A comunicação nem sempre foi a primeira opção, mas Ana Rita Rodrigues tem hoje a certeza que o seu caminho não poderia ser outro. Aos 24 anos e com um percurso notável na gestão de conteúdos digitais da SIC, revela como surgiram todas as oportunidades nesta área e como é trabalhar nos bastidores de várias produções televisivas em Portugal.
Licenciada em Comunicação e Multimédia pela Universidade Lusíada de Lisboa, estagiou na SIC, em 2018. Sempre teve o objetivo de estagiar em televisão?
As opções de estágio que me foram apresentadas no final da licenciatura não correspondiam às minhas expectativas. Quando fui para o mestrado na Universidade Nova de Lisboa, consegui o meu estágio, uma vez que eles têm acordos com várias empresas. Trabalhar em televisão sempre foi um bichinho. Lembro-me de ser pequenina e quando era questionada sobre o que queria fazer no futuro, dizia sempre que queria ser jornalista da RTP (risos). Entretanto, achei que queria seguir ciências e acabei por me interessar por psicologia. Até ao 12º sempre considerei que era o que iria seguir.
Acabei por ficar mais um ano no secundário, uma vez que o meu exame de Matemática não correu bem. Questionei-me se queria mesmo psicologia, uma vez que não me via num gabinete das 9h00 às 17h00 a atender pessoas. Toda a minha vida ouvi as pessoas dizerem que tinha imenso jeito para comunicar e comecei a refletir se a comunicação não seria mesmo a minha vocação.
Tenho um primo que trabalha em televisão e desde sempre conversei com ele sobre os bastidores dos programas. Portanto, acabei por crescer com este outro lado da televisão, o que acho que fez com que o meu bichinho pela comunicação crescesse. Quando chegou a altura de decidir, foi todo um culminar de ingredientes dentro de uma liquidificadora e o resultado final não podia ser outro.
Não ia com muitas expectativas, o meu estágio era mais a parte de escritório, ou seja, cortávamos vídeos de programas para o site e divulgávamos nas redes sociais, o que é um trabalho diferente do meu atual. Naquela altura, o estágio era muito canalizado para os canais temáticos. Com a chegada da Cristina Ferreira à SIC e com o desenvolvimento do digital, o papel do estagiário tornou-se, de certa forma, igual aos que já lá trabalhavam. Começámos a trabalhar com programas com mais visibilidade e passei a ter um papel que não esperei ter. Superou as minhas expectativas nesse sentido e pelas pessoas, uma vez que sempre ouvi dizer que era um meio muito competitivo, mas não senti isso. Desde o primeiro dia, fui muito bem recebida tanto pelo departamento onde estive como pelos restantes.
“A sorte de uns, por vezes, também é de outros”
Iniciou o estágio em dezembro de 2018 e terminou em junho de 2019. Foi ainda durante esse período que começou a trabalhar aos fins de semana na SIC, em maio de 2019. Como é que surgiu esta oportunidade e como conseguiu gerir o tempo, uma vez que ainda estava a estagiar?
A sorte de uns, por vezes, também é a de outros. Tinha sido contratada uma pessoa para fazer o acompanhamento do programa “Olha o Baião” e dos “Casados à Primeira Vista”, mas a rapariga que tinha essa função ambicionava trabalhar em jornalismo e surgiu essa oportunidade em maio. Foi nessa altura que ficou essa vaga. A sorte dela em seguir o seu sonho foi a minha sorte de começar a trabalhar aos fins de semana. A minha função era exatamente a mesma, mas aos dias de semana, tinha que acabar o estágio, ou seja, estava sete dias por semana na SIC (risos). Acabou por não ser tão desgastante, uma vez que durante a semana, não tinha sempre as mesmas funções, nem a mesma rotina. Aos dias de semana, era mais rotineiro, mas fazia-se bem.
Uma vez que foi convidada para trabalhar na SIC quando ainda não tinha terminado o estágio, considera-se um caso de sucesso? O que acha que a distinguiu de tantos outros estagiários?
Houve três fatores: as pessoas que por lá tinham passado antes, porque se fosse só mais uma dentro de um padrão não me tinha distinguido assim tanto. O fator que mais me diferenciou dos outros foi a disponibilidade. Sempre que me propunham alguma tarefa, nunca disse que não, mesmo que tivesse que mudar alguma coisa da minha vida pessoal. A identidade empregadora vê que estamos empenhados, chega a um ponto em que acabará por nos recompensar. O terceiro fator foi sorte, pois começaram a dar uma maior importância ao digital. Antes da troca da Cristina para a SIC, o digital não tinha tanto peso, mas se há algo que ela sabe é alimentar o digital. No nosso departamento, implementou o querer desenvolver e chegar mais além com o digital.
Iniciou o percurso profissional na SIC, mas não no programa “Casa Feliz”. Sendo esta a primeira entrevista, consegue revelar em que outros projetos participou?
Durante o estágio e na altura que trabalhava ao fim de semana, alimentava o site e as redes sociais com conteúdos dos programas que eram exibidos na estação. Fazia todos os programas que estavam ligados ao entretenimento, como por exemplo o “Olhó Baião”, o “Alta Definição”, etc. No início de 2020, surgiu a proposta de uma segunda temporada de um programa da SIC Mulher, o “Quero Arrumar”, antes apresentado por Maria Botelho Moniz e nesta última temporada por Ana Marques. Como estava só a trabalhar aos fins de semana, os meus chefes propuseram-me o acompanhamento desse programa, ou seja, ia deixar de fazer o trabalho de escritório para me dedicar ao de terreno. Basicamente, tinha que recolher os conteúdos que à data da emissão do programa iriam ser lançados nas redes. Já adorava o programa, consumo bastante o IKEA e disse-lhes que, para primeiro projeto, estava muito feliz porque tinha tudo a ver comigo.
Gravámos o primeiro episódio e, passados três dias, parou tudo devido à pandemia. Ficámos aqueles meses todos em casa, com tudo parado. Voltei a trabalhar apenas ao fins de semana até que perceberam que a covid-19 não ia passar. Tínhamos que ajustar e adaptar a forma de fazer televisão à nova realidade. Assim, regressei para esse projeto. Entretanto, começou o programa “O Noivo É que Sabe” e também fiz parte da equipa que acompanhou as gravações, numa base sempre de recolher conteúdos para serem publicados à data da emissão.
A Cristina voltou para a TVI e, no fundo, o meu percurso está muito marcado por ela, apesar de nunca lhe ter dito mais do que um bom dia. Ela troca e com ela sai muita gente, nomeadamente quem a ajuda a gerir as redes. E surge assim uma nova oportunidade. Estava nas gravações do programa “O Noivo É que Sabe” e a minha chefe ligou-me e apresentou-me a proposta. A minha preocupação foi logo pensar no que ia fazer com este programa, uma vez que também já tinha confiança suficiente com a Cláudia Vieira para trabalhar com ela nos conteúdos necessários. Não os queria abandonar assim. Disse-me que, no momento, a prioridade era o programa “Casa Feliz” e que eu era a pessoa indicada, que merecia esta oportunidade e não pensei duas vezes. Comecei a trabalhar para o programa, não precisei de período de adaptação e fui muito bem recebida. Começámos a gravar o “Patrões Fora”, estreamos o “Estamos em Casa” e o “Regresso ao Futuro”. Atualmente, ocupo-me também do “Alô Portugal”. De uma proposta surgiram tantas outras oportunidades.
Trabalha na gestão de conteúdos digitais de programas de entretenimento. Para quem não está familiarizado com o cargo, pode explicar em que consistem as suas funções?
Na prática, é estar onde o programa acontece e criar conteúdos para todas as redes. Seja publicar fotos que o fotógrafo me envia, sejam imagens que tiro para publicar tanto nas histórias como no feed. Durante a tarde, encarrego-me dos alinhamentos no Facebook para irem saindo os vídeos com entrevistas ou momentos musicais que estiveram no programa. Nos programas gravados, é exatamente o mesmo, mas não publico na hora.
“O programa acontece antes de entrar no ar. Há muita gente envolvida.”
Por norma, quem dá a cara por uma estação de televisão são os jornalistas e apresentadores, mas existe sempre uma equipa por trás de todas as emissões. Quais são as suas tarefas antes do programa começar e durante a emissão?
Por volta das 17 horas, recebo o alinhamento dos programas do dia seguinte e “passo os olhos” para perceber se há algum tema que precise de mais atenção. Quando há momento publicitário, por norma, temos que falar com os comerciais para perceber que foto é que querem, o que tem de ser tratado com alguma antecedência porque a marca tem de aprovar. Se vir que há um momento desses, trato de agilizar esse processo para não ficar tudo em cima da hora. No dia seguinte, temos reunião com toda a equipa do som, luzes, realizador, anotadora, ou seja, toda a gente que faz parte do programa. Depois, revemos todo o alinhamento ou inserimos possíveis alterações. De seguida, recolho os @ para poder marcar os convidados quando chegar o momento de ‘postar’ as histórias ou os posts. O programa acontece antes de entrar no ar. Há muita gente envolvida. O mais visível é o rosto dos apresentadores, mas diria que 70% do ponto-chave é tudo o que está por trás. É importante que estejamos todos síncronos para que o produto final que entregamos ao espectador seja incrível.
Costuma analisar as críticas construtivas que são deixadas pelo público, nas redes sociais? Já alguma vez alguém contribuiu para inserir mudanças no programa?
A Cristiana, que é a responsável pelos conteúdos, disse-me para lhe comunicar se houver alguma temática que vá gerar mais comentários, tanto positivos como negativos. E já aconteceu dizer que aquela temática não tinha sido bem aceite nas redes. O impacto na emissão e nas redes sociais é muito diferente, o público é outro. Contudo, de momento, não me recordo de nenhum comentário que tenha exercido grande impacto na mudança do programa. Por norma, as pessoas estão em dois pólos opostos: ou dizem que gostaram imenso ou que detestaram.
O mundo da televisão pode ser muito competitivo, mas referiu que nunca sentiu qualquer rivalidade e o seu Instagram mostra um bom ambiente de bastidores.
Quando se trata de apresentadores ou atores, essa competitividade poderá existir. Quando falamos em equipa técnica, já não tanto. No fundo, essa competitividade vem da gestão dos egos e das expectativas. Quem não está à frente das câmaras não tem, na maioria, essa gestão de ego assim tão complicada. Nunca me senti “ameaçada”. Na nossa equipa, sinto que ficamos todos felizes pelas conquistas uns dos outros e sempre senti isso. Quando houve a oportunidade de ir para a “Casa Feliz”, tanto as pessoas mais próximas da minha equipa como aquelas com quem não me dou ao ponto de ir beber café apresentaram-me os parabéns e disseram que o meu esforço merecia ser valorizado. Nunca senti essa competitividade extrema de que tanto se fala que existe na televisão.
No seu Instagram partilha um pouco da sua vida de estudante, uma vez que está na pós-graduação em Marketing Digital. Como é ser trabalhadora-estudante?
Não é nada fácil. Durante a minha licenciatura, fui só estudante e tive colegas que trabalhavam e sempre os ouvi queixarem-se que era difícil. Quando fui para o mestrado – de momento estou com a matrícula congelada – e estagiava com um horário das 9 horas às 17 horas, percebi que o difícil não é a gestão dos horários, mas passar um dia inteiro a trabalhar e depois ainda ir para as aulas e estar com atenção. É uma gestão que se vai aprendendo. Nesta época de exames, tive uma prova a uma segunda-feira e a uma quarta. Por exemplo, na terça-feira, estive a gravar até à meia-noite. Num dia tive exame, no outro fui trabalhar das 8h30 até à meia-noite e, no outro dia, já estava lá novamente às 8h30 para depois às 19h00 ainda ter um exame. É uma gestão que nem sempre é fácil. Às vezes, sinto mesmo que preciso de acalmar e que alguma coisa vai ter que ficar “menos bem feita”.
Tendo em conta que o seu trabalho está associado às novas tecnologias, sente que precisa de estar em constante atualização de forma a perceber o que está na moda?
Sem dúvida. Um exemplo disso foi agora com a pandemia. Sentia imensa necessidade de absorver conteúdo e foi talvez por isso que depois me inscrevi na pós-graduação porque precisava de novas formas de ver a comunicação no meio digital. Todos os meses surge algo novo, seja uma atualização, seja uma nova rede social, como é o caso do TikTok. Durante a quarentena, lembro-me de questionar o porquê de o TikTok ‘bombar’, de repente. Então, fui à Internet e encontrei um livro que explicava como tudo funcionava e dediquei-me a tentar perceber o motivo pelo qual os conteúdos no Tiktok passaram a ‘bombar’ de forma absurda. Há uma constante procura de conhecimento.