Mais de metade da população mundial é estimulada pela curiosidade de espiar a vida de outras pessoas de forma fácil e legal. Por que motivos é que se dá o consumo destes formatos? As intrigas, os conflitos e as relações do dia a dia contribuem para o consumo.
O estudo desenvolvido pela Ipsos, empresa internacional de estudos de mercado, divulgou o perfil do público que tem interesse por programas no formato de reality show. Foi aplicado a regiões brasileiras, bem como a países europeus, como o caso da Finlândia e da Eslovénia. A pesquisa concluiu que 52% da população que assiste corresponde à classe C, seguindo-se de 38% na A e 10% na B. Ana Jorge, investigadora do Cicant, centro de investigação da Universidade Lusófona de Lisboa, explica a preferência da classe C nestes formatos: “Está ligado a questões educativas e culturais com base no que é valorizado individualmente. Quando se consome este tipo de programas, não resulta deles uma introspeção edificante. São exibições simples de consumir: intrigas, conflitos, relações.”
Na sequência de um formato de entretenimento com vista a atingir elevados níveis de audiências, estes programas focam-se no quotidiano de um grupo pré-selecionado de pessoas que coabitam, conjuntamente, num período de tempo determinado pela produção. O público acompanha o dia a dia dos concorrentes, onde as câmaras seguem o elenco 24 horas por dia.
Formatos rentáveis
Os reality shows invadiram o horário nobre das principais cadeias televisivas. Se o público estiver interessado em consumir o quotidiano da vida alheia, as estações estruturam a sua programação tendo em conta estes formatos. Caso recorram a plataformas como a Netflix ou o HBO, mesmo que na procura de outras temáticas, as recomendações direcionam-se no mesmo sentido.
São também pensados para se maximizarem noutros canais e noutras plataformas, a fim de aumentar rentabilidade. Deste modo, é possível que haja canais especializados nestes formatos, bem como plataformas digitais que se destinem exclusivamente a transmitir os conteúdos mais fogosos. Como defende Ana Jorge, “os reality shows interessam quando suscitam algum debate na sociedade em termos públicos, nos meios de comunicação, nas colunas de opinião ou nas famílias, numa conversa gerada em casa”.
Empatia pelo ecrã
O conteúdo que é transmitido propicia a empatia na medida em que, como apoia Ana Jorge, “um dos aspetos positivos dos reality shows é a valorização da diversidade de identidades com diferentes formas de ser, o que leva à aceitação de diferentes pessoas”. Assim, torna-se compreensível idolatrar algumconcorrente, mesmo que aparentemente pareça distante.
A fim de favorecer a proximidade entre o público e os participantes, as redes sociais têm um papel fundamental nesse campo. Esta situação ocorre na medida em que é possível invadir a intimidade de qualquer pessoa, tendo em conta o que é publicado. Os conteúdos disponibilizados pelos gestores de conta alimentam a curiosidade porque captam o que os move a partir do que disponibilizam online. Por outro lado, os concorrentes dentro do programa são conhecidos pelos traços mais vincados da sua personalidade. Desta maneira, é possível que o telespectador se identifique com o concorrente e com as causas que defende. Ou, noutros casos, que não goste dele. Assim, os comportamentos dos protagonistas são o cenário do programa, quando selecionados e exibidos de forma atrativa para as audiências. A juntar, a maneira como os enquadram e projetam tal como o desenvolvimento da narrativa levam à empatia ou ao ódio. “A produção seleciona os aspetos que são mais atrativos para o público, sendo relevante a forma como os enquadram, os projetam e na maneira como a narrativa se constrói”, explica Ana Jorge.
A verdade é que, ao serem controlados 24 horas por dia, a produção acaba por exigir tarefas e missões que podem desconstruir a personalidade de uma pessoa e torná-la mais apelativa. Deste modo, há espectadores que se questionam da veracidade da personalidade dos concorrentes, ou seja, se aquilo que é mostrado é de facto real. “Pode ser uma hipótese, mas não quer dizer que seja uma verdade absoluta. O histórico desse tipo de programação faz com que os concorrentes se apercebam da necessidade de realçar ou enfatizar certos aspetos que possam ser mais vantajosos na sua participação”, considera a investigadora.
Regresso do Big Brother à TVI
Em maio, segundo o MarkestGrupo, o Big Brother 2020 foi o programa mais falado na televisão portuguesa, nas redes sociais. As menções foram cerca de 23 mil. Numa época em que a SIC se consolida líder entre os quatro canais, a TVI pretende relançar um programa que move audiências há 20 anos.
De volta ao ecrã nacional, no horário nobre de domingo à noite e através de diários e extras, são noticiados diariamente os flagrantes do dia a dia na casa. O formato é uma das maiores apostas da TVI para este ano. A ideia é tornar o público mais participativo, numa aposta interativa, nas redes sociais. Deste modo, a responsabilidade que é dada ao público, a nível das decisões dentro do programa, contribui para o consequente aumento das audiências. Esta situação ocorre porque os telespectadores gostam de sentir que têm poder na tomada de decisão.
História dos realitys
A explosão de programas de competição deu-se nos anos 90 e no início de 2000. O primeiro reality show produzido mundialmente foi realizado em 1993, onde o produtor Craig Gilbert e dois assistentes permaneceram na casa da família Lord na Califórnia. “An American Family” retratava a vida do casal Bill e Pat, bem como a dos cinco filhos, com resultados simples e aborrecidos, inicialmente. No entanto, os últimos episódios marcaram a crise do casal e a sua sequente separação.
“Big Brother” em Portugal
Já em Portugal, o ano de 2000 marca a revolução da televisão portuguesa, com a estreia de um formato de sucesso: o “Big Brother”, na TVI. Em consequência e como resposta da SIC ao fenómeno de audiências, um ano mais tarde, é transmitido o reality show “Acorrentados”, onde cinco pessoas tinham de fazer o jogo amarradas. Os participantes eram de sexos opostos e o objetivo consistia em selecionar aquele que era o concorrente ideal, eliminando assim os outros.
“Super Nanny”: o fracasso nacional
Ao longo dos anos, foram vários os formatos transmitidos em Portugal, mas nenhum teve um impacto negativo como “Super Nanny”, exibido em 2018, na SIC. Um programa inglês e adaptado por outros países apela ao choque, onde expõem crianças mal comportadas, bem como consequentes formas de impor a disciplina. O que acontece é que este tipo de programa entra em conflito direto com o direito à privacidade, proteção ou imagem. Ana Jorge afirma que “no caso da ‘Super Nanny’ pode ter havido limites que foram ultrapassados, na medida em que há sempre um lado da parte da produção que quer dramatizar certos aspetos para captar a atenção da audiência”.