa.