Trabalhou na RTP durante 30 anos, onde fundou a delegação de Moçambique. Para além de jornalista, Rosabela Afonso assume-se como escritora e aborda temas como a política, a cultura e a história. Os projetos no âmbito da ajuda humanitária também fazem parte da sua vida.
Fez parte da RTP durante 30 anos, onde esteve em departamentos como o Centro de Formação e a Direção de Programas. Dirigiu a revista Grande Plano, da Casa do Pessoal da RTP, foi regente de emissão e gestora da distribuição da RTP Internacional. Qual foi a tarefa em que gostou mais de participar?
Não sei se tenho sorte de ter tarefas que goste ou se, de facto, aprendo a gostar e a entusiasmar-me com as tarefas que tenho. De qualquer forma, ser gestora de distribuição do sinal da RTP para a Europa, Ásia, África e os Estados Unidos foi fabuloso. Sou filha única, de uma mãe hiperprotetora, fui muito protegida, mesmo depois de casar, e, de repente, estava em Hong Kong sozinha. Lembro-me que pensei: “não acredito, estou sozinha em Hong Kong!” Foi muito bom para o meu crescimento pessoal. Mas a tarefa que gostei mesmo de fazer foi desbravar caminho em Moçambique. Aí cresci mesmo, adorei o trabalho que fiz e as pessoas que conheci. Fiz muitos amigos e fui acarinhada. Até hoje tenho testemunho da amizade deles, o que sabe muito bem porque, além de missão cumprida, foi cumprida com ética, com rigor e com verdade, com um bom relacionamento e com comprometimento social.
Fundou e chefiou a Delegação da RTP em Moçambique. Qual foi a maior dificuldade que passou em Moçambique?
Tive algumas. Roubaram-me o jipe da delegação à porta da embaixada, tive que ir a pé com uns amigos à polícia. Passados uns dias, descobriram o jipe, já na África do Sul, a ser desmontado, mas conseguiram recuperá-lo. Quando fui desalfandegar algum equipamento para a delegação, tinha sido roubado da alfândega. Tive um amigo que me disse que viu os equipamentos destinados à delegação numa empresa e aluguei os mesmos, para a inauguração. Na hora de devolver, chamei os advogados da RTP em Maputo e confrontei-os. Os equipamentos tinham a marca da chapa de património da RTP, porque tiraram as chapas, mas ficaram os furos, não ia devolver o que era da RTP. Ficaram atrapalhados e, de facto, era razão para tal. Resolveu-se de uma forma muito civilizada, confrontados com a evidência, com os advogados à mesa. Não foi uma situação fácil de todo.
“Gosto de escrever a pensar nos jovens que o futuro terá”
A coleção de livros As Mulheres e a República serve para dar a conhecer as mulheres que fazem parte da nossa República e da nossa história. Será que a mensagem chega aos mais jovens?
Escrevi na esperança de que [a mensagem] chegasse, no impulso de lembrar que elas existiram. Quando foram as comemorações do centenário da República, indignou-me que só se falasse dos homens que lutaram pela implantação da mesma. As mulheres ficaram esquecidas. Em reação a isso, resolvi escrever a coleção. Por outro lado, é tentar que os leitores pensem: se elas conseguiram há 150 anos e sem direito ao espaço público, porque não eu que tenho o dever de fazer e de contribuir para a sociedade?
A coleção tem seis volumes, cada um dedicado a uma delas, Carolina Beatriz Ângelo, Adelaide Cabete, Maria Veleda, Ana de Castro Osório, Angelina Vidal e Emília de Sousa Costa. Uma de cada ponto do País, propositadamente para lembrar que, independentemente da família ser rica ou pobre, tudo o que nós quisermos, conseguimos fazer. Se elas conseguiram, com todas as dificuldades, porque não nós?
Grande parte dos seus livros são dedicados a crianças. Porém a maior parte aborda temas pesados, como por exemplo a violência doméstica. A sua intenção é chegar às crianças e também aos adultos?
A minha intenção é chegar a todos. Penso que todos os livros, mesmo dirigidos às crianças, devem ser para todos lerem. Nem todos os que são dirigidos aos adultos devem ser postos à disposição das crianças, porque muitas vezes nem os adultos estão preparados para eles. Gosto de escrever a pensar nos jovens que o futuro terá. Sigo muito a linha de uma mulher que me inspira, Maria de Lourdes Pintasilgo, que se preocupou e deixou obra na intenção de cuidar do futuro, para quando chegássemos lá ele estar melhor. É isso que tento fazer, passar a palavra dos erros que se têm cometido para não os repetir. A violência doméstica, o bullying, são males da sociedade, que é bom alertar desde a mais tenra idade para não os cometermos.
Um dos meus livros, O Homem que Atirou o Cão pela Janela é ficção, mas tem muito a ver com a minha preocupação com a saúde mental do adulto. Como é que um adulto pode ser saudável a nível psicológico quando teve uma infância traumatizante?
Para quando o próximo livro?
Para a próxima semana. O Efeito Viagem fala sobre um grupo de jovens de 18 anos que cresceram em França e frequentam uma aula de Português de uma professora extraordinária, que conheci quando estive em Paris. A convite do Consulado de Portugal para as comemorações do Dia da Mulher, fui visitar uma escola onde conheci a Carmen, que cito no livro. Dá aulas de Português a uma turma com 30 alunos, de 12 nacionalidades diferentes. Foi espantoso ver os miúdos motivados com trabalhos feitos sobre mim e a minha escrita. Achei-a tão motivada e eficiente, que decidi falar sobre a inspiração que transmite aos alunos. É uma história para inspirar os jovens a privilegiarem a vida ao ar livre, olharem o outro e largarem um pouco o sofá e os telemóveis.
“Foi muito gratificante sentir que estávamos a fazer algo pela vida das pessoas”
Em 2009, criou com uma amiga a ACCIG – Associação Cultura, Conhecimento e Igualdade de Género. Acha que a associação é um reflexo das suas ideologias?
É um reflexo do meu crescimento pessoal e [do crescimento] da amiga que a fundou comigo. Saí da RTP e ela saiu da PT. Novas demais para ficar sem fazer nada, decidimos fazer algo pela sociedade. Foi em plena crise financeira, em que muita gente estava no desemprego. No interior do país muitas famílias estremeceram, ambos os pais desempregados, muitas vezes o pai alcoolizado e a violência doméstica foi aumentando nessa altura. Assim que a Comissão para a Igualdade de Género respondeu a uma questão nossa, aconselhou-nos aquela região da Beira Interior, Seia e Viseu. Foi para lá que fomos e fizemos um bom trabalho. Foi muito gratificante sentir que estávamos a fazer algo pela vida das pessoas.
Apesar de já não ser diretora da associação ainda a integra?
Sim, sou presidente da mesa da assembleia geral. Uma ex-professora de Mangualde, onde são as instalações, candidatou-se e ganhou as eleições. Hoje, representa-a com muito mérito e capacidade. Nas associações, há sempre alguém que trabalha muito e outros que se distraem. Ela vai saltando os obstáculos, continuando a fazer um ótimo trabalho. Por insistência, fiquei na associação, porque gosto quando as coisas estão a andar bem e não precisam de mim. Gosto de me afastar para ir para outros projetos. Hoje, tenho um cargo que me exige menos, mas continuo a participar e a ajudar em tudo o que precisam.
Para além da associação, esteve envolvida noutras causas?
Tenho estado sempre. Mais recentemente, fui convidada para participar na Associação Happy Schools de Portugal, um projeto da UNESCO, que pretende fazer as comunidades escolares felizes, porque com felicidade aprende-se melhor. Este projeto é fantástico e esperamos a adesão de todas as escolas do país, porque promove a felicidade, apetência para o conhecimento, cultura e tudo o que nos torna mais felizes e conhecedores. Em pleno século XXI, o ser humano, que já inventou tanta coisa, não consegue inventar a fórmula de sermos felizes.