Catarina Monteiro, 25 anos, nadadora profissional. A recordista nacional dos 200 metros mariposa e a vencedora da medalha de prata no Jogos do Mediterrâneo 2018 aborda, nesta entrevista, temas bastante pertinentes, nomeadamente o desenvolvimento da modalidade ou a conciliação (imprescindível, no seu entender) com os estudos.
Já referiu, no passado, que a Sara Oliveira era a sua referência na natação. Para o público menos informado, quais foram as características que “herdou” dessa admiração pela Sara, com quem já trabalhou?
Não posso dizer que herdei propriamente características, temos personalidades e percursos bastante diferentes. Eu olhava para a Sara como uma inspiração e sonhava poder chegar onde ela chegou. Fiz o meu caminho e tive a sorte de poder crescer e aprender muito ao competir com ela.
Embora mais dedicada ao desporto, continua no quinto ano de matrícula no curso de Bioengenharia no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), no Porto. Qual a importância de nunca ter deixado por completo os estudos?
Muita. Para mim os estudos são fundamentais, é importante ter uma formação, é mais uma ferramenta que vejo como sendo essencial para o crescimento como pessoa. Além disso, cria-me uma maior segurança para o futuro. A natação é temporária e, por isso, é importante termos sempre algo mais que nos permita, a qualquer momento, seguir outro caminho. Também o facto de ter algo que me permitisse tirar aquele foco, quase obsessivo, que nós nadadores temos que ter a partir de certo momento, é um fator positivo dos estudos. A minha prioridade é assumidamente a natação, mas sinto que foi uma mais valia nunca ter descuidado os estudos.
Até que ponto é que acha que o desporto universitário americano podia ser uma boa opção para si, onde poderia treinar/competir com alguns dos melhores atletas da sua idade, e continuar a estudar ao mesmo tempo sem abdicar de nenhuma das suas vocações?
Neste momento não vejo como opção, até mesmo pela minha idade e por já me encontrar na fase final da minha formação. Em 2014 e 2015, se não me engano, recebi uma ou duas propostas, mas nunca foi algo que chamou muito. Tenho tudo que preciso cá… com mais ou menos esforço, tudo se acaba por resolver e a estabilidade que tenho permite-me ultrapassar limites e sair da zona de conforto de outras formas. Quando ponho as diferentes opções na “balança”, sinto que fiz a opção certa. Nunca saberei realmente, claro, mas não me arrependo nada de ter feito todo o meu percurso em casa, com os meus maiores apoios sempre por perto, e no clube onde fui criada.
Para uma jovem nadadora, como é que surge a especialidade num determinado estilo? Já agora, porquê mariposa?
No meu caso, penso que desde cadete tinha um gosto especial pela mariposa, não sei bem porquê, até porque nunca fui tecnicamente muito forte.
Penso que talvez por gostar de desafios: a mariposa é por norma o último estilo a ser ensinado, considerado por muitos o estilo mais difícil. Talvez tenha sido isso que, quando era uma miúda, inconscientemente, me levou a gostar mais da mariposa. Mas só muito mais tarde é que o meu treino começou a especificar, até lá era mesmo só um gosto especial pelo estilo de mariposa e pelos desafios que esta técnica promove.
Que medidas podemos implementar para um crescimento dos portugueses sobre a natação?
A conciliação com os estudos é, sem dúvida, um ponto fundamental, que tem vindo a ser melhorado ao nível do ensino secundário, mas deveria ser também ao nível universitário, com mais apoio e compreensão. Os momentos de transição são sempre os mais críticos, e esses deveriam por isso ser os mais apoiados. Quando um atleta muda de escalão, por exemplo, existe uma diferença muito grande na exigência entre ser um bom júnior e um bom sénior, e essa mudança brusca, que coincide muitas vezes com uma mudança académica também, deve ser mais apoiada para permitir que haja uma maior longevidade das carreiras. Além disso, a própria federação tem vindo a fazer um trabalho incrível, que é demonstrado nos resultados que têm sido obtidos de forma global, mas tem o foco todo nos atletas. Acho que é importante também valorizar e motivar quem trabalha connosco nas mais diversas áreas (médicos, fisioterapeutas, psicólogos, …), porque sem esse apoio fica muito difícil chegar mais longe, e é importante sentir que quem trabalha connosco também se sente recompensado pelo trabalho feito.
Como é que acha que um desporto com tanta prática nas crianças, tenha dificuldades em transferir esse interesse para a prática competitiva e formação de atletas?
A natação é um desporto muito exigente! A partir de certo ponto, estamos a lutar por centésimas de segundo e tudo conta, temos que ter a nossa vida em função do nosso desporto. Para isto acontecer é preciso muita motivação, uma paixão pela modalidade e, mais que tudo isso, apoios, porque são muito muito poucos os nadadores que são profissionais, e o risco de falhar é muito grande… por vezes falta segurança para poder arriscar e acaba por se optar por seguir outros caminhos.
No ano de 2018, superou todas as expectativas, com recordes atrás de recordes, pessoais e até nacionais. Quais as expectativas para 2019?
2018 foi um ano que nunca sairá da minha memória. Mas, no fundo, vejo como um ano da reviravolta, em que o trabalho de muitos anos acabou por sair. Deixei de ficar no “quase” e consegui concretizar. O trabalho continua e estes resultados motivaram-me a trabalhar ainda mais para poder continuar a sonhar chegar ainda mais longe. Em 2019, as grandes competições são o Campeonato do Mundo em piscina longa, na Coreia do Sul, em Julho, e o Campeonato da Europa de piscina curta, em Glasgow (onde fui muito feliz em 2018), em Dezembro. Quero andar passo a passo e subir degrau a degrau,. Foi assim que trabalhei em 2018 e é assim que quero continuar.
Depois do 6º lugar nos 200m mariposa no Mundial, sente que a presença nos Jogos Olímpicos está cada vez mais perto?
Na época passada nadei duas vezes a baixo do mínimo A exigido para os Jogos Olímpicos. Em Março, inicia o período de apuramento e, por isso, a partir daí, todas as oportunidades que tiver, irei aproveitá-las para tentar voltar a nadar a baixo do mínimo exigido, garantindo o apuramento. Como disse, vejo cada momento como um passo. Os Jogos Olímpicos são o culminar de todo o processo, mas quero mesmo desfrutar do caminho até lá, e preparar-me para primeiro chegar lá. Depois de lá estar, chegar o mais longe possível. Sabendo que todos os que lá estamos trabalhamos para isso, o meu único foco é o meu trabalho e o meu resultado que, se tudo correr como planeado, será positivo.