Cantor lírico, surfista, viajante, contador de histórias e empreendedor, o talentoso e multifacetado João Kopke tem usado as suas paixões para conhecer e dar a conhecer o país e o mundo. Nesta conversa, fala sobre a sua última série documental, Frequency, em que junta as tradições musicais ao surf e revela ainda alguns pormenores dos seus futuros projetos.
Cresceu em dois mundos muito exigentes e difíceis de entrar: o surf de competição e o Conservatório de Música. Como foi ser adolescente e viver em ambos ao mesmo tempo?
Começava o dia como qualquer miúdo. Por volta das 7:00h, acordava para ir para a escola. Depois, tinha um treino [de surf]. A seguir, ia para o conservatório ter uma aula das 18:00h às 21:00h. Por fim, ia para casa. Não parava, mas era feliz. Quando és adolescente, queres ter namoradas e sair. Ser surfista profissional não se coaduna com beber copos, recitais… faltava aos ensaios. Havia problemas, mas também vantagens. Pensava “posso não sair hoje, mas vou para as Maldivas para a semana”.
Já disse em várias entrevistas que não é o protótipo do surfista. Alguma vez teve dificuldades para se enquadrar no mundo do surf?
Tenho até hoje. Sempre fui um miúdo diferente em todos os sítios onde estive. Nunca me senti enquadrado em nada a 100%. Houve alturas em que lidei mal com isso. A malta do surf queria falar de cenas que não me interessavam. Tentava enquadrar-me, mudava a minha personalidade. Com 13 anos, levava um livro para a praia. Ninguém entendia.
Também sente isso na música?
Sim. A malta da música só queria falar de música. Eu queria falar sobre tudo. Às vezes, aparecia com uma prancha no Conservatório de Música. Hoje, os meus grandes amigos são pessoas multidisciplinares, com quem consigo viajar entre temas. Há mil mundos dentro da música, do surf, da História, de tudo.
A nova roupagem que dá ao surf, através dos seus projetos, ajuda a desconstruir a ideia desta modalidade ser só para alguns?
A minha ligação com o surf e a forma como o exploro profissionalmente só é possível porque o contexto mudou. Quando comecei a surfar, os surfistas eram outro tipo de pessoas. Não havia surfistas CEO’S de empresas ou a morar no centro de Lisboa. Eram uma tribo fechada, com muitos códigos. Tinham um estilo próprio. Agora, qualquer pessoa pode surfar, sem seguir os padrões da vida rock and roll. O apelo do surf é o estar na natureza, viajar, ter o contacto com o mar, com a vida soalheira e de rua. Antes era uma cultura. Hoje, é um estilo de vida. Só quem está de olhos fechados é que não vê as coisas incríveis que um sítio com ondas pode ter. História, biodiversidade, cultura, projetos e pessoas interessantes… isto esteve sempre lá. Nem toda a gente do surf tem vontade de explorar isso e eu tive.
“Quanto mais fazes, mais sentes resistência, porque as coisas têm maior exposição”
Em algum momento sentiu resistência de outras pessoas para com as suas ideias?
Sentes sempre. Em qualquer coisa que vás fazer de diferente.
Influenciou-o?
Influencia sempre. Quanto mais fazes, mais sentes resistência, porque as coisas têm maior exposição. Aumentam as críticas. Por outro lado, sentes menos resistência de pessoas importantes na tua vida. Quando comecei a fazer isto, tinha 19 anos. A minha mãe achava que estava maluquinho [risos]. Hoje é diferente, porque vendemos vários projetos. Mas tive de provar que funcionava. As pessoas, em vez de dizerem “não faças isso”, perguntam “porque é que isso vai dar?” Isso obrigou-me a pensar e a resolver problemas que não tinha ponderado.
Sempre teve apoio de quem estava perto?
Algumas pessoas apoiaram. O meu pai ajudou-me, no início, na parte prática. Era marketeer, sabia estruturar uma ideia. A minha mãe era pianista. Mas apoiava-me nos meus projetos, através do carinho. Dava-me abraços e dizia: “vai correr tudo bem”. Depois, tinha amigos que faziam perguntas concretas. Mas outros achavam que estava maluco. Fui-me rodeando de pessoas que acreditavam em mim. Incluindo no trabalho.
Há algo que ainda queira experimentar?
Quero experimentar coisas novas, mas não quero deixar isto. Gosto de contar histórias, sobretudo vivê-las. Isso não choca com escrever um livro ou fazer uma volta ao mundo num veleiro. É complementar. Também gostava de ser músico. Não só às vezes. No outro dia, surgiu a possibilidade de fazer representação. Podia ser giro.
“Juntei as duas coisas de que mais gosto: a música e o surf”
No ano passado, lançou a série documental Frequency. Como foi o processo criativo?
A ideia estava na gaveta há alguns anos. A origem do projeto era com países de língua oficial portuguesa. Explorar a história e a cultura musical de Angola, Cabo Verde, Portugal e Brasil. Depois acabou por não acontecer. Meteram-se outros projetos à frente. Até que o patrocinador do Stand Virtual disse-me: “queremos fazer alguma coisa contigo”. Só tive de adaptar o conceito. Juntei as duas coisas de que mais gosto: a música e o surf.
No primeiro episódio, viaja para o Alentejo. Há uma cena em que deita uma lágrima ao ouvir o Cante Alentejano. O que sentiu naquele momento?
Estava a chorar e ao mesmo tempo perguntava: “porque é que estou a chorar?” Por um lado, o tema musicalmente toca imenso, pelo toque da viola. É um sentimento lindíssimo, difícil de explicar. É uma nuance dentro do amor pouco explorada. “Ao luar da meia-noite / Não digas à minha amada/ Que eu passei à rua dela/ Às quatro da madrugada.” É algo escondido, vulnerável. Expõe o sofrimento. Por outro lado, vivi aquilo que tinha idealizado há quatro anos. Tive aquela sorte. Até me sinto atrapalhado a falar disto. Quando consegues algo que queres muito, é lindo. Ainda por cima, uma experiência emocional. Estava rodeado de música, a mesa toda cantava e parecia que era para mim [sorri].
A série levou-o a outras experiências intensas: o Flamenco (na Andaluzia) e o Gnawa (em Marrocos). Aquilo que viveu mudou algo em si?
Foram vivências diferentes. O Flamenco foi especial, pelo seu valor artístico. É técnico, difícil e virtuoso. Mais desenvolvido do que o Cante Alentejano e o Gnawa. Foi bonito de ver e experienciar. Há um lado cultural interessante. Mas não mudou nada em mim. No Gnawa foi diferente. Senti a crueza de viver algo que não percebi se era uma música ou uma forma de estar no mundo. Falava sobre crença, o acreditar numa coisa invisível, um estado de espírito. O transe está associado a isso. Pode ser só uma resposta natural do nosso corpo. Não tens de o atribuir a um fantasma ou a um deus. O conceito varia entre culturas. No fundo, toda a gente procura uma coisa que não sabe o que é. Esta transcendência. Vivi isso através da música.
Teve limitações nas gravações em Marrocos?
Sim. Em Marrocos, vi uma espécie de polícia da cultura, do turismo. Estavam vestidos à civil com walkie talkies. Toda a população informava as autoridades. Estão de braços dados com o Governo. Sabiam sempre onde estávamos a gravar. E não era ilegal. Filmávamos na rua sem tripés, como quem tira fotografias. Diziam-nos que não podíamos e tínhamos de ter uma autorização. Sentir esse controlo de perto foi assustador.
Planeia gravar uma série documental em Cabo Verde. Pode falar sobre esse projeto?
Vou gravar a terceira temporada do Riding. Vai ser um Riding World. Vamos fazer sete viagens. A ideia é captar um documentário sobre a morabeza, um conceito cabo-verdiano de bem receber. É uma espécie de cola para todas as ilhas de Cabo Verde. Dividem-se em dois conjuntos, o barlavento e o sotavento. São culturas muito diferentes, mas unem-se nesta morabeza universal. Quero explorar as diferenças, através da música, muito díspares entre cada grupo. Era um dos sonhos. Outro, era envolver-me num projeto de conservação. Mostrar que numa viagem podemos não só tirar, como também adicionar. Envolvermo-nos com projetos locais. Enquanto isso, faríamos coisas de bucket list, como mergulhar com tubarões e baleias. Tudo isto num documentário.
Num post do Instagram diz que o quarto revela quem somos. O que o seu quarto diz de si?
Que sou desorganizado [risos]. Tenho montes de plantas, instrumentos musicais, pranchas de surf, livros… tudo o que gosto está lá. É um reflexo.