Aos 59 anos, o apresentador Fernando Mendes mantém vivo a ator que há dentro de si. Em entrevista, conta-nos a sua história, desde que se estreou no teatro ABC em 1980, até ao sucesso do “Preço Certo”, que está prestes a completar 20 anos de emissões.
Permita-me que comece com uma questão simples: esta noite dormiu bem, ou teve insónias?
Hoje foi dos dias que dormi menos, mas tenho dormido bem. Insónias só no teatro que ando a fazer pelo país.
Como surgiu o espetáculo “Insónia”?
Já trabalho com o Roberto Pereira há muito tempo. Fiz três peças com ele e, desta vez, pensei em fazer uma coisa sozinho. A ideia é toda dele, não arrisquei nada. Acredito no seu trabalho e ele acredita no meu. As coisas têm corrido bem. A peça tem quatro anos. Andamos pelo País e pelo Mundo a apresentar o espetáculo, que é uma coisa de que gosto.
Quão grande é o salto do teatro de revista para um monólogo, que tem muito humor, mas aborda assuntos sérios?
A revista é um espetáculo completamente diferente da comédia. Em princípio será para rir, mas aborda assuntos realmente muito sérios. É sempre bom um ator tentar arriscar e fazer outras coisas.
Existe então uma maior dificuldade num monólogo?
Claro que sim! Se estiveres a trabalhar com mais gente, tens companhia. Sozinho é mais complicado. Tens que estar bem concentrado. Às vezes, gosto de meter umas buchas, mas ali não meto muitas, porque tenho medo de fugir um bocadinho ao texto. Podes baralhar-te e o espetáculo em vez de ter 1:40h pode ter só 25 minutos. É chato.
“Não tinha jeito nenhum para aquilo”
Para muitos atores, o primeiro espetáculo é aquele que mais marca uma carreira. É assim no seu caso, que já pisou vários palcos pelo mundo?
Não será o “Insónia”. Já fiz muitos espetáculos que me marcaram. O primeiro, há 42 anos, marcou-me pela positiva, porque foi a minha estreia; e pela negativa, porque não tinha jeito nenhum para aquilo – digo isto aqui, sinceramente, que ninguém nos ouve (risos).
Fizemos uma peça mais tarde, que era a “Prova dos Novos”, no Parque Mayer. Apostaram tudo na malta nova, em mim, no [José] Raposo, na [Maria] João Abreu, no Carlos Cunha, na Marina Mota, na Vera Mónica. Foi um sucesso.
Em televisão, o que me lançou mais foi o “Nico D´Obra” e “Nós os Ricos”. O início foi difícil, mas depois as coisas foram-se mantendo. É sempre bom pensar que nunca estamos seguros nesta profissão. Hoje estás muito bem, amanhã podes não estar e lá vais tu descendo aqueles degraus que levaram tanto tempo a subir.
O seu pai, Vítor Mendes, foi fundamental para a sua escolha profissional. Alguma vez sentiu que a sua paixão pelo teatro poderia sobrepor-se ao “Preço Certo”?
São coisas completamente diferentes. O “Preço Certo” tem uma coisa boa. Além de seres visto em casa, o público presente ajuda muito. A escola que tive do Parque Mayer foi importantíssima para poder aceitar o convite para fazer este programa, que era para três meses e dura há 19 anos. O meu pai foi uma grande influência. Estou neste meio por causa dele. Não sou contra as cunhas: eu entrei por cunha, mas percebi que se não tivesse jeito era o primeiro a dar corda aos sapatos.
“Não quero ser apresentador”
De certa forma, apresentar um programa como o “Preço Certo” é muito semelhante aos seus primeiros trabalhos?
Sim, é semelhante. O programa não era assim, tornei-o assim. Não gosto de ser apresentador, não sei ser apresentador e não quero ser apresentador. Fiz isto à minha maneira e as coisas resultaram. Depois deste, não me estou a ver noutro tipo de programa. Ainda por cima, se este tem sucesso, era uma asneira acabar com este para fazer outra coisa qualquer. Iria estragar tudo, para quê!? Deixo-me estar aqui, que aqui é que estou bem.
Há quase 20 anos que apresenta o “Preço Certo”. O sucesso das audiências é quase tão certo quanto o preço. Considera que o estilo de comunicação que utiliza reflete o seu êxito?
Sim. Estamos a trabalhar para um país real. Tu vês aqui desde o idoso ao neto. Vejo malta nova vir a este programa, porque eram “obrigados” pelos avós. É engraçado. Podiam estar a marimbar-se, mas hoje são eles que vêm concorrer.
Vêm de aldeias, muitas que nunca ouvi falar. Fazem quilómetros e quilómetros. Se puder, eles têm que levar qualquer coisinha. Gosto sempre de ajudar. Acho que é importante. Sei que é um jogo, mas moldei-o à minha maneira, também a pensar em ajudar as pessoas. Durante estes 20 anos, já ajudámos cerca de 200 instituições, o que é muito bom!
Sendo um programa de grande audiência, sente que o “Preço Certo” contribui para um serviço público?
Sem dúvida nenhuma que o que estamos a fazer é serviço público. Há que perceber que estamos a divulgar as regiões, os restaurantes… Se falar no café do senhor António, de uma terriola de que nunca ouvi falar e mandar um abraço, no dia seguinte o senhor António tem o café cheio.
“Podia não ser um sucesso”
Mais de 40 anos de carreira. É público que não faltam propostas a outros preços. O que o mantém fiel ao canal público televisivo?
Era uma burrice da minha parte [fazer outra coisa]. É um programa com sucesso. As audiências são importantes. Temos ganhado, mas também já perdemos muitas vezes. Não estamos preocupados com isso. Estamos preocupados em fazer o bem. Já estou enraizado aqui e não faria sentido nenhum mudar de estação e fazer outro programa que poderia não ser um sucesso. E acredito que não fosse um sucesso. Quero pensar é neste: este é para continuar.
E a seguir ao “Preço Certo”, é o tempo do teatro?
O “Preço Certo” ocupa-me três tardes por semana. Gravo logo nove programas. Tenho os fins de semana livres para fazer teatro. O “Preço Certo” e o teatro estão juntos para a vida. O programa é para fazer até eles ou eu decidirmos que já chega. O teatro vai-se fazendo. A próxima peça será feita com pelo menos mais uma pessoa, para haver uma contracena. Quero continuar no teatro e no “Preço Certo”. É o que vai na minha cabeça. Até quando, não sei, só Deus sabe! Se o Putin não rebentar com isto tudo, a gente ainda estará cá mais uns tempos.