Um estágio em enfermagem fez com que Marta Neves descobrisse que o seu caminho passaria pela comunicação. Não duvida que o entretenimento e o universo digital são as áreas que mais a fascinam. Atualmente, trabalha como repórter e produtora de conteúdos digitais nos programas “Big Brother” e “All Together Now”, da TVI. Em entrevista ao UALMedia, Marta revela que é na rotina imprevisível do entretenimento que se sente mais realizada, fala nos desafios de produzir um reality show e no que ambiciona para o seu futuro: contar histórias e chegar aos outros.
Os seus objetivos profissionais passavam pela área da saúde, mas acabou por escolher frequentar a Licenciatura em Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social. O que motivou esta escolha?
Foi, muito genuinamente, por duas razões. A primeira porque, já estando na área da saúde, surgiu-me a epifania de estudar comunicação e acabei por perceber que, para entrar na Licenciatura em Jornalismo, precisava de algumas disciplinas específicas que nunca tinha tido na vida. Senti que o mais fácil para mim seria fazer ‘Português’ e uma outra disciplina, como específica, para que estivesse no mesmo ponto de partida de todos os alunos que estavam a concorrer. Na altura, a Escola Superior de Comunicação Social era uma das que permitia que entrássemos com uma dessas específicas. A segunda razão foi olhar para o plano curricular da faculdade e perceber que tinha uma componente prática muito grande, instalações novas e estúdios de rádio e de televisão. Esse foi sempre um dos meus objetivos: ter toda a parte teórica de um curso superior mas, ao mesmo tempo, “arregaçar as mangas” e começar a praticar.
Enquanto frequentou a licenciatura, realizou vários cursos e formações, como uma especialização em Gestão de Comunicação e Assessoria de Imprensa, na ETIC, onde surgiu a oportunidade de ter algum contacto com a área, através da realização de estágios. Considera que investir em formação fora do contexto académico foi um passo fulcral para o seu percurso?
Sem dúvida! Um dos conselhos que dou à maior parte das pessoas que estão, neste momento, no ensino superior é capitalizarem ao máximo o facto de estarem num curso superior para começarem a ter boas experiências profissionais ou outras formações que ajudem a complementá-lo. Como sabemos, esta é uma área competitiva que está muito saturada em termos de mercado de trabalho. Portanto, tudo aquilo que pudermos apresentar ao mercado como sendo uma mais-valia, quer em competências ou ferramentas, vai ser sempre um plus, uma vantagem competitiva para alguém que está do outro lado a olhar para nós enquanto potenciais trabalhadores. Isso ajudou-me muito, não só em conhecimentos dentro do jornalismo, mas também por poder “dar uma piscadela de olhos” na área da assessoria de imprensa e das relações públicas. E também por contactar com pessoas da área, que poderão ser potenciais empregadores, pessoas que nos poderão referenciar para um projeto ou oportunidade de trabalho. Foi, sem dúvida alguma, uma oportunidade, não só porque fiz um estágio através da ETIC, como também tive a minha primeira experiência como pivot e repórter no Rock In Rio. Foi espetacular!
Essas experiências deram-lhe luzes sobre o que queria fazer no futuro?
O facto de ter experimentado a função de repórter e pivot no Rock in Rio foi uma luz que se acendeu e pensei: “É mesmo isto que quero fazer, onde me sinto mais realizada e onde consigo colocar as minhas competências ao serviço.”
Após a pós-graduação em Televisão na Universidade Autónoma de Lisboa, trabalhou como repórter, produtora de conteúdos e pivot em diversas áreas como turismo, futebol, talent shows e empreendedorismo. Qual o projeto que mais a surpreendeu?
Foram muitos e gostei muito de passar por todos! Curiosamente, acabei por ter essa experiência em muitas áreas distintas, desde o turismo, o lifestyle, o futebol até o entretenimento “puro e duro”. Acabei por conseguir movimentar-me em áreas que me ajudaram também a formar enquanto profissional. Adquiri outras competências e foi muito enriquecedor. O jornalista pode não a dominar, mas se estiver a trabalhar numa determinada área tem de o fazer. Portanto, o facto de querermos saber mais sobre aquele tema, de investigarmos, também ajuda a que essa formação se faça e isso deu-me bases muito fortes.
O projeto foi de sonho porque conseguiu aliar duas das coisas que mais gosto: entretenimento e dança. Foi o “Achas que Sabes dançar?”, da SIC. Era fanática pelo formato internacional e sabia tudo. Foi assim que entrei na Endemol, a produtora. Lembro-me de estar fechada numa sala onde iam apresentar um projeto em que queriam que participasse e gritei dentro da sala porque não acreditava que era mesmo aquele! Foi incrível trabalhar como repórter de exteriores e produtora de conteúdos do programa, e fazer essa adaptação para a nossa realidade.
Esteve envolvida na criação do Gabinete de Comunicação da Assembleia da República, em 2011. Como foi esta experiência?
Essa experiência surge do facto de querer um bocadinho mais de estabilidade. Estarmos a trabalhar nas produtoras faz com que estejamos alocados a projetos e faz com que não exista um vínculo mais forte com a produtora, então, acabamos por ser trabalhadores independentes. Na altura, senti que estava a precisar de ter alguma coisa que fosse mais certa e com a qual pudesse contar mais. Concorri a um concurso a nível nacional e acabei por ser selecionada para o canal Parlamento que era, na altura, o único meio de comunicação que existia na Assembleia da República. Depois, durante alguns anos, surgiu a oportunidade de montarmos o gabinete.
E como era o seu dia a dia?
Uma passagem para uma vertente muito mais institucional. Éramos responsáveis pela produção de conteúdos para o canal, desde os pivôs e as comissões da Assembleia que saíam em trabalho. Fazíamos esse acompanhamento como se fossemos uma equipa de reportagem e fazíamos peças com vários segmentos em que dávamos destaque ao património que existia na Assembleia da República. Era como se fosse uma casa-museu a céu aberto, que recebe visitas diárias de cidadãos, estudantes e outras comitivas internacionais. Fazíamos peças sobre vários segmentos que compunham a assembleia, por exemplo, explicávamos determinados procedimentos legislativos para descomplicar toda a terminologia, de forma a estar mais acessível ao cidadão. Produzíamos também uma newsletter mensal com tudo aquilo que se passava, acompanhávamos as comissões dos deputados e os eventos culturais.
O que a motivou, mais tarde, a desistir?
Lá estava na categoria de assessora parlamentar e, à medida que o tempo foi passando, fui sentindo falta do entretenimento e de uma criatividade sem qualquer tipo de constrangimento. Quando estamos a trabalhar num órgão desta importância, temos de ser altamente rigorosos e objetivos. É uma comunicação muito mais formatada para a questão da informação e da pedagogia, e sentia falta da loucura e da criatividade quase “sem amarras” que o entretenimento possibilita. Da mesma maneira que achei que precisava de algo mais estável e isso é que me iria complementar, rapidamente percebi que não sou movida a estabilidade, mas sou movida a criatividade e ao facto de não me importar de não saber o que acontece no dia seguinte. Quero coisas novas, que me desafiem. Foi nesse sentido que dei o passo de voltar ao entretenimento.
Em 2015, criou o blogue “O Coolunista” (atual “Marta Neves.pt”), numa parceria com a TVI Player, e mais tarde criou o canal de Youtube. Que ferramentas essenciais adquiriu com este projeto?
É outra das coisas que também partilho com muitas pessoas que vêm ter comigo: façam vocês. Hoje em dia, aquilo que podemos oferecer a qualquer projeto é podermos ser, por um lado, autodidatas e, por outro, autossuficientes. Temos de ter a capacidade de dominar as ferramentas para sermos uma mais-valia para quem está a trabalhar connosco. Sinto que o facto de ter criado o blogue quando ainda estava na assembleia para extravasar essa veia criativa fez com que começasse a perceber como é que se escrevia um texto que poderia agradar ao público.
Comecei logo a ter a capacidade de perceber quais eram as tendências de consumo e o que é que as pessoas queriam saber e ouvir. Isso deu-me logo uma bagagem muito grande. Se agora quiser trabalhar dentro dessa área, sei que ferramentas é que vou usar para produzir conteúdos que podem chegar a mais pessoas. O blogue trouxe-me também a possibilidade de não precisar de ninguém para poder emitir os meus próprios conteúdos. Foi, sem dúvida, uma mais-valia ter “arregaçado as mangas” porque foi por isso que depois houve a parceria com a Media Capital Digital e a TVI Player. Atualmente, mais do que enviar um currículo é criar alguma coisa palpável. Muitas das entidades empregadoras procuram pessoas que têm uma voz e identidade próprias. Continuo a acreditar que ter um blogue ou uma plataforma própria é bom porque cria essa identidade. Aconselho vivamente a quem queira estar a full time na criação de conteúdos a trabalhar desta maneira.
É investigadora no Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva, no âmbito da Comunicação Transmediática e Digital, e docente convidada da Pós-graduação em Comunicação e Marketing de Conteúdos, na Universidade Católica Portuguesa. Que transformações espera ainda ocorrerem no universo digital? Considera necessária uma maior aposta de estudantes neste ramo?
Sem dúvida! Quando tirei a minha licenciatura, a área dedicada à comunicação digital era um ateliê alternativo e só as pessoas que tinham interesse em trabalhar na área é que iam para esse ateliê. Sinto que, hoje em dia, isso é impensável. O digital é o presente e a forma como o trabalhamos já está obsoleta. É impensável estarmos em projetos que não tenham presença digital. Vemos todas estas questões relacionadas com a pandemia, vemos que nunca as pessoas consumiram tantos conteúdos, quer sejam informativos, de entretenimento ou de lifestyle. Tem de existir investimento e o digital não pode ser só aquele departamento que “trabalha ao sabor do vento”.
Em termos de tendências de consumo, tudo passa pelo digital e temos de o encarar como a forma de chegarmos a mais pessoas. Temos de ter consciência de que tem uma importância gigantesca não só de disseminação, mas também de conversão, de querermos levar as pessoas a ter determinada ação, quer seja ela educativa, de puro entretenimento, consumo, compra ou venda. Sem dúvida, é pensar no digital como prioridade que tem de estar na fundação de tudo o que estamos a criar.
Atualmente, trabalha como repórter digital no “Big Brother”, na TVI. O que é que este trabalho exige?
Neste momento, tenho a meu cargo tudo o que é necessário fazer nas redes sociais, quer seja no Instagram ou no Facebook, como por exemplo, pedidos de ação das pessoas, perguntas exclusivas na app oficial, o acompanhamento da gala em que vou guiando as pessoas no digital para aquilo que está a acontecer. As pessoas estão a seguir na televisão, mas também no telemóvel. Estamos a contar a história e a produzir conteúdos, queremos que as pessoas participem seja em sondagens ou com opiniões sobre o que estão a achar sobre determinado momento. É impensável produzirmos conteúdos no digital que não incluam as pessoas. Digital é igual a comunidade e faz-se neste relacionamento recíproco, de participação mútua. Faço também lives com comentadores, familiares e concorrentes expulsos que saem em vários sítios para conseguirmos chegar ao maior número de pessoas da nossa audiência. Tenho também o “Minuto Digital” em antena, onde fazemos a comunicação 360º em que há essa circularidade de conteúdos.
Além de líder de audiências, tem sido um dos programas mais falados de sempre nas redes sociais. Em que medida o seu trabalho teve impacto no sucesso do programa?
Os reality shows são sempre programas que pedem e exigem participação da audiência. O facto de termos estado todos fechados em casa fez com que o consumo do próprio programa, em antena e essencialmente no digital, tivesse chegado a valores nunca vistos. Isso deixa-me muito feliz. Posso ser uma parte visível desse trabalho, mas é o trabalho de uma equipa que se esforça, arduamente, quase 24 horas por dia para ter esses conteúdos disponíveis ao público e as pessoas reconhecem esse esforço. O facto de o Twitter ter tido uma explosão na participação e criação de tendências, e era uma rede não muito explorada pelo público português, acabou por ser também um “abrir de olhos” sobre as possibilidades que pode ter na criação dessa mesma popularidade.
Considera ainda existirem estereótipos em relação a reality shows?
Completamente! Em Portugal, ainda existe esse estereótipo, tanto a nível de conteúdos como de concorrentes. Muitos dizem que são programas esvaziados de conteúdo, em que as únicas temáticas são as polémicas e controvérsias. A edição de 2020 teve uma mudança de paradigma muito importante que fazia falta em Portugal. Pela primeira vez, falámos sobre homofobia, homossexualidade, o poder da mulher, questão do empoderamento feminino, saúde mental e veganismo. Começámos a ter um programa que envolveu toda a comunidade e sinto que houve essa mudança. O público de há uns anos não é o de agora. É mais exigente, quer ver essas questões debatidas e, por isso, temos de ajustar as expectativas à realidade atual. O desafio é produzirmos um programa que seja diversificado o suficiente e que tenha um valor para que as pessoas se sintam identificadas com o mesmo.
Qual é a sua opinião sobre a propagação de ódio gratuito que é visível por parte do espectador nas redes sociais?
Os reality shows são produtos muito escolhidos para que as pessoas destilem ódio e todo o tipo de emoções. As pessoas vivem com o programa o que, só por si, faz com que se manifestem de uma maneira mais aguerrida e emocional. Acho que temos de olhar para isto numa perspetiva da conjuntura atual, da forma como as pessoas se relacionam com as redes sociais. As pessoas estão menos tolerantes com os outros e destilam esse ódio nos perfis alheios e isso também acontece na nossa rede social. Estão cada vez mais críticas e isso sente-se muito. Agora, quando faço um live, percebo que houve uma gradação na forma como as pessoas se relacionam com o live e não conseguem muitas vezes entendê-lo como um momento em que podem participar, fazendo perguntas ou discutir um tema, colocando argumentos válidos, e não como uma porta aberta para extravasar o que estão a sentir. Como sou investigadora na área, gosto de perceber estas tendências, mas, por outro lado, não deixa de ser preocupante.
A Marta é a cara das redes sociais do programa. Sente-se mais vulnerável ao ser alvo dessas críticas?
Obviamente que o facto de darmos a cara nos torna um alvo fácil. Sinto mais vulnerabilidade talvez nos lives porque não há filtro nenhum e não fazemos moderação de comentários. As pessoas partilham as suas opiniões e tenho sempre um comentário mais negativo ou, muitas vezes, insultuoso. Curiosamente, o feedback tem sido positivo o que me deixa muito agradecida e feliz.
Sendo o seu trabalho tão centrado nas redes sociais e televisão, como consegue desligar-se desse meio?
É difícil, mas apesar de ser muito ligada à área, consigo rapidamente desligar. Gosto de ver uma boa série de televisão e fazer coisas ao ar livre. Por outro lado, sigo perfis que me acrescentam valor, portanto nunca sinto que estou a entrar numa espiral de vazio. Sinto que tenho de estar sempre atualizada e é uma das coisas mais importante desta área: não podermos ficar fechados numa conchinha e fazer aquilo que achamos que é o certo. Temos de estar muito ‘antenados’ em tudo aquilo que se passa à nossa volta. Todos os dias, vemos criadores de conteúdos fazer coisas criativas, saem novas plataformas e redes sociais. Temos de estar atentos, mas com peso e medida para também não estarmos sempre conectados. Isso retira-nos da nossa própria realidade e pode ser perigoso.
Brevemente irá também ser repórter digital do novo programa da TVI, “All Together Now”. O que podemos esperar deste novo desafio?
Eu e o Joel Cotrim vamos estar a produzir todos os conteúdos. Estou muito focada nas entrevistas, na apresentação dos jurados e convidados. Vamos ter desafios dos jurados em que queremos que o público participe e vou estar a falar com os concorrentes à medida que vão atuando. Temos sempre as entrevistas com os familiares e todos os call to actions.
É um formato maravilhoso, um programa de talentos onde pessoas comuns têm a oportunidade de poder concretizar o seu sonho. É preciso perceber que existe imenso talento no nosso país e que é um programa que vai trazer muita alegria e esperança. Vai ser uma festa que queremos partilhar com as pessoas. Nesta altura, sentimos que é necessário as pessoas terem um momento inspirador, que as faça viver aquela festa connosco. Vai ter momentos de lágrimas e histórias maravilhosas que as pessoas vão partilhar. É um programa grandioso que nos coloca num patamar de evolução ao nível de qualquer país internacional e espero que isso passe também para o público.
Após ter trabalhado em diversas vertentes da comunicação, afirma ser “viciada na caixinha mágica”. O que ainda ambiciona conquistar?
Falta tanta coisa! O facto de ter tido já estas experiências não deixa de ser maravilhoso, mas queremos sempre mais. Aquilo que mais quero é produzir conteúdos que as pessoas gostem. Gostava muito de ter o meu próprio programa ou participar num. O facto de estar no “All Together Now” com as pessoas, conhecê-las e contar as suas histórias fascina-me muito. Poder dar-lhes um palco onde possam partilhar as suas emoções, os seus sonhos e ambições. É das coisas que mais gosto, portanto, reforça ainda mais este meu desejo de continuar a comunicar e chegar aos outros. Ficaria muito feliz se um dia pudesse fazer isso e será esse o caminho.