Mariana Almeida é estudante do ensino superior e atleta da Associação Académica de Patinagem de Portugal Rollersky (AAPPR), sediada em Lisboa. A paixão pela patinagem, aliada à sua extrema determinação, resultou na conquista do pódio europeu e do pódio mundial para Portugal no espaço de um mês.
Com 18 anos, conquistou uma medalha de prata e uma medalha de bronze em patinagem artística. Qual é o sentimento ao receber estes prémios depois de tanta dedicação à modalidade?
É muito bom. É um sentimento de autorrealização de dever cumprido e, principalmente, de um sonho concretizado. Nunca esperei ser vice-campeã da Europa e muito menos ganhar o bronze no Campeonato do Mundo. Portanto, foi sem dúvida um sonho tornado realidade.
Na entrevista que deu à TV Amadora a 25 de novembro de 2021, revelou que o primeiro dia do Campeonato Mundial não correu bem e que um bom resultado não era esperado. O que fez para não desistir e ganhar força para subir ao pódio?
Pensei em todo o trabalho que tinha feito até à data e, principalmente, no facto de saber que não tinha dado o meu melhor. Não que a prestação não tivesse corrido bem, mas se tivesse feito a minha parte acho que seria possível. Não interessa só como começa, interessa também como acaba. Foquei-me no meu objetivo: dar a volta para o segundo dia de prova. Nunca pensei subir de sétimo para terceiro [lugar], quer dizer, lá no fundo acreditava que talvez fosse possível, mas ao mesmo tempo tinha aquele pensamento: “Será? Se calhar é demasiado bom!” (risos)
Na mesma entrevista, o seu treinador, Frederico Oliveira, confessou que nunca viu a Mariana virar a cara ao trabalho. O que a motiva para continuar a treinar?
Sou uma pessoa objetiva e muito ambiciosa. No início de cada época, estabeleço os meus objetivos, aquilo que quero, e depois faço a época toda com o foco na concretização desses objetivos. Também, o facto de ser uma pessoa perfeccionista, muito exigente comigo própria, faz-me continuar sempre com o objetivo traçado e nunca desistir antes de o conseguir alcançar.
“Não nos podemos deixar levar pela dificuldade das coisas. Quanto maior for a dificuldade, maior será o sentimento de realização”
Frequenta o ensino superior, treina em alta competição, é adolescente, mas tem família e vida social para gerir. Como é que concilia todas estas áreas da sua vida?
Bem, não sou a melhor pessoa para responder a esta questão, porque a minha vida é basicamente ‘escola’ e ‘patinagem’. Não sou uma pessoa que vá sair à noite, nem nada disso, sou muito caseira. Mas é sobretudo a gestão de tempo. Esta é aquela resposta que toda a gente dá, mas é a verdade. Estabelecer primeiro as nossas prioridades. Se sei que as minhas responsabilidades são a escola e a patinagem, planeio o meu dia e a minha rotina dando-lhes prioridade. O tempo que sobra dedico a outras coisas, que acaba por ser tempo para estudar ou para estar no ginásio a trabalhar áreas que não trabalho nos treinos e, claro, para estar com a minha família. Depois também não sobra nem muito tempo, nem energia para ir sair. Mas pronto, acho que se quisesse haveria tempo para isso, eu é que também já chego tão cansada a casa que já nem dá, já nem tenho vontade para nada, só quero é ir para a cama dormir.
“Quanto à patinagem em específico, quero conseguir fazer todos os triplos e todos os piões, pois assim irei sentir-me totalmente realizada neste desporto.” Esta frase foi dita por si, na entrevista que deu à revista desportiva Praticante, no dia 7 de dezembro de 2021. Cumprir todos estes objetivos não é algo que seja fácil. O que diria para ajudar alguém que estivesse com receio de concretizar os seus próprios objetivos?
Deixa-me cá ver uma frase inspiradora para dizer… Acho que, se realmente queremos alcançar os nossos objetivos, temos que, dia após dia, treinar e realizar o dia com o foco nesse objetivo. Uma coisa que acho extremamente importante é nunca perder o foco principal. Não nos podemos deixar levar pela dificuldade das coisas. Quanto maior for a dificuldade, maior será o sentimento de realização. Acho que se queremos mesmo chegar a um objetivo específico, quer o dia esteja a correr bem, quer o dia esteja a correr mal, devemos lembrar-nos sempre daquilo que queremos. Acho que se pensarmos no sentimento de concretização e de realização por termos conseguido alcançar o nosso objetivo, sentiremos muito mais motivação e todos os dias vamos evoluir.
Na mesma entrevista ainda falou sobre a evolução da patinagem em Portugal. Qual é a sua opinião em relação aos apoios financeiros dados a esta modalidade e à popularização da mesma?
Por parte do Estado português, não há apoios nenhuns. Há pouco reconhecimento da modalidade. Quando me perguntam que desporto é que pratico e digo que é a patinagem, as pessoas perguntam logo se é patinagem no gelo, só que nem sequer há gelo em Portugal. Vê-se logo a falta de reconhecimento que este desporto tem!
No entanto, temos vários campeões do mundo de patinagem que não são reconhecidos. E depois há outros desportos como o futebol, aquele de quem toda a gente fala, onde também temos grandes jogadores, mas é uma discrepância muito grande. Na patinagem, não ganhamos dinheiro, só o gastamos. Apesar de toda a evolução que a patinagem tem tido, tem sido uma evolução intrínseca ao desporto. Tem-se aproximado cada vez mais da patinagem do gelo e, no que toca ao reconhecimento e aos apoios, não há quase nada é muito pouco reconhecido e pouco apoiado.
“Temos campeões do mundo neste desporto e não são reconhecidos, não têm ajudas”
No mundo da patinagem, qual é a área que sente que é mais afetada pela desigualdade desportiva?
Para mim, são os estatutos de alta competição. Por exemplo, recebi o estatuto de alta competição este ano porque fui bronze no Campeonato do Mundo, mas só tive o estatuto porque eram mais de 20 atletas e eu fiquei no pódio. Já uma amiga minha ficou em 3º lugar, tal como eu, só que no escalão dela eram 20 atletas e tinham de ser 21, então, não teve direito ao estatuto. Não tendo o estatuto, somos exatamente iguais aos outros estudantes. Temos que nos arranjar de qualquer maneira. Claro que treinamos porque queremos, mas quando se trata de um desporto de alta competição não temos a mesma vida que os outros estudantes que não são atletas e que conseguem ter mais tempo livre.
Que medidas podem ser implementadas para ajudar na questão dos apoios e da popularização da modalidade?
Acho que passa um bocado pela divulgação do desporto e pelo reconhecimento, não só do desporto em si, mas dos resultados que o nosso país tem alcançado. Temos atletas muito bons na ginástica que, felizmente, já estão a ser mais reconhecidos. A patinagem ainda não chegou a esse nível de reconhecimento. Espero que chegue, até porque temos campeões do mundo neste desporto e não são reconhecidos, não têm ajudas. Acho que também devia haver uma ajuda financeira porque é um desporto muito caro, tanto a nível de fatos, como de materiais e deslocações para provas. Há muito pouca ajuda.
Há algum tempo, tive o campeonato do mundo no Paraguai e não foi propiamente barato, principalmente com a pandemia. E há muito pouca ajuda por parte do país aos atletas de alta competição. Felizmente, tenho um patrocinador, que é o Rui Carneiro, e tenho um patrocínio na parte dos materiais, o que é logo uma grande ajuda. Normalmente, os atletas de alta competição têm [patrocínios], mas nem todos. Acho que falta muito reconhecimento e muita ajuda por parte do país em comparação com aquilo que acontece com outros desportos.
Para terminar, quem é que a inspira?
Gosto muito da Simone Biles [vencedora de 25 medalhas de campeonatos mundiais de ginástica artística], gosto muito do Cristiano Ronaldo, é top! Adoro-o porque tem um espírito muito objetivo, muito confiante e acho que isso é fundamental para chegar ao topo, ainda por cima é português.
Depois, também gosto muito de algumas patinadoras de gelo, como a Anna Shcherbakova [patinadora artística russa, campeã mundial de patinagem no gelo, em 2021] e a Evgenia Medvedeva [patinadora artística russa, 2º lugar em patinagem no gelo nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2018), mas também o Yuzuru [patinador artístico japonês, duas vezes campeão mundial de patinagem no gelo, em 2014 e em 2017, e pentacampeão do campeonato japonês]. Também tenho um ídolo da patinagem de rodas que é o Pau Garcia [patinador artístico espanhol, campeão mundial de 2021].