Após três meses de restrições de circulação e com o início das medidas de desconfinamento, a Igreja Católica começa a preparar as orientações para a retoma das celebrações das missas e dos sacramentos em Portugal, “com prudência e confiança”. Foram três meses em que fiéis enclausurados em casa, rezavam para voltar novamente à Igreja. Como é que as igrejas se adequam a esta nova realidade?
Último domingo de maio e, por coincidência, último domingo da época da Páscoa. Às 11:05h, o sino, com um toque estridente embora suave, ecoa rotineiramente por toda a freguesia. Convida os fiéis a celebrar novamente a Eucaristia, após este período de confinamento, “onde muitos fizeram dos seus lares, igrejas domésticas”, como afirma o padre Nélio Tomás, pároco de Alfragide.
“Conscientes do momento que atravessamos”, a comunidade começa a chegar gradualmente ao adro da igreja para assistir à missa dominical que há muito espera. Felizes e comovidos, os fiéis caminham para junto da porta principal. São recebidos por uma equipa de acolhimento que vai explicando todos os procedimentos e as novas regras que foram estabelecidas pela Direção-Geral da Saúde, assim como pelo Governo de Portugal.
A Igreja da Divina Misericórdia chama a atenção, quer pela imperturbabilidade da torre sineira, quer pelas formas suaves das suas linhas. Formas que contrastam com a simplicidade da sua arquitetura minimalista e a cor branca, a que não é alheia a cobertura metálica que faz a ligação com a torre sineira.
O espaço interior está focalizado no altar, realçado pela presença da luz zenital que entra pela clarabóia. A distribuição da plateia ao redor do altar congrega os fiéis, convidando-os à comunhão num ambiente de suavidade e paz. O painel em azulejo, destinado a cobrir toda a parede de fundo por detrás do altar, parte de uma monumental imagem de Jesus Cristo que, através dos seus traços, parece movimentar-se e entrar na igreja, em ousadas linhas de perspetiva que acentuam a profundidade e a universalidade do gesto de bênção.
Os raios “vermelho e pálido” que brotam do lado entreaberto da túnica parecem dirigir-se, ou mesmo derramar-se, sobre a assembleia. Os vitrais procuram representar a ‘Criação do Universo pelo Espírito de Deus’, a criação dos Cosmos e do Mundo, do Big Bang, da criação dos céus e dos corpos celestes, da separação das águas e da terra, da formação dos continentes, dos animais terrestres, marinhos e aéreos e, finalmente, do homem e da mulher. Assim se estabelece uma conexão entre a ‘Criação’ e a ‘Nova Criação’, numa solução profundamente contemporânea.
“Regresso com prudência e confiança”
A 8 de maio de 2020, a Conferência Episcopal Portuguesa divulgou as orientações para a celebração do culto público católico no contexto da pandemia COVID-19. Foi necessário preparar as instalações de todas as igrejas para que as pessoas celebrem a fé em segurança.
O padre Nélio Tomás advertiu a toda a comunidade para um “regresso com prudência e confiança”. Refere ainda que “a dinâmica da Eucaristia mudou, com a comunhão na mão, a omissão da saudação da paz e os acessos ao edifício. Sinalizámos a igreja, permitindo uma distinção das entradas e saídas, evitando o cruzamento de pessoas. Por fim, a limpeza, a desinfeção e o arejamento após cada Eucaristia. É sempre uma preocupação para nós. Sempre com o objetivo de acolher bem as pessoas, para que se sintam sempre protegidas”.
Amaro Pestana, seminarista e colaborador nesta comunidade, lembra também algumas das medidas que a Paróquia de Alfragide acolheu para o desconfinamento. “A sinalização dos lugares preferenciais com etiquetas coladas nos bancos e a colocação de frascos com álcool gel à entrada da igreja, para que as pessoas possam desinfetar as mãos.” Para além destas medidas, as equipas de acolhimento procuraram estar à porta da igreja para explicar o que mudou na circulação dentro do edifício, bem como as alterações no decorrer da celebração. Estas equipas de acolhimento são constituídas principalmente por acólitos, escuteiros e voluntários que se prontificam em ajudar naquilo que é necessário.
Filipa Miguéis, escuteira, pertence à equipa de acolhimento e procura informar as pessoas de que “a desinfeção das mãos e o uso de máscara é obrigatório, os lugares estão marcados com uma etiqueta, devendo ocupar sempre os assentos mais à frente, junto dos corredores de saída. O ofertório passa a ser no fim da missa para não haver contacto com o dinheiro e só é permitido retirar a máscara apenas para a comunhão”.
“Há ainda uma certa preocupação por parte das pessoas”
Apesar destas preocupações e medidas para uma retoma das celebrações com segurança, é notório que o número de pessoas presentes na Eucaristia não é o mesmo que se via antes da pandemia. “Há, ainda, muito receio por parte da comunidade em sair de casa e vir à missa. Para além das pessoas que se encontram doentes em casa e que não podem sair, há ainda uma certa preocupação por parte da comunidade que é muito compreensível”, diz o padre Nélio.
Segundo o pároco de Alfragide, “para além das duas eucaristias dominicais ao domingo, decidimos acrescentar uma às 9:45h, para que as pessoas possam ter uma maior opção de escolha, evitando, assim, um grande número de fiéis por Eucaristia. As pessoas de risco são aconselhadas a frequentar as eucaristias durante a semana, quando há menos fiéis, permitindo um maior distanciamento social, não pondo em causa a sua saúde”. Por todo o País faz-se sentir a preocupação com o número de fiéis a participar nas missas, alargando a quantidade de celebrações em quase todas as paróquias de Portugal.
De que maneira as paróquias chegam às pessoas que não conseguem vir às celebrações por pertencerem a um grupo de risco ou por estarem doentes? É um problema comum a várias comunidades. O diácono Fernando Magalhães afirma que “o acompanhamento espiritual à comunidade nunca seria confinado. A paróquia sinalizou todas as pessoas e famílias para esse acompanhamento espiritual procurando, através dos ministros extraordinários da comunhão, assegurar permanentemente esse serviço àqueles que estão confinados nas suas casas”.
“Neste confinamento, aprofundámos ainda mais a nossa vivência espiritual”
Que cuidados as pessoas da comunidade de Alfragide procuram ter na retoma das celebrações eucarísticas? Será que respeitam todas as indicações feitas pelas equipas de acolhimento? Qual é o sentimento ao serem retomadas as missas e de que maneira foi vivenciada a fé sem ir à Eucaristia presencialmente?
Lídia Neves e Jaime Neves são um casal desta comunidade, com uma participação muito ativa na vida da paróquia. São leitores e ministros extraordinários da comunhão. “Procuramos respeitar todas as orientações dadas pelas entidades religiosas e pelas equipas de acolhimento, desde a purificação das mãos ao uso de máscara. Este confinamento deu para aprofundarmos, ainda mais, a nossa vivência espiritual, sendo que diariamente fazíamos e fazemos a oração do terço. Desde que ficámos em casa, assistíamos à Eucaristia como se estivéssemos na igreja, através da RTP 1 ou da TVI.”
Isabel Faro é sacristã desta paróquia e é a pessoa responsável pela preparação dos vasos sagrados para a Eucaristia. “A desinfeção das mãos e das superfícies utilizadas é um ponto muito importante que temos de ter em atenção para evitar a propagação do vírus, especialmente ao preparar os vasos sagrados, podendo ser um meio de transmissão. Procuro ter estes cuidados, de modo a não prejudicar a saúde de ninguém.”
Segundo a Conferência Episcopal Portuguesa, “poderemos enfrentar melhor os meses que nos esperam, sabendo bem que será preciso ainda esperar algum tempo até ao integral restabelecimento da vida eclesial e religiosa. Nada pode substituir a vida sacramental plena. Mas bem sabemos que as celebrações públicas do Culto Divino constituem o cume e a fonte, embora não sejam o todo da vida de fé, esperança e caridade”. Enquanto se retoma a participação comunitária na liturgia, há que garantir a proteção contra a infeção. As comunidades têm de fazer todos os possíveis para limitar esta pandemia.