Num período em que a subida de preços se manifesta como uma “doença fatal” na vida de muitas famílias, o Banco Alimentar surge como a cura. Para que esta entidade execute a sua missão de socorro necessita de doses de alegria, bom humor e boa disposição. A música torna-se a solução e a Rádio Autónoma o meio hospitaleiro que oferece a salvação.
Os empilhadores iniciam o transporte das caixas verdes. Recheadas de alimentos vindos dos vários supermercados da região de Lisboa, são encaminhadas para o interior do armazém do Banco Alimentar Contra a Fome, em Alcântara. Os voluntários estão a postos e preparados para a abertura da passadeira de alimentos. A coordenadora do armazém, Ana Ferreira dos Santos, coloca-se em cima da passadeira, solicita um microfone e inicia a contagem decrescente: “três… dois… um… zero!” Liga-se a passadeira e ouve-se uma música de fundo. A escolha recai em “Contentores”, da banda portuguesa Xutos & Pontapés. Como é que esta música foi colocada no momento exato em que a passadeira foi ativada? Quem será o responsável pela sua emissão?
Uma rádio num armazém?
Durante os dias de campanha, os voluntários não param um segundo! Através da passadeira, os alimentos passam pelas diversas secções e são organizados pelos responsáveis de cada setor alimentar. Enquanto uns arrumam os sacos que vêm dos supermercados, outros empacotam o azeite, o óleo e as cebolas em caixotes castanhos. No meio deste alvoroço, é necessário que os voluntários se sintam motivados, bem-dispostos e entusiasmados. De que maneira se anima centenas de pessoas durante horas e horas? A resposta é só uma: com música! Com recurso ao sistema de som presente no armazém, “eram colocadas canções por meio de um telemóvel ou de um gravador de CD”, explica a presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares, Isabel Jonet.
O ex-voluntário e professor universitário Carlos Pedro Dias verificou que “podia existir uma forma mais sofisticada de garantir o interesse e a motivação das pessoas”. Qual seria o meio ideal para promover a união, entreajuda e boa disposição? O profissional de comunicação sugeriu: a rádio! Mas porquê? “A rádio acaba por ser um meio de embrulhar toda aquela boa vontade das pessoas, com uma camada de boa disposição e de alguma alegria no trabalho”, afirma o ex-voluntário. E assim foi. Em 2006, decidiu lançar o desafio à Autónoma para que a rádio da universidade se tornasse o combustível do motor desta instituição. O desafio foi aceite e, desde aí, a Rádio Autónoma marca presença em todas as campanhas do Banco Alimentar.
As enfermeiras da boa disposição
No interior dos escritórios da sede do Banco Alimentar, encontra-se o professor de Rádio João de Sousa, juntamente com uma equipa de locutoras. Aqui, as pessoas entram e saem, as portas abrem e fecham. Contudo, o pouco ruído que existe não se compara à dinâmica que se vive no armazém. Neste ambiente mais calmo, está montado o estúdio improvisado da Rádio Autónoma: quatro cadeiras, quatro microfones, um computador portátil, um monitor e uma mesa de mistura.
Ao mesmo tempo que as estudantes da Autónoma realizam intervenções, preocupam-se com a mesa de mistura e debatem os temas que vão abordar no decorrer da emissão. O professor João supervisiona o trabalho: “subam o volume no armazém”; “cuidado com os níveis dos microfones”; “não se esqueçam que a vossa principal função é animar e motivar os voluntários”. Vê-se Susana Janota a coordenar toda a logística: aumentar o volume dos microfones, fazer crescer o som no armazém, reproduzir e trocar de músicas. Beatriz Lança e Carolina Esteves preparam as entrevistas para os voluntários e Catarina Ferreira pesquisa informações atualizadas relativamente aos resultados da recolha de alimentos.
Com o turno das 10:00h da manhã até às 14:00h, as jovens dão o seu melhor para conseguirem atingir o seu objetivo: transmitir boa energia, alegria e motivação aos voluntários. No fim de contas, estas e todos os que passam por aqui pretendem transformar a rádio num canal solidário. Num meio altruísta que consegue pôr em prática o mote desta campanha: “Juntos, vamos alimentar a esperança.”
O que terá movido estas estudantes a participar neste projeto? Tanto o desafio, quanto o carácter solidário e humano da emissão foram fatores fulcrais para que as finalistas de Ciências da Comunicação dessem match a esta oportunidade. “É uma iniciativa muito bonita da parte da Autónoma, uma vez que conseguimos estar aqui a vivenciar e, ainda, a transmitir o que os voluntários sentem ao ajudar os outros!”, admite Susana Janota, no momento em que a sua função de locutora está a ser interrompida pelo “sinal horário” da rádio [este ocorre de hora em hora]. Uma “injeção de boa disposição!” É assim que a Rádio Autónoma é caracterizada pelo seu coordenador, João de Sousa. Considerando as jovens locutoras como “enfermeiras da boa disposição”, qual será a perspetiva dos seus “pacientes”?
Os pacientes da solidariedade
De miúdos a graúdos, os “pacientes da solidariedade” pertencem a diversas faixas etárias e realizam profissões completamente distintas no seu dia a dia. Ainda assim, têm em comum um só propósito: o de ser solidário. “Sem música, metade da minha motivação já tinha ido!”, revela a voluntária de 26 anos Bruna Castanheira, responsável pela arrumação dos sacos que vêm dos supermercados. Farmacêutica a tempo inteiro e voluntária nos tempos livres, Bruna assume que seria impossível estar o dia inteiro a trabalhar no armazém sem a animação da Rádio Autónoma: “a malta está muito mais organizada, motivada e bem-disposta”. Esta jovem demonstra preferência por trabalhar num habitat solidário, animado e alegre.
Na secção de alimentos, surge a professora de 44 anos, Rute Ribeiro. Ao mesmo tempo que organiza as caixas de cereais, assume: “A Rádio Autónoma é uma mais-valia para esta campanha!” porque “é importante trabalharmos num ambiente feliz e animado para que estejamos motivados a realizar o nosso contributo solidário”, reflete a professora da Escola Secundária de Fonseca Benevides. Os efeitos secundários desta “injeção de boa disposição” são visíveis em todo o armazém, desde os sorrisos dos voluntários até aos agradecimentos por parte da direção do Banco Alimentar. “Os voluntários da Autónoma fazem um trabalho espetacular! Não só transmitem música animada, como exteriorizam o ritmo do armazém e conseguem dar importância a cada uma das pessoas que está aqui”, confessa a coordenadora da campanha, Ana Vara.