Oradores de diferentes quadrantes políticos unidos por uma causa comum: a vontade de mudar o Mundo e tornar Portugal um país melhor e mais sustentável. O UALMedia esteve no I Congresso das Relações Internacionais, em Sintra.
O relógio marca as 9:00 horas da manhã e uma sala de hotel já está cheia de jovens, adultos e idosos. Começa o muito esperado I Congresso das Relações Internacionais de Sintra, neste segundo dia de novembro. “Foi um risco imenso, mas Sintra merece”, diz Filipe Barroso, presidente honorário da Juventude Socialista do concelho, homem que tornou o evento possível, criando um local de debate para os residentes locais. Ouvem-se nomes conhecidos da política como Marisa Matias, Margarida Marques e Ângelo Correia. Ouvem-se diferentes opiniões e diferentes partidos. Em comum, o interesse pelo Mundo e por Portugal.
Notícias falsas e o jornalismo atual
Neste concelho, fala-se das fake news e o seu efeito na sociedade portuguesa. “Enquanto houver casos de corrupção e a possibilidade de um ataque mais direto à classe política, a desinformação terá esse alvo óbvio”, explica Maria Emília Brederode Santos, presidente do Conselho Nacional de Educação e membro do Conselho de Opinião da RTP, que sublinha “não ser uma especialista” no tema. Coloca o seu foco na educação e literacia mediática: “As pessoas em Portugal têm uma baixa literacia mediática, o que torna as fake news em algo ainda mais perigoso, sobretudo no que toca a vídeos e imagens.” A conselheira pensa que a solução se encontra na educação de utilizadores de redes sociais: “Aumentou o consumo de notícias nas redes sociais. É importante contribuir para que as pessoas aprendam a interrogar-se sobre dadas notícias, mas sem que isso conduza a uma descrença total. O jornalista e os jornais devem ser merecedores da credibilidade, de uma confiança renovada e mais crítica.”
Carlos Vargas, jornalista e economista, fala de acordo com a própria experiência: “As fake news são um fenómeno irreversível. Isto porque são um grande negócio.” Fala no livro “Fábrica de Mentiras” de Paulo Pena, parafraseando: “só em Portugal, existem 40 sites de notícias falsas. Operam dia e noite e estão sediados em variados países. Produzir uma falsa notícia pode ser um extraordinário meio de remuneração para quem a faz. Escrevem clickbait, as pessoas clickam, e cada click produz uma remuneração para o autor da notícia falsa, e recebem milhares. Isto apenas num pequeno país como Portugal. O número de falsas notícias no Mundo está neste momento avaliado em cerca de 50 mil. Por isso é que se torna incontrolável”. Vargas explica que não existe solução para este fenómeno, mesmo que já estejamos a tentar aplicar regulações. “Tudo o que podemos fazer é correr atrás do prejuízo, porque a tecnologia venceu-nos. Foi mais rápida do que a nossa capacidade de responder aos seus efeitos. Quando fazemos uma tentativa de regular, recorremos aos próprios beneficiários dos negócios, que são as grandes empresas, como a Google e o Facebook. Estas entidades não têm interesse em regular nada, só têm interesse em gerar tráfego, remunerar o clickbait. Quem pode analisar se uma notícia é falsa ou não? Vamos entregar esse poder a entidades privadas que não foram eleitas por ninguém, cujo único objetivo é lucro?”
Uma das soluções para Vargas volta a ser a literacia mediática. “Os utilizadores é que têm de aprender a lidar com isto, e aceitar que é uma realidade.” Quando questionado se seria viável voltar ao jornal impresso para combater as fake news, responde: “A aposta no papel devia ser reforçada. Deviam ser dados incentivos às empresas para investirem no papel. Porque também há um problema económico – é mais barato colocar um texto online do que imprimir. Mas, sim, a aposta no papel é uma forma de combater as fake news, porque é muito mais difícil colocar uma notícia falsa em papel, que fica guardado. Na internet, uma notícia está sempre sujeita a um apagão.”
Este foi o painel que mais interessou a Pedro Prazeres, 20 anos, estudante de Ciências Políticas e Relações Internacionais na Universidade Lusófona: “As fake news são um tema bastante atual e que nos afeta diariamente. Temos de refletir regularmente sobre o que é verdade e o que pode ser falso. É importante existir uma verificação de factos e desmascaramento de desinformação, cada vez mais prevalente nas redes sociais e até mesmo em questões políticas e de propaganda. Existe a necessidade de criar órgãos públicos que atestem a veracidade da informação.”
Geopolítica e energia no Médio-Oriente
“Como é que uma região com o mesmo livro sagrado, a mesma língua, a mesma designação, a mesma mundividência é, todavia, tão fraturante?”, pergunta Ângelo Correia, fundador do PSD, participante de um dos primeiros painéis do dia, cujo tema é a situação no Médio-Oriente. “A primeira resposta tem a ver com as questões que decorrem das invasões ou pressões ou ações externas. Justifica-se uma análise de três elementos: as questões endógenas, as questões estratégicas e o jogo das superpotências naquela região”, e passa a explicar toda a história do Médio-Oriente, bem como os seus conflitos, dando um contexto histórico para a situação de divisão atual.
Marisa Matias, eurodeputada do Bloco de Esquerda, trata da atualidade e da questão da energia: “Muito menos importante do que a existência de recursos energéticos, quando falamos da região com a maior concentração de reservas petrolíferas e de gás natural, é a forma como são explorados os mesmos, quem tem a capacidade para fazê-lo e como isso determina a configuração geopolítica da região.”
“Por ser a região mais rica do ponto de vista da concentração de petróleo e gás natural, tem sido das regiões mais disputadas”, explica. Utiliza o Irão como exemplo, falando do interesse próprio de superpotências como os Estados Unidos da América nestes países: “no caso do Irão, a nacionalização da exploração petrolífera provocou imensa instabilidade, até guerras. Os Estados Unidos apoiaram o Iraque naquilo que seria a sua disputa com o Irão. No entanto, pouco tempo depois, quando assistimos à guerra do Golfo, entre o Iraque e Kuwait, já temos os EUA a apoiar o Kuwait. Não estão alinhados com o Iraque, mas sim com outras forças da região. Independentemente disto, há algumas linearidades nos últimos anos que estão muito concentradas não naquilo que é a posse dos recursos energéticos, mas sim a exploração dos mesmos. Há muito pouco espaço de expressão para a sociedade civil, que se liga à riqueza energética destes países. A disputa e os interesses vêm de fora.”
Sustentabilidade e economia verde
A discussão acerca de economia verde e meio ambiente gera um clima pesado. Margarida Marques, eurodeputada do PS, fala das abordagens que a Europa pretende tomar: “As alterações climáticas estão na agenda europeia. A questão do clima chega ao Parlamento Europeu com muito mais força. 25% do financiamento comunitário para todos os projetos tem que ser orientado para o clima.” A eurodeputada considera alterações climáticas o problema mais importante de momento. “O tema das alterações climáticas tem sido discutido a nível global, pois estas só podem ser tratadas a nível global. Temos de valorizar o clima e responder àquilo que são as expectativas dos cidadãos. É urgente ter políticas que combatam estas alterações climáticas.”
Raquel Varela, historiadora, começa logo por discordar. “Penso que foi criado um catastrofismo em torno das alterações climáticas.” O verdadeiro problema: sustentabilidade. “O mundo não tem um problema de emergência climática, nós temos um problema gravíssimo de sustentabilidade da vida das pessoas e de poluição em massa. Todos os minerais que posso citar, como o lítio usado em baterias, não são renováveis, e os lugares onde estes minerais estão a ser explorados tornaram-se zonas de desastre nuclear. Mandam o desperdício para outro local e chamam a isso de renovável. Não se resolve o problema, apenas se transfere. O meu problema não é o clima: é a vida das pessoas, a vida em torno do automóvel é infernal. Devíamos fazer políticas ecológicas de massiva restruturação produtiva, não para fazer carros com baterias de lítio, mas para comboios. É ridículo que um país como o nosso não tenha uma política de incentivo à ferrovia, de incentivo às cidades pequenas. Os nossos impostos têm que ser canalizados para uma agricultura sustentável, que permita não só comermos melhor, mas uma melhor relação com o campo.” A historiadora explica que devemos trabalhar primeiro para melhorar a vida das pessoas: “A Europa tem um problema em que mais de 10% da população tem oito horas de trabalho, mas não consegue chegar ao final do mês por causa dos baixos salários. 80% da população em Portugal ganha menos de 900 euros por mês. Isto leva à abstenção, exaustão, queda de produtividade. Sou a favor de medidas ecológicas, mas não acredito que aquelas que nos estão a oferecer sejam as corretas.” As palavras são quase gritadas na voz arrebatada de Raquel Varela, que ansia por mudança.
Mas como mudar esta situação? Para Varela, a resposta é simples: “O consumo consciente está completamente fora das classes populares. Não atendemos aos problemas das pessoas, as pessoas nem têm dinheiro para comprar frutas e legumes. Não podemos mudar mentalidades sem mudar primeiro as condições sociais. Não posso dizer a alguém que não tem dinheiro para comer bem. Ao mesmo tempo que mudamos mentalidades, devemos mudar a vida material das pessoas.” Para Marques, tem a ver com a educação: “a educação é fundamental para mudar mentalidades. Mas também não somos nós que temos que mudar a vida das pessoas, cada pessoa tem que mudar a sua vida e fazer as suas escolhas. A educação é importante para o desenvolvimento de comportamentos, conhecimento da realidade e sobretudo para a informação das pessoas”.
Sentado no sofá, António Rocha, 20 anos, estudante de Informática e Gestão, tem interesse na economia verde: “as pessoas gozam que os jovens agora têm demasiada preocupação com o ambiente, que está na moda, mas a verdade é que é um tema que precisa de ser abordado. Aposta-se muito no renovável, sem de facto se ser renovável. Chamou-me a atenção algo mencionado brevemente pela professora Raquel Varela – a durabilidade tecnológica. Os equipamentos são feitos para ficarem obsoletos. Devemos trabalhar para produzir equipamentos sustentáveis!”
Um primeiro congresso que aborda Portugal e o Mundo, promove o ativismo e a intelectualidade, abrindo um espaço de debate para aqueles que o querem mudar.