Após estágio no Público e uma passagem marcante pelo Diário de Notícias, Catarina Reis é agora jornalista e editora da Mensagem de Lisboa. Um percurso singular e recheado de prémios, de alguém que se tem destacado por dar voz a histórias humanas e realidades menos visíveis. Nesta entrevista, ficamos a conhecer o seu percurso e ouvimos conselhos para quem sonha seguir uma carreira jornalística.
Licenciou-se em Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2017). Sempre soube que queria ser jornalista ou foi algo que surgiu ao longo do tempo?
Na verdade, não há um momento em que tenha decidido ser jornalista. Acho que sempre quis. Lembro-me que os telejornais eram uma presença muito viva dentro da minha casa, havia aquele ritual de final do dia, a família sentava-se à frente da televisão e ouvia o telejornal. O meu pai também tinha muito o hábito, e ainda tem, de comprar o Expresso ao domingo e fazíamos sempre uma troca: ele dava-me logo as revistas que vinham com o Expresso (a minha parte favorita) enquanto ele folheava o jornal. Depois dizia-me o que tinha lido no jornal. Fazíamos sempre esta troca. É capaz de ter vindo daí. Sempre decidi que teria de ser por aqui, não pensei muito no assunto. Achei que tinha de ser e pronto, lá foi.
Também fez uma licenciatura em Línguas e Culturas Estrangeiras (2014). O que a levou a seguir esta combinação de cursos?
Não foi bem uma combinação. Foi um tentar entrar em Ciências da Comunicação, que não tinha conseguido. Um percalço, mas que foi muito útil.
Teve a oportunidade de estagiar no jornal Público, em 2017. Como foi a sua experiência inicial no jornalismo?
Foi muito estranha… o online era uma secção muito estranha na altura. Em 2017, parte da equipa do jornal ainda estava a perceber que equipa era aquela que estava no centro da redação. Não sei como está a redação agora, mas fisicamente estávamos no centro da redação, a ‘puxar’ coisas da Lusa para o site e a colocar online o que saía na edição em papel. (…) Foi uma experiência bastante estranha nesse sentido e porque tinha muita sede de ir contar histórias para a rua. Não tive essa possibilidade… fui puxando aqui e ali para que isso acontecesse uma vez ou outra e acabei por sair com essa sede toda. Queria muito mais mundo e mais oportunidades que acabei por não ter ali, por circunstâncias do próprio jornal.
“O acordo (no DN) era fazer o mês de agosto e depois logo se via”
Um ano depois (2018), entrou para a redação no Diário de Notícias, onde começou a escrever temas ligados à Educação. O que atraiu para esta área?
O acordo era fazer o mês de agosto e depois logo se via. Vinha do Porto, portanto, foi atirar-me de cabeça e ver se isto resultava bem, tendo em conta que as casas em Lisboa já estavam bastante caras. Não sabia o que aconteceria no final daquele mês. No final, propuseram-me ficar e a transição acontece num momento em que a pessoa dedicada aos temas da educação estava a sair do jornal. Como estava na editoria da sociedade, propuseram-me ficar com a editoria da educação, então foi ser atirada aos lobos. Não tinha nada, não tinha fontes. Tive de construir essa carteira enorme de fontes para dar notícias todos os dias sobre esta área, que era muito lida no jornal, que estava ainda com mais importância nessa altura por conta das negociações que se faziam sobre as carreiras dos professores. Tive de puxar muito pela cabeça, fazer muitas conversas em off para tentar perceber o contexto da crise dos professores e da educação. Foi começar a perceber o que era isto da educação, do que se falava, o que era importante e partir daí construir esta bolsa de fontes e depois as notícias.
Houve histórias ou realidades que a sensibilizavam particularmente?
Lembro-me de algumas reportagens pelo difícil que foram de relatar. Uma história que acabou por fazer manchete e abrir telejornais foi acerca dos professores que estavam a dormir em tendas no Algarve, porque não tinham alojamento. Teve logo repercussão nacional e levou a um debate gigantesco. Outra história foi sobre cuidadores informais. Percorri quatro terras no nosso país para dormir na casa dessas pessoas e conhecer a sua realidade. Foi realmente muito diferente e importante. Só assim é que pude relatar o problema e a falta de apoios que existe para estas pessoas. Mas o meu maior trabalho no Diário de Notícias foi uma série sobre o antigo Casal Ventoso. Foi um valente luxo que tive, porque consegui fazer aquela série ao longo de seis meses com a minha colega Rita Rato Nunes. Foi uma das histórias que melhor representa o meu percurso no jornal.
Essa reportagem valeu-lhe o Prémio Direitos Humanos & Integração da UNESCO, em 2020. Como foi o processo de investigação. Houve momentos particularmente marcantes ou desafiantes que possa partilhar?
O processo de investigação começa nas pessoas. É preciso muito cuidado e sensibilidade, porque estamos a tocar num assunto polémico a nível nacional. O Casal Ventoso, durante muitos anos, foi um lugar com uma fama terrível e que lida com problemas sociais muito profundos. Primeiro, embrenhamos nesta sensibilidade que é preciso ter e ir bater às portas certas. Há associações que já fazem esta ponte muito direta com as pessoas que estão nestes bairros de realojamento e são sempre um bom gatilho para todo o resto, porque têm muita confiança com os moradores. Se estivermos ao lado dessas associações, fazemos as conversas mais facilmente para que possamos conhecer mais pessoas, mais realidades e ter este contexto histórico. Nós fomos lá várias vezes por semana, durante seis meses. Fizemos quase família, mas com a distância necessária para podermos contar tudo o que era necessário, até porque muitas das realidades eram absolutamente precárias. Estamos a falar de temas muito difíceis, nomeadamente a droga. Depois fui falar com as pessoas que estudaram os fenómenos da droga em Portugal, que estudaram o Casal Ventoso, sociólogos que nos explicaram como é que esta transição foi feita. E a importância durante este tempo todo, sobretudo na nossa cabeça, é de nunca romantizar uma coisa que não deve ser romantizada, porque não é esse o nosso papel enquanto jornalistas.
O que sentiu quando recebeu o prémio?
Acho que os prémios são muito importantes. Primeiro porque esse é um dos poucos prémios que é bem pago e para um jornalista que não consegue ter este tipo de recursos, isso é importante. Acabam por nos dar uma espécie de bolsa para investirmos noutras reportagens, recursos para fazer coisas que não conseguiríamos fazer dentro das redações. Foi, sobretudo, a sensação de que uma história local tem este impacto todo. Todos nós (cidades, freguesias, países e continentes) partilhamos dores de crescimento e acho que acabou por ser isso que se refletiu no prémio e deu-me esta sensação de que uma história nunca é pequena demais para ser contada. E isso traz-me também à Mensagem de Lisboa.

“Temos este mote de que o conhecimento gera sempre empatia e a empatia torna sempre melhor o lugar onde nós moramos”
Faz parte da equipa fundadora da Mensagem de Lisboa. O que a motivou a embarcar nesta aventura?
Foi esta ideia de que as histórias nunca são pequenas demais, mas também era sabermos que Lisboa é o centro de quase todas as redações. Havia tantas histórias para as quais não havia tempo nem espaço para contar e nós tínhamos muito essa sede. Decidimos dar-nos a esse grande luxo que é fazer o que nós fazemos, contar histórias que estão muito à nossa vista e não ter pressa, contá-las bem. Fui verdadeiramente saciada aqui na Mensagem de Lisboa.
Passou de um jornal de alcance nacional, para um focado exclusivamente em Lisboa. Como foi essa transição? Sente que o jornalismo de proximidade permite contar histórias de uma forma diferente?
Completamente diferente… e isso nunca foi tão importante como agora. Na pandemia, percebemos muito isso, que tudo o que é próximo agrega mais valor e traz-te coisas, tanto do ponto de vista jornalístico como do ponto de vista cívico, que não esperas de um meio nacional. Nós começamos por fazer reuniões de vizinhos, reunirmos uma vez ou outra com os leitores. Isto dá-nos outra visão sobre histórias, obriga-nos a sair desta bolha para perceber melhor o mundo, estarmos mais conectados com as pessoas para as quais escrevemos. Nós aqui passámos a ter recursos para pensar o que é que fazia falta ao jornalismo e à cidade, levar a cabo a nossa missão, que é melhorar o local onde nós moramos. Temos este mote de que o conhecimento gera sempre empatia e a empatia torna sempre melhor o lugar onde nós moramos. Também através do jornalismo de soluções, que é não noticiar um problema sem tentar mostrar onde é que a solução está a ser trabalhada. Já tivemos pessoas a trabalhar connosco, começaram como nossos leitores e acabaram por trabalhar connosco e a trazer-nos visões completamente diferentes e ferramentas para o nosso jornalismo. Isto só acontece porque somos jornalistas de proximidade e nos damos a essa proximidade como missão máxima.
A sua reportagem “Brincar e Estudar dentro de uma esquadra: em Caxias, polícias e jovens do bairro parecem finalmente unidos” foi distinguida pela UNESCO. Esse reconhecimento reforça a importância do jornalismo de proximidade?
Sim… e não só. Essa história tem, sobretudo, uma perspetiva muito forte, porque agora a polícia está muito debaixo de olho e de críticas. Há coisas boas a serem feitas e há esquadras da polícia a trabalhar bem efetivamente. Esta história veio-nos mostrar (mais uma vez) que generalizar, romantizar e criticar no geral é muito perigoso. Há coisas a serem muito bem feitas e este é um desses casos.
“Saiam muito. Procurem muitas oportunidades, contem muitas histórias”
Que conselhos daria a quem está a começar e quer construir carreira no jornalismo?
Saiam muito. Procurem muitas oportunidades, contem muitas histórias. Ficar sentado no lugar é que não dá. Ainda há pouco estávamos a comentar isso na nossa reunião de redação aqui, que era como nós olhamos para algumas oportunidades que nos vão surgindo ao longo do curso, podem ser mínimas, podem ser grandes oportunidades, mas aproveitar cada uma delas como se isso dependesse de todo o nosso futuro. Sermos proativos e aproveitar as oportunidades é meio caminho andado para se chegar lá. Mas, sobretudo, e isto não pode faltar a um jornalista, ser muito curioso. Curiosidade pura e dura. Enquanto houver curiosidade há tudo, há sempre uma luz acesa porque a curiosidade é a base de tudo. Depois é ir à procura de conhecimentos, o máximo de conhecimentos.
O que considera essencial para ser um bom jornalista hoje?
Ser curioso e aprender muito. Tudo aquilo que se puder aprender, aprendam mesmo que achem que não será útil para as vossas vidas. Todo este conhecimento do mundo é mesmo muito importante e não tenham medo de experimentar. Mas, a curiosidade, essa, nunca pode falhar.
