Portugal poderá enfrentar problemas ambientais graves, após os incêndios do verão passado. Os especialistas consideram que é urgente implementar medidas para evitar a contaminação das águas e dos solos, mas também acionar meios de prevenção que evitem novas catástrofes
O ano de 2017 foi marcado por perdas humanas e destruição de biodiversidade naquele que é considerado o principal pulmão verde do País. Mais de 20 municípios foram fustigados, com maior calamidade em Pedrógão Grande, onde se registaram 67 vítimas mortais. As imagens da tragédia ainda hoje permanecem na memória. Ao incêndio de Pedrógão Grande sucederam outros, alguns com igual consternação como aconteceu nos fogos de 15 de outubro, que ainda foram mais excessivos em área ardida e concelhos afetados. No combate a estes fogos, estiveram envolvidos mais de mil operacionais de todos os distritos.
A situação de calamidade repetida em cada ano levanta a questão: O que está por trás dos fogos que deflagram no País, sempre que as temperaturas sobem? A falta de vigilância florestal, as queimadas e a falta de limpeza dos terrenos são apontados pelos especialistas como os principais aliados da primeira chama, mas existem outros fatores que alimentam a combustão. Como esclarece Luísa Fernanda Nunes, engenheira florestal e professora do Instituto Politécnico de Castelo Branco “o eucalipto é uma espécie que domina na hora dos incêndios. Ocupa cerca de 3,2 milhões de hectares do território nacional e é uma das grandes preocupações no verão. Por ser uma madeira que arde com facilidade faz com que os riscos de incêndio sejam elevados. A projeção das folhas e das cascas de eucalipto podem ser originárias de novos fogos que conseguem percorrer quilómetros”.
Após os incêndios, Portugal deparou-se com um problema ambiental sério. A seca extrema tem vindo a agravar o impacto dos incêndios. O verão registou-se seco e quente, prologando-se aos meses seguintes. Cerca de 81% do país estava em seca severa, sendo o passado mês de outubro o mais quente desde 1931. O cenário da seca é grave. “Os níveis de precipitação são muito baixos e, por vezes, não são o suficiente para salvaguardar os rios, que neste momento se encontram com pouco caudal”, comenta Isabel Castanheira e Silva, engenheira do solo e da água e professora no Instituto Politécnico de Castelo Branco. Os números são alarmantes. O rio Douro encontra-se a 29,8% da sua capacidade total e o rio Minho a 38,6%, de acordo com a informação disponibilizada no site do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). O Governo apela à população para economizar água, medidas que visam evitar que a situação de seca se agrave. As barragens estão abaixo do nível que são capazes de suportar. A necessidade de abastecer certas regiões com água levou a que, em novembro, se desse início às operações de abastecimento nas zonas mais afetadas pela seca.
A desflorestação massiva levou à perda da biodiversidade. Os incêndios provocaram a destruição do solo e do coberto vegetal. Muita da vegetação que existia nas regiões afetadas pode vir a extinguir-se. As zonas florestais da região Centro resumem-se a cinzas e restos daquilo que antes era verde e saudável. Isabel Castanheira e Silva sublinha que “os solos encontram-se erosivos e desprotegidos, deixando, por isso, de ser bons espaços para a agricultura. Estes são um meio de subsistência de muitas famílias nas zonas rurais, fazendo-as apostarem na monocultura.”
A erosão dos solos tem sido o maior problema que tem vindo a preocupar os especialistas. Mais de 500 mil hectares encontram-se suscetíveis a ações mais agressivas como a chuva e o vento, causando o empobrecimento dos mesmos e arrastando as cinzas para as linhas de água, de forma a contaminá-las. “As zonas de maior risco necessitam de uma urgente intervenção. A contaminação, causada pelas chuvas, levou a que os rios e albufeiras fossem infetados. Sendo o caso do rio Zêzere e das ribeiras afluentes”, revela a engenheira Isabel Castanheira e Silva.
Em causa está o concelho Marinha Grande do distrito de Leiria, na qual a Câmara Municipal alerta a população para as águas contaminadas, interrompendo o abastecimento de água da rede pública. Esta preocupação estende-se a outros distritos onde também foram atingidos pelas chamas. É o exemplo de Penacova, que é fornecedor de águas engarrafadas.
O impacto dos incêndios não afeta apenas o solo e as águas. A qualidade do ar e o aumento dos níveis de dióxido de carbono também são consequências negativas para o ambiente. As emissões dos gases, ricos em dióxido de carbono, são potencialmente poluentes, contribuindo para o efeito de estufa. Para além disto, conduzem a futuros problemas de saúde para as populações como problemas respiratórios.
Políticas de intervenção
Prevenção é a palavra de ordem estipulada agora pelo Governo. O objetivo principal é pôr fim aos incêndios rurais que ocorrem todos os anos e apostar na formação. Jorge Simão, bombeiro voluntário, considera que “é importante o investimento na educação preventiva. Essa educação deve ser realizada nas escolas e em casa para que todos os cidadãos tenham consciência dos impactos que os incêndios causam no meio ambiente. Já que pequenas atitudes podem deflagrar num grande incêndio”.
Atuar com mais eficácia e preparar a Proteção Civil para as diferentes adversidades são políticas de intervenção que o Governo pretende implementar para que esses objetivos sejam cumpridos, investindo na formação das diversas matérias e numa melhor gestão de fogos. Está igualmente previsto a criação de um programa de reforço do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), cuja missão é a de criar unidades que ajudem na reflorestação e combate aos incêndios. O papel das forças armadas também irá ser reforçado na questão do apoio de emergência, assim como a sua presença antes, durante os fogos e na fase de rescaldo. Estas são algumas das onze medidas comunicadas por António Costa comunicou, após uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros.