Nasceu em Lisboa e com 23 anos publicou o livro de poesia mais vendido em Portugal em 2022. Pedro Freitas, o Poeta da Cidade, critica o sistema educativo, fala de redes sociais e de como estas vieram alterar o paradigma da poesia no país. Nesta conversa, revela ter o sonho de trazer e inovar uma arte que tem caído no esquecimento.
No livro que lançaste este ano, Ela, Metafisicamente d’outro Mundo, existe um poema, o ‘Ignorante’ em que admites querer voltar a ser criança, porque eras feliz na ignorância e não sabias o que era sofrer por amor. No entanto, em miúdo escrevias não só poemas para a tua mãe, como para a tua namorada. Como sentias a poesia em criança?
Sentia a poesia de uma forma visceral. Escrevia muito sobre aquilo que ouvia pelas minhas palavras. Sempre fui muito saudoso, muito melancólico. Fui uma criança que, por ter sido criado maioritariamente por mulheres, se tornou muito sensível a tudo o que rodeava. Quando nasci, a minha mãe continuou a licenciatura. O meu pai em trabalho e fiquei com a minha avó. Depois, todas as minhas primas são mulheres.
Em miúdo, começaste a mostrar os teus dotes poéticos, mas apenas aos 16 anos inicias o teu percurso na poesia ao participares num concurso de leitura da Fundação Calouste Gulbenkian. Sentiste algum tipo de exclusão ou preconceito pelas pessoas da tua idade por seres um jovem amante de poesia?
Não posso dizer que tenha sentido. Sinceramente, nunca liguei muito a esse tipo de opiniões. Também as pessoas com quem me dou não são pessoas de julgar quem quer que seja, por aquilo que fazem ou gostam. Muito menos uma pessoa como eu, que sempre tratei muito bem os meus amigos. Sou muito pouco problemático e também não disse a ninguém. Nunca foi uma coisa que anunciei.
Tinhas vergonha?
Não é vergonha, mas tinha a consciência de que não era excecional. Era novo. Tinha aspetos em que podia melhorar. O concurso “Dá voz à letra” despoletou a minha sede de começar a mostrar. Estava rodeado de miúdos com gostos parecidos aos meus e com intelectuais. A querida Maria Helena, vice-presidente do Programa de Línguas da Gulbenkian. O Carlos Pimenta, o encenador. A Maria Helena, jornalista do Público. Para concorrer, tinha de gravar um vídeo a dizer um poema. O primeiro pensamento foi “vamos para o Cais do Sodré gravar o poema ‘Retratos da cidade branca’ do Napoleão Mira, pai do Sam The Kid”. Publiquei esse vídeo no Youtube e, passados dois ou três anos, o Napoleão partilha-o no Facebook. Começámos aí uma relação, por causa do Got Talent, por ter levado outro poema dele.
“A televisão é um mundo demasiado duro”
O Got Talent serviu para cresceres e perceberes o que tinhas de melhorar?
[Pensativo] Acho que não. O Got Talent foi um bom momento para entender que a televisão é um mundo demasiado duro para a pessoa inocente que era, porque fui ‘comido’ 100%. Aprendi a não me vergar perante outras pessoas e vontades que não as minhas. Nesse sentido, foi uma boa aprendizagem, mas não me trouxe nada de espetacular. Consegui dois ou três trabalhos. O concurso trouxe-me uma amizade mais alicerçada com o Napoleão. Consegui chamar a atenção um pouco do panorama do Hip Hop do Sam, do Sir Scratch, do Maze. Pessoal com quem um dia gostava de vir a trabalhar.Qual foi o momento em que percebeste que querias aproximar as pessoas, sobretudo os jovens, da poesia?
A minha intenção era trazer uma arte que, não estando perdida, não sinto que esteja a ter a relevância merecida. Sabia que tinha capacidades para trazer algo novo. Em janeiro, começo o Poeta da Cidade com vídeos amadores. Só há coisa de quatro anos, comecei a tentar vários formatos. Comecei no Youtube, mas percebi que era muito duro. Depois, comecei a trabalhar o Instagram e percebi: “Aqui é mais fácil.”
Que utilidade tem a poesia para os jovens do século XXI?
Na poesia equiparada aos grandes romances, aquilo que leva um grande clássico de 400 a 500 páginas leva a um poeta dois ou três poemas. A poesia pode ser vista como mais digerível ao nível da compreensão, pelo tamanho e pela forma. Digo isto, mas existem poucas pessoas a ler poesia.
Tens 24 anos. Tens ainda a noção de como os programas educativos de Português institucionalizam as obras poéticas, em vez de dar liberdade para que os alunos apreciem a sua beleza, como já disseste em outras entrevistas. O facto de ligares a música à poesia, como no “meDita”, tenta desconstruir essa institucionalização poética?
Sim, vem na perspetiva de que a poesia não se encerra necessariamente nos livros. Foi a minha tentativa de despir a música, o ritmo do Sam The Kid, do Slow J, do Pappillon e basear-me apenas no conteúdo literário das canções. Muitos miúdos olham para o Sam The Kid com mais autoridade poética do que para o programa do Ministério da Educação, porque é alguém que ouvem todos os dias. Não se ouve poesia, ouve-se Rap. Finalmente, está a entender-se que tem de se ‘abrir os portões’ daquilo que se entende como poesia tradicional e alta poesia. O problema não é o conteúdo, é a forma como a poesia chega aos jovens.
“O sistema escolar devia levar uma reforma”
Tens um podcast, o “Dizer”, e no episódio ‘Poesia como Guia Moral’ afirmas: “Não existem errados na poesia, na arte. Em criança, lemos sem enviazamentos, lemos o estado puro do texto.” As “interpretações corretas” que nos são ensinadas nos livros de Português deveriam ser abolidas?
[Pensativo, suspira] Não posso afirmar que não, que não devem ser lidas, nem sim, que devem ser lidas, porque isso é partir do princípio de que a poesia pode ser uma ciência exata, rotulada. O Fernando Pinto Amaral, meu professor, diz repetidamente que um dos maiores problemas é a institucionalização do poeta. Normalmente, tudo é posto em caixas e os jovens têm que saber a dicotomia cidade/campo, as sinestesias… Não lhes é dada a oportunidade de descobrir este tipo de características por eles próprios. A literatura tem de ser encarada assim: “Qual é a importância disto para o resto da vossa vida?” O Eaton Hawke diz: “Uma pessoa não pensa em poesia quando está tudo bem, mas de repente alguma coisa acontece, o teu pai morre, o teu irmão tem um acidente ou tens o coração partido, e tentas encontrar respostas à tua volta.” O mundo em si é orgânico, é factual. A única coisa que dá alguma matéria etérea ao mundo é a arte. O sistema escolar devia levar uma reforma e mostrar que a literatura é mais importante para a vida do que para um exame nacional.No mesmo episódio dizes: “Porque é que sou capaz de atrair toda esta atenção, principalmente junto dos mais novos sobre algo tão enraizado, festejado e estudado na cultura portuguesa, mas que ao mesmo tempo é vendido como um terreno hostil para mentes mais jovens, claramente subdesenvolvidas.” Porque é que um país tão rico poeticamente aborda a poesia de uma forma aborrecida às novas gerações?
Portugal sofre daquilo que é a celebração do velho. Vivemos um bocadinho no passado. Pedir a um jovem que vive com tecnologia que entenda um escritor de 1950 é fazer um desserviço à própria poesia. Um exemplo disto foi quando recitei um poema de Carlos do Carmo no Got Talent. O Manel disse-me: “Faltam-te uns aninhos para perceberes isso.” A poesia é-nos oferecida pelo Ministério da Educação como algo antiquado.
Tens motivado os jovens para a escrita e leitura poética. O teu livro é um bom ponto de partida para os jovens gostarem de poesia?
Sim, porque não é um livro difícil em termos de forma e de linguagem. Não o é, pelo facto de o ter começado a escrever com 17 anos e ele acompanhar a minha escrita até aos 22. É um bom primeiro livro de abertura para o mundo da poesia. Falo bastante de Dante, de Miguel Torga e tenho alusões a Caeiro.
Que caminho ainda te falta percorrer?
É deixar o tempo tomar as suas escolhas. Aquilo que quero oferecer é algo que nunca foi feito em Portugal. Quero dar seguimento àquilo que começou com o Ary dos Santos, com o Villaret e, quem sabe, chegar mais longe.