Isabel Damásio é especialista em jornalismo político e iniciou a sua atividade em 1986, na rádio. Licenciada em Ciência Política e Administrativa, é mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação. Exerceu funções como jornalista na RTP durante 20 anos e colaborou em revistas como a Sábado. Atualmente, é docente do Departamento de Ciências da Comunicação, na Universidade Autónoma de Lisboa.
Fiz uma pesquisa para procurar alguma informação acerca do seu trabalho enquanto jornalista e o que mais me surpreendeu foi descobrir que colaborou na revista Agricultura 92…
Foi longe! (risos) Colaborei há muitos anos [na Agricultura 92]. Aliás, quando comecei a fazer jornalismo, a revista era dirigida pela jornalista Eva Cabral. Nessa altura, já queria fazer jornalismo. Quando se começa, tem de se procurar pessoas e sítios que estejam disponíveis para publicar os nossos trabalhos, para nos testarmos, para perceber se temos jeito para a coisa. E o que aconteceu foi que ela tinha esse projeto e, na altura, havia um tema que eu achava engraçado: acabei por ir fazer uma reportagem sobre vindimas no outro lado do rio [Tejo]. A reportagem chamava-se “Muita parra e pouca uva”. (risos)
Foi das minhas primeiras experiências em termos de jornalismo de imprensa. Acabei por ir tendo algumas experiências a nível de imprensa e, depois, comecei com rádio e televisão. Mas, sim, foi uma das primeiras – se não a primeira – incursões no jornalismo.
Numa revista essencialmente sobre agricultura…
Sobre agricultura, a Agricultura 92, portanto, está a ver, “92” era futuro…
E, no mesmo ano, colaborou na revista Sábado…
Colaborei na revista Sábado, não na que existe agora, mas no primeiro título. Fazia rádio na Voz de Almada e houve uma coisa que me interessou. Tinha a ver com o Asilo 28 de maio, que existia em Porto Brandão. O que aconteceu foi que fui lá por causa da rádio e acabei por fazer a capa da revista. Achei que aquilo era um ótimo tema para colocar num órgão de comunicação social nacional. Já era um assunto muito fluente em termos sociais.
O asilo estava cheio de pessoas retornadas de alguns países, em consequência da descolonização. Estava desativado e as pessoas ocuparam-no e, portanto, aquilo tinha condições de vida absolutamente aterradoras. O que aconteceu foi que aquilo impressionou-me e acabou por ser uma reportagem curiosa e, pelos vistos, com sentido para a revista. Em termos de imprensa foi o trabalho maior que fiz. Depois, achei que não era realmente aí que eu ia encontrar espaço.
Referiu que esteve na Rádio Voz de Almada, mas esteve também na Rádio Baía [Seixal] e na Rádio Clube de Queluz. As rotinas profissionais [no jornalismo de proximidade] alteraram-se ou jornalismo é jornalismo?
Acho, obviamente, que as rotinas se alteraram, até porque os meios tecnológicos dessa altura nada têm a ver com os meios tecnológicos de hoje. Fiz rádio também como animadora na própria Voz de Almada, depois é que passei a fazer informação. Fazia-se com gira-discos, aliás, mentira, com dois gira-discos, um de cada lado e com uma mesa de mistura ao centro. Aquilo era muito engraçado, porque a pessoa que era boa a fazer rádio conseguia fazer as misturas sonoras tipo DJ!
Nada disso hoje se faz, porque a rádio hoje faz-se com computadores. Fazia-se rádio em direto, depois, praticamente a não ser informação, os programas começaram a ser gravados pelos próprios radialistas, pelos locutores que gravam os programas, deixam-nos no computador. As emissões à noite em muitos canais já não são feitas ao vivo, portanto, aquilo está gravado. De dia, a pessoa pode manter-se lá, mas o facto é que a música já está toda em blocos e, ao final de cada bloco, o locutor intervém para fazer algum tipo de intervenção, seja publicitária, seja outra coisa qualquer, mas depois solta novamente o bloco e aquilo já está tudo alinhado. Antigamente, não era assim. Era ir buscar os discos, pôr e acertar a agulha.
No que diz respeito à informação, naquela altura os estúdios eram completamente diferentes: eram estúdios de rádio pequenos e o noticiário se tivesse cinco ou seis jornalistas, os cinco ou seis estavam dentro da cabine e cada um lia o seu papel. Lia o seu papel e havia um assistente que lançava as declarações. Hoje, os computadores, as tecnologias, mudaram todas as rotinas.
Por exemplo, uma coisa que é curiosa é ter os sons digitalizados… corto aqui, tiro ali e ponho ali. Quando comecei a fazer rádio, para fazer a edição, pegávamos na tesoura e na fita cola, portanto, cortava as duas pontas e voltava a unir. Aquilo ficava cortado e a fita continuava. Às vezes, as cassetes enrolavam e lá ia aquilo tudo para o galheiro! (risos) Tinha de se voltar atrás e, às vezes, era difícil, aconteciam alguns acidentes.
Tudo isso altera a rotina jornalística, porque os processos não têm nada a ver uns com os outros, não há comparação!
Jornalismo político: da rádio à televisão
Depois de trabalhar nestas estações de rádio, de 1993 a 95 esteve na Antena 1, e depois começa na RTP 2, em 1995, como repórter. É lá que começa a trabalhar o jornalismo político?
É lá que começo a trabalhar o jornalismo político, mas o jornalismo político sempre esteve presente na minha vida.
Quando estive na Rádio Voz de Almada, achei que queria fazer informação, o que me fascinava mesmo era trabalhar informação. Naquela estação, as pessoas confiaram em mim, apesar de nessa altura ser muito jovem e, portanto, não ter grande experiência jornalística. Montei o departamento de informação da própria rádio.
Nessa altura, as rádios locais tinham uma grande interação com as câmaras e eu sempre achei – já nessa altura achava, apesar da imaturidade – que as rádios locais serviam para fazer a cobertura de assuntos locais, do município, da zona. Foi nesse sentido que trabalhei e acabei por interferir com o meio político na época em Almada. Em consequência da minha ação jornalística nessa fase, a Câmara Municipal de Almada montou o seu primeiro Gabinete de Comunicação, porque eu e os jornalistas que estavam na equipa aparecíamos lá a perguntar coisas e começaram a achar que havia necessidade de estabelecer uma interação organizada com os próprios jornalistas. Até porque eu não era uma jornalista muito pacífica! Era difícil, reconheço que era difícil. E era difícil porque achava que os órgãos de comunicação social nacionais tinham o papel de vigiar o poder central e os [órgãos de comunicação social] locais deviam ter o papel de vigiar o poder local.
Houve momentos de alguma tensão entre o meio político e eu própria. Isto aconteceu de tal maneira que ainda hoje algumas pessoas ligadas ao partido que nessa altura estava na câmara, que era o PCP, cruzaram-se comigo na televisão e houve alguns momentos de confronto jornalista/político.
A minha relação com a política começou logo nessa altura e, depois, foi evoluindo. Foi uma área que sempre achei interessante enquanto objeto de trabalho. Foi estudando e desenvolvendo a minha formação na área da política para poder exercer a profissão que exerci até hoje.
Esteve na Assembleia da República, já na televisão, como repórter [parlamentar]. O jornalista pode ter opinião política? Como se distancia o “eu” jornalista do “eu” cidadão com ideologia política?
O distanciamento na nossa função como jornalista é necessário, assim como o distanciamento se for fazer a cobertura de um assunto no qual eu própria esteja envolvida. Ou sou capaz de me distanciar ou acho que não sou capaz de me distanciar, e não devo fazer esse trabalho.
O Código Deontológico, aliás, protege os jornalistas nessa perspetiva. Se achar que, ao fazer aquele trabalho, não sou capaz de me distanciar o suficiente daquilo que é a minha vivência e a minha ideologia é realmente [melhor] não fazer e sugerir ao órgão de comunicação social que vá outra pessoa.
Isso aconteceu comigo pelo menos duas vezes ao longo da minha carreira. Aconteceu na Voz de Almada, com um assunto que acabei por entregar a uma pessoa que sabia mais do que eu, já que era uma rádio da Igreja e envolvia a editoria de Igreja. Na televisão, isso aconteceu também com temas religiosos, porque achava que não tinha nem a informação necessária, nem aquilo que pensava sobre o assunto me permita tratar o assunto de forma que servisse a própria emissão da RTP.
Tive sempre por hábito distanciar-me dos meus objetos de trabalho o mais possível, mas claro que não estou a dizer que aquilo que penso não influencia, claro que influencia! Agora, entra outra parte, que é: se tenho consciência que consigo fazer o esforço do distanciamento e consigo usar um conjunto de regras que são próprias do jornalismo e as quais devo cumprir para fazer o meu trabalho. Se consigo fazer isso, é com essas regras que faço a gestão das minhas próprias ideias. É ter a capacidade de conseguir perceber que é possível afastar-me do assunto e que é possível saber utilizá-las para objetivar o mais possível o meu tema.
O jornalista deve saber afastar-se, deve cruzar fontes, deve confirmar as suas informações. Enfim, todo esse conjunto de regras devem ser cumpridas exatamente para tentar essa objetivação. Portanto, há aqui um conjunto de coisas que tenho de fazer para me proteger e fazê-las o mais rigorosamente possível para que seja um trabalho jornalístico em que as pessoas, quando o estão a ver, saibam que as regras estão a ser cumpridas.
Durante esse tempo na Assembleia da República, o seu trabalho é marcado por relações de proximidade. Essas relações foram mais sentidas como pressões ou seduções entre jornalista e parlamentares?
A pressão e a sedução, a velha história! Há quem tente seduzir, se quiser ir por aí, mas as barreiras para que essa sedução não se concretize estão nas mãos do jornalista e nas atitudes que pratica dentro do Parlamento ou noutro sítio qualquer.
O jornalismo político num espaço confinado, como é a Assembleia da República, tem particularidades. As pessoas vão para lá 365 dias (não todos os dias, claro), mas uma grande parte do tempo é passada com as suas fontes. E esse é o problema.
Sempre disse e sempre pensei para mim que, no dia em que a relação de proximidade me impedisse de fazer o meu trabalho, eu deixaria de lá estar. Pode acontecer aos jornalistas, por alguma “falha” na forma como se comportam, mesmo sem pensar muito no assunto, que, de repente, a fonte tome conta de nós. E se isso acontecer, é mais uma vez o jornalista que tem de ter consciência de que isso lhe está a acontecer e ser o próprio a sugerir para não fazer esse tipo de trabalho, ou a relação com essa fonte deve ser cortada.
Em muitos anos que lá estive, ninguém me viu em nenhum sítio público nem privado com as fontes. Não está errado privar com as fontes, isso está certo, há jornalistas que precisam de o fazer para exercer o seu trabalho.
No Parlamento, podem ser observadas várias realidades, sendo que há uma questão muito importante no jornalismo político: alguns jovens jornalistas acham que é uma boa ideia começar a fazer jornalismo político, ir para o Parlamento, ir para os partidos porque conhecem pessoas com poder e, portanto, até pensam que pode ser uma boa forma de ultrapassar algumas barreiras. Mas é a pior coisa que se pode fazer, do meu ponto de vista, porque as pessoas não estão preparadas para enfrentar as pressões de que, por vezes, são alvo.
É preciso estar preparado para as pressões que, como já muitos jornalistas disseram publicamente, são legítimas. Todos nos pressionamos uns aos outros, porque queremos atingir determinados objetivos. No entanto, quem é pressionado tem de ser suficientemente maduro para ter noção de que isso está a acontecer e não permitir que aconteça.
O jornalista manipulado inconscientemente é algo difícil para uma pessoa mais velha, mas também é possível, e muito fácil para um jovem jornalista. Portanto, para mim, a política é um terreno muito difícil para um jovem jornalista começar [a trabalhar], é melhor começar por outras [áreas].
Mudar de vida: olhar a política com lente académica
E qual foi o “click” que a fez deixar o jornalismo e dedicar-se à Academia?
A profissão de jornalista, nomeadamente no meio televisivo, é uma profissão com prazo, porque a imagem assim o determina.
Em Portugal, mais do que noutros países europeus e nos Estados Unidos, vêem-se muitos repórteres e muitos apresentadores de notícias com cabelos brancos, que fizeram a sua carreira profissional durante muitos anos e, depois, são as âncoras dos jornais.
Mas aqui, em Portugal, passa-se uma coisa estranha que não consigo perceber e não estou a dizer isto com nenhuma mágoa. A mágoa é com o sistema. Tem a ver com todas as pessoas que passam pelo jornalismo e por uma carreira jornalística feita em televisão, porque a imagem determina o fim da carreira a determinada altura e quem achar que consegue vencer essa barreira, pelo menos no momento em que estamos, está errado.
A prova está nas pessoas que vão sendo afastadas em determinados momentos, como eu. Não fui propriamente afastada mas, quando achei que queria sair, não me foi barrada a saída. A empresa não se importou que me viesse embora. Não vale a pena as pessoas acharem que eu era a “maior”, sim, disseram-me que era a “maior” e disseram-me também que era a pessoa mais importante para a RTP, porque fazia muitíssimo bem o meu trabalho, mas isso, para mim, já não chegava. Havia hipótese de ir fazer outras coisas, de evoluir…
A evolução, para mim, está sempre ligada ao conhecimento. Quando chegou determinada altura da minha vida, houve duas coisas que se cruzaram que determinaram efetivamente a minha saída: a primeira, o meu interesse em sair e a RTP também não se importou com essa saída, aliás, quando fui para a televisão, tinha determinado que, quando chegasse a determinada idade, não ia ser como algumas pessoas que encontrei na televisão e que não estavam a ser tratadas da forma mais interessante. Acho que foi uma coisa que estabeleci naquela altura, não queria passar por aquilo! Como disse, sempre liguei a evolução ao conhecimento. Em termos televisivos, naquilo que estava a fazer, sem ser arrogante, já não estava a aprender muito mais, porque o meu treino era de tal ordem na área política e no Parlamento que já não tinha de fazer grande esforço para fazer o meu trabalho de forma correta.
A nível académico tinha feito várias coisas, uma Licenciatura em Ciência Política e Administrativa, estava a terminar o Mestrado em Ciências da Comunicação no ISCTE e, no momento da minha saída, estava a preparar-me para começar o doutoramento. Isto é o tempo certo, com tudo conjugado, comecei a dedicar-me à Academia. Tinha umas ideias, mas não fazia a menor ideia se me iam proporcionar fazer/desenvolver o meu trabalho.
Comecei a fazê-lo no ISCTE com o doutoramento e é lá que estou a estudar. Depois, a Autónoma proporcionou-me esta fantástica experiência, que foi vir aplicar todo este conhecimento dando aqui aulas, construindo cursos [de pós-graduação], uma coisa absolutamente extraordinária e um mundo diria que novo. É fascinante e estou a desenvolvê-lo com muito prazer, porque temos de fazer mesmo aquilo que gostamos. Eu não sabia se dar aulas poderia ser uma coisa interessante.
Posso garantir-te que estar aqui a passar a minha experiência e aquilo que tenho aprendido tem sido fantástico, mas também estou a aprender muito.
Acerca da sua tese de doutoramento, tentei procurar o tema ou o título, mas aposto que junta jornalismo e política…
Junta! Eu ainda não terminei, não tornei muita coisa pública porque a minha tese está a ser trabalhada, estou a começar a escrever coisas. Está a ser feita sobre comunicação política, mas a comunicação política feita em programas de entretenimento ligados a sátira política.
Também gosto de me divertir e achei que era um tema interessante. A parte séria da política eu já conhecia, do ponto de vista profissional, mas a comunicação política feita nos programas de entretenimento e, especificamente na sátira, não tinha muito contacto com isso, apenas enquanto espectadora.
Nos próximos meses, há de estar concluída e já estou a escrever algumas coisas sobre o próprio tema, por isso é que não encontrou muita coisa, porque, na realidade, não existe. Tenho estado muito fechada com os meus “botões”, o que, em termos científicos, são o meu orientador, o Professor José Rebelo, e as pessoas com quem interajo no ISCTE.
E para fechar, uma provocação. Já se sente parte da “família Autónoma”?
(Risos) Claro, eu tenho sido tão bem tratada! Não há como não pertencer a esta família. Tem sido impecável o tratamento extraordinário. O ambiente que se tem criado e a forma como a universidade trata toda a gente… tem sido extraordinário. Não podia ter maior sorte, porque vim fazer uma coisa que me está a dar um prazer imenso e ainda por cima estou feliz, porque integrei uma nova família que me tem recebido muito bem. Adotaram-me! Estou a gostar muito de estar por aqui e estarei até que a universidade e eu assim entendamos. De qualquer forma, para já, está uma união familiar perfeita.