As razões que levam um pai ou uma mãe a assumir a paternidade/maternidade total variam de família para família. Em Portugal, viuvez e separação são as principais causas. Mas como é viver estando ‘sozinho’ e sendo, simultaneamente, pai ou mãe?
Depois de um dia inteiro de trabalho, ainda tem energia e tempo para dar a entrevista. Com 53 anos e duas filhas, de 18 e 33 anos, Lúcia é “mãe solteira, lutadora e trabalhadora”, como se caracteriza a si própria. Neste momento, apenas a mais nova vive com ela, mas diz que, durante o crescimento das filhas, teve muita ajuda por parte da família, pois só assim conseguiu ter força para as criar sozinha durante quase 19 anos.
Conta que o marido foi para os Estados Unidos da América à procura de emprego e de uma vida melhor para eles mas, quando a filha mais nova tinha apenas seis meses, “ele deixou de enviar dinheiro e nunca mais regressou”. Desde que teve de assumir este papel monoparental, Lúcia sai de casa às 5:30h para trabalhar e só regressa às 17:00h. “Quando as minhas filhas eram mais novas, ficavam com os avós e, às vezes, até dormiam lá, pois a logística era mais fácil e ficava descansada. Sabia que estavam em segurança.” Houve noites que só regressava a casa por volta da uma da manhã.
Hoje, já com as filhas praticamente criadas, admite ter muita cooperação e ajuda em relação a tudo por parte das “miúdas”. Por vezes, quando chega a casa, já tem o jantar feito e tudo arrumado, conseguindo assim ter mais tempo livre. “Sempre fui uma pessoa organizada e independente, não me arrependo de nada do que fiz ou que não fiz, não trocava qualquer carreira profissional pela educação das minhas filhas.” Passou por dificuldades mas, sempre que havia alturas mais apertadas, Lúcia arranjava mais do que um trabalho ao mesmo tempo, para conseguir pôr comida na mesa.
A melhor parte de se ter tornado mãe-pai foi a independência que ganhou, o facto de não ter preocupações nem de dar justificações a ninguém sobre a sua vida, ser só ela e as filhas como queriam e podiam. A pior parte foi quando deixou de ter a ajuda do pai das meninas e ficou com dificuldades financeiras, chegando quase a perder a casa onde moravam.
Hoje, com grande firmeza e um olhar de desilusão, diz que pode passar por inúmeras necessidades, mas a casa estará sempre paga, assim como não faltará nada às suas filhas. “Para mim, ser mãe é muito especial, adoro ser mãe.” Afirma também que a maior recompensa é olhar para trás e ver que, mesmo passando as dificuldades todas que passou, hoje tem duas filhas bem-educadas e com objetivos. Acredita que, por vezes, há um certo preconceito por ser mãe solteira e viver sozinha. Mas já cada vez menos.
Tal como Lúcia, existem muito mais famílias monoparentais em Portugal. Segundo um estudo do Eurostat, o Gabinete de Estatísticas da União Europeia, Portugal é o oitavo país da Europa com mais filhos de pais solteiros. Em 2019, segundo a base de dados PORDATA, havia 67.776 agregados familiares monoparentais masculinos e 391.568 agregados familiares monoparentais femininos. Os masculinos, embora continuem a ser uma minoria, tendem a aumentar.
“Dentro da família é indispensável a ajuda das mais velhas para cuidar das mais novas”
Outro caso de família monoparental é a de Paulo. Com 57 anos, tem quatro filhas, duas de 13, uma de 23 e uma de 25 anos. Viúvo há cerca de 12 anos, diz ter sido muito difícil assumir este papel de pai-mãe. Com a barba por fazer e com ar cansado, solta um suspiro ao sentar-se na cadeira do jardim para contar a sua história. Tem muita coisa para contar.
Para ele, ser pai-mãe é um misto de emoções, é necessário adotar uma nova forma de estar na vida. “Dentro da família é indispensável a ajuda das mais velhas para cuidar das mais novas.” Paulo é pescador e bombeiro, duas profissões que exigem muito tempo e esforço. Tenta conciliar família, trabalho, amigos e tempo para ele próprio. Sempre teve a ajuda de familiares, pois, caso contrário, nunca tinha conseguido criar quatro crianças.
Não se considera uma pessoa organizada, mas a vida tem-lhe mostrado que é necessário adaptarmo-nos às situações do dia a dia. Não acha, de forma alguma, que haja preconceito, nem que alguma vez tivesse tido de abdicar da sua carreira profissional em detrimento da família. Para ele, “a família sempre estará em primeiro lugar”.
Quando pensa qual a melhor e a pior parte de ter assumido este papel, as lágrimas começam a aparecer. A dor de perder a mulher, o não ter tempo para cuidar dele próprio, o ter de trabalhar o dobro das horas que dorme por dia são as piores partes e as mais desgastantes. Em relação à melhor, um silêncio paira no ar.
Atualmente, apenas duas das quatro filhas vivem com ele.
“Cada vez que tinha de trabalhar até mais tarde, deixava as crianças com amigos até à hora de jantar”
Isabel tem 58 anos. Apesar de se ter divorciado quando os filhos tinham 6 e 14 anos, é com ar de tristeza e algum desprezo, sentada na mesa da sala de jantar, que afirma: “ele nunca foi um pai presente”. Por isso, desde cedo, nunca teve outra opção senão assumir este papel sozinha.
Inicialmente, quando ainda vivia com o marido, este apenas a ajudava financeiramente. No que diz respeito à educação das crianças, era ela a única interessada. Aquando da separação, Isabel teve de dar “um jeito na vida”. Sem ajuda do marido ou família, nos momentos mais complicados, tinha de arranjar mais trabalho e admite ter passado muitas horas sem dormir. “Teve de ser assim, mas acredita que não foi fácil.”
Nunca pôde contar com o apoio da família, que vive a 300 quilómetros, no Algarve, mas considera-se uma privilegiada, pois a profissão sempre lhe permitiu ter um horário flexível, que foi “indispensável para os acompanhar”. Prefere entrar mais cedo para poder também sair cedo e ter mais tempo para estar com os filhos e os amigos, cuidar da casa e, mesmo que fossem poucas vezes, dela própria. “Cada vez que tinha de trabalhar até mais tarde, deixava as crianças com amigos até à hora de jantar”. Mas, depois disso, Isabel tentava gerir as horas extra que trabalhava, de modo a poder tirar mais folgas. Sempre para compensar o tempo “perdido”.
Hoje, os filhos já têm 20 e 28 anos, e Isabel diz que são uma grande ajuda. O segredo para o sucesso da educação é a sinceridade e a cumplicidade entre os três. Para Isabel, ser mãe, é ver sempre os filhos como prioridade, mas afirma que, como tudo na vida, tem os seus prós e contras.
A pior parte foi vê-los crescer sem um pai presente e ter sido, de certo modo, “obrigada” a sentir necessidade de fazer “esticar o dinheiro” ao final do mês, para poder dar aos filhos o que queria. Quanto às diferenças na forma de estar na vida, diz que não sente qualquer diferença a partir do momento em que assumiu este papel. Com o soltar de um profundo suspiro e um pequeno sorriso, para aguentar as lágrimas, Isabel diz: “Quando olho para trás, às vezes, pergunto-me como consegui aguentar, mas o que é certo é que consegui… e a parte mais difícil já passou.”
São poucas as associações monoparentais existentes em Portugal e nenhum dos entrevistados tinha conhecimento de alguma delas. Por parte do Estado Português, o apoio para estas famílias existe, como o requerimento de abono de família, para crianças e jovens, o subsídio parental de um progenitor em caso de impossibilidade do outro ou até mesmo a criação de habitações para famílias monoparentais. Tudo depende da situação de cada família e o modo como esta aborda o tema.