Na semana dos media, reconhecemos a “explosão da informação” e assumimos a importância da educação para os media e da literacia mediática nas sociedades atuais.
Nas mediacracias contemporâneas, nestas sociedades altamente dominadas pelos media e pelos seus discursos e mensagens, as consequências da abundância de informação – e da velocidade de produção, de processamento, de reprodução e de distribuição e partilha que a caracteriza – podem ser vistas de duas perspetivas.
A primeira, uma visão ingénua e positiva, impele-nos a olhar e a pensar sobre nós próprios como indivíduos muito mais informados, mais sábios (vampirizando a expressão de Prensky) e ilustrados, do que os nossos antepassados.
A segunda, um olhar mais crítico e mais cético, obriga-nos a pensar a nossa própria identidade como uma identidade quase esquizofrénica: múltipla, descentrada, dispersa.
Seja qual for o enquadramento que façamos, há factos indesmentíveis: há mais conteúdos, há mais canais, há mais produtores, há mais players envolvidos. Há uma “explosão de informação” que pode, de facto, conduzir a uma “explosão de ignorância” (recorrendo a Postman) ou a uma “infoxicação” (recuperando o conceito de Cornellà e Dominguez): uma intoxicação por excesso de informação.
Reconhecer estes factos força-nos a reconhecer a necessidade de uma educação para os media, uma educação que, mais do que mera cosmética burocrática e política muitas vezes veiculada pelos órgãos de serviço público do Estado, ensine o povo a ler os media (porque será que sempre que penso em educação para os media recordo Maria Filomena Mónica e a sua provocação, num texto de 1977, “Deve-se ensinar o povo a ler”?).
Literacia mediática: aceder, compreender, avaliar, criar
O outcome dessa educação para os media – desse processo de ensino-aprendizagem – traduz-se num conjunto de conhecimentos e de competências, que designamos por ‘literacia mediática’.
A literacia mediática é um recurso e uma competência-chave nas sociedades contemporâneas.
Adotemos a definição europeia, validada por um grupo de peritos – do qual fez parte um português, Vítor Reia-Batista, da Universidade do Algarve – que consta na “Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Uma abordagem europeia da literacia mediática no ambiente digital” (20 de dezembro de 2007): literacia mediática é “a capacidade de aceder aos media, de compreender e avaliar de modo crítico os diferentes aspetos dos media e dos seus conteúdos, e de criar comunicações em diversos contextos”.
São estas competências (aceder, compreender, avaliar criticamente, criar) que permitem que cada indivíduo sobreviva (com qualidade) nesta enorme lixeira informacional e não padeça de “infoxicação”.
Em alguns países europeus (particularmente, os nórdicos) e norte-americanos, a educação para os media já consta nos currículos nacionais de educação. Em Portugal, e muito graças a pressões do Conselho da Europa e da União Europeia (Comissão, Conselho e Parlamento), os referenciais de educação para os media estão a ser discutidos e analisados (diga-se, aliás, que estiveram disponíveis online para consulta pública e eventuais sugestões no início de 2014).
Mas ninguém sabe se, uma vez mais, não estaremos perante uma mera iniciativa retórica, cujo resultado – um enorme e muito interessante esforço de sistematização, diga-se – terá por destino uma qualquer gaveta na 5 de outubro.
Enquanto o Ministério da Educação e Ciência não decidir avançar com a introdução da educação para os media nos currículos escolares – e, na minha opinião, desde o nível de educação pré-escolar – de forma digna e assumida, as nossas crianças e jovens (e, mais tarde, os nossos adultos) terão grandes dificuldades, ao nível da reflexividade e da visão crítica, em perceber, globalmente, o mundo que os rodeia.
Continuaremos a formar indivíduos pouco comprometidos, cada vez mais egoístas, autocentrados, indiferentes, cínicos. Sem perceberem os media, sem saberem como se processa a contrução social da realidade através deles, sem entenderem como são produzidas (e porque o são) as suas mensagens, sem terem noção das lógicas de mercado subjacentes e das lógicas de poder (dos poderes) dominantes, da reprodução do pensamento das maiorias… enfim, será muito difícil (senão mesmo impossível) pensar reflexivamente o mundo em que vivemos como ele é de facto, e não apenas como nos é oferecido pelos media, enquadrado e filtrado segundo lógicas muito particulares.
Quase a terminar, retomo a provocação de Maria Filomena Mónica: Deve-se ensinar o povo a ler? Que vantagens tirará desse processo o Governo de Portugal? Porque haverá investimento público em educação para os media se sabemos que cidadãos mediaticamente mais competentes, civicamente mais comprometidos e politicamente mais ativos, logo, mais livres e mais poderosos, podem tornar-se verdadeiros quebra-cabeças ao nível do controlo institucional e da manipulação e da reprodução ideológicas?
[Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico]