Quando a natureza não faz o seu trabalho, a ciência dá uma ajudinha. Com os avanços da tecnologia, ter filhos tornou-se muito mais fácil, mas nem sempre o resultado é o que se espera. Os casais inférteis fazem de tudo para dar cor ao desejo de serem pais.
São 02:00h da tarde. Sandra, 30 anos, conhece todos os corredores do Hospital de Santa Maria. Entre tratamentos, intervenções cirúrgicas e várias fecundações in vitro sem sucesso, já são cinco anos de luta.
“Esta espera é horrível, estamos sempre numa grande ansiedade”, desabafa Sandra.
Sandra e o marido estão na sala de espera desde as 10:00h da manhã. Com eles, estão mais três casais, mas não falam. Cada um para seu lado, não partilham este sentimento com ninguém. Por fim, o médico chama-os. Sandra levanta-se muito assustada, sem saber o que lhe espera desta vez, mas a enfermeira Luísa encoraja-a dizendo-lhe: “Vai correr tudo bem.” Esta é a altura em que o casal se separa: Sandra vai ter com o médico para que este lhe extraía os óvulos e o marido vai para uma sala ao lado recolher esperma. A porta fecha-se…
Após recolha dos óvulos, do líquido uterino e do esperma, o casal regressa à sala onde esperam que os chamem novamente, mas desta vez para marcar nova consulta, aquela que será a última esperança. Nessa consulta, os óvulos, já fecundados, serão colocados no útero se Sandra.
Depois da consulta Sandra afirma, “Já fizemos de tudo, começámos a tentar há cinco anos. Primeiro, recorremos a uma clínica privada. O stress a nível físico e psicológico era muito, por isso, decidimos fazer uma pausa de dois anos. Depois, viemos tentar a nossa sorte aqui no hospital. Se tudo correr bem, daqui a nove meses seremos pais”.
Mitos da infertilidade
Durante muito tempo, a infertilidade foi vista como um problema da mulher ou como um castigo de Deus. Mas a verdade é que a culpa não é de nenhum dos membros do casal. “O que acontece muitas vezes é que a mulher pode não ovular correctamente ou o número de espermatozóides produzido pelo homem não ser suficiente para fecundar os óvulos”, diz a médica ginecologista Cátia Afonso.
“Durante muito tempo, os familiares e amigos diziam para irmos de férias e que era tudo psicológico. A verdade é que tínhamos um problema e não era algo que passasse com uns dias fora de casa”, conta Sandra, de 30 anos.
Independentemente das causas, a mulher é quem mais sofre durante todo o tratamento, quer a nível físico quer psicológico. É submetida a análises de sangue, ecografias, estimulação dos ovários e microinjeções. Cátia diz que “o importante é os casais procurarem ajuda o quanto antes”. Quando mais tarde o fizerem, mais o desejo de ser pais será adiado.
Liliana, de 33 anos, e Pedro, de 37, planearam a vida ao pormenor: sonhavam ter quatro filhos, dois biológicos e dois adoptados. Após um ano a tentar e sem resultados, resolveram pedir ajuda a Cátia, que os encaminhou para o Hospital de Santa Maria. Depois de muitos exames, foi diagnosticado a Liliana bloqueamento das trompa e a Pedro baixo nível de espermograma.
“Num espaço de um mês, já fiz três inseminações artificiais, mas até agora nada. Um dia vamos ser pais, só não sabemos como nem quando. Como se costuma dizer, a esperança é a última a morrer,” diz Liliana.
O relógio não pára
Ser mãe é o sonho de muitas mulheres. A primeira gravidez, explica Cátia “não deve ser depois dos 35 anos, uma vez que o índice de fecundidade diminui significativamente depois dos 33. É importante que a mulher vá ao ginecologista regularmente, para detectar eventuais problemas que possam surgir”. Uma mulher que comece a tentar engravidar aos 30 anos se, por algum motivo, não o conseguir fazer naturalmente, tem de recorrer à medicina. São muitos os casais que recorrem à ciência, por isso, a lista de espera é muito grande. Seis meses a um ano é o tempo em média que demora até à primeira consulta. Juntando esse tempo ao tempo que normalmente demora todo o tratamento, rapidamente se chega aos 31, 32 anos.
Todas as mulheres deviam preservar ovócitos, principalmente aquelas que têm casos de infertilidade ou doença na família. Segunda Cátia, “uma mulher que descubra ter cancro aos 30 anos, quando acabar os ciclos de quimioterapia terá ovários idênticos aos de uma mulher de 45 anos”. O relógio não pára e, por isso, têm direito a prevenir a sua fertilidade.
Desilusão aos 14 anos
Fábio, 33 anos, tinha 14 quando lhe foi diagnosticado um tumor na cabeça do fémur. A quimioterapia a que seria submetido iria colocar em risco o sonho de ser pai. No meio do choque, os conselhos de um padrinho ginecologista salvaram-lhe a paternidade futura. Antes de iniciar os tratamentos, Fábio recolheu seis palhetas de espermograma, que foram congeladas e guardadas na Maternidade Alfredo da Costa. Todos os anos, até fazer 18, a mãe assinava um termo de responsabilidade para que se mantivesse os espermatozóides congelados. Quando Fábio atingiu a idade adulta, passou a ser ele o responsável pelo espermograma. O caminho deste jovem cruza-se com o de Bárbara, de 36 anos. A partir daí, o sonho de serem pais tornou-se comum. Bárbara já sabia desde o início que, um dia, quando quisesse ser mãe podia ser difícil, “mas nunca pensámos muito nisso, sempre pensámos que conseguíamos de forma natural.”
Começaram a tentar durante a lua-de-mel, mas sem resultados. Decidiram então marcar uma consulta de ginecologia com a Cátia Afonso. “Fizemos os exames em Junho. No meu caso, estava tudo bem, agora o Fábio não tinha qualquer valor de espermograma”, diz Bárbara. A única forma de tornar o desejo realidade era recorrer aos “bichinhos” congelados. Contactaram a Maternidade Alfredo da Costa, mas foi-lhes dito que, pelo nome, não encontravam nada e que já tinham começado a descongelar material. Ligaram uma segunda vez e lá estavam os herdeiros deste casal.
Os tratamentos iniciaram-se a 13 de Outubro de 2013, mas Barbara não correspondia ao medicamento. As doses que lhe eram administradas provocavam-lhe quistos. Tiveram de interromper este tratamento, e iniciar outro em Março de 2014. Na segunda tentativa, o mesmo problema. “Nessa altura, pensámos ir para o privado, mas o padrinho do Fábio disse que havia uma maior probabilidade de conseguir engravidar no público, que só era preciso mudar o protocolo”, conta Bárbara. Lá diz o povo que não há um sem dois, nem dois sem três, e que à terceira é de vez. Assim foi. Bárbara iniciou novo tratamento em Setembro do mesmo ano e conseguiu engravidar através do método da microinjecção.
Nos primeiros quatro meses enjoou muito. “O cheiro dele (Fábio) irritava-me. O Fábio tinha que pôr o perfume no carro, não conseguia mesmo.” Teve duas perdas de sangue mas, de resto, foi uma gravidez muito tranquila. Aos sete meses e duas semanas, Bárbara começou a perder liquido, foi de imediato para o hospital. “Diziam que o menino tinha de estar dentro da barriga pelo menos até às 34 semanas mas, na minha cabeça, ele estava em sofrimento.”
O Lourenço nasceu no dia 4 de Maio de 2014. Como era muito pequeno, teve de ir para a incubadora durante uma semana até completar as 35. “Quando ele nasceu, foi um respirar de alívio. Passar por aquilo tudo e agora tê-lo aqui, é algo que não se explica. Para mim, o pior dia foi quando tive alta. Tive de vir para casa e o Lourenço ficou lá mais uns dias. Vir embora sem a barriga e sem ele, foi um vazio enorme.”
“Cheguei a dizer muitas vezes à Barbara que ela não era obrigada a passar por isto tudo, o problema era meu e custava-me muito vê-la sofrer com as dores. Mas ainda bem que conseguimos! Ele é a nossa alegria, é mesmo real.” Fábio está feliz.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Técnicas Redactoriais”, no ano letivo 2014-2015, na Universidade Autónoma de Lisboa.