O amor pelo Fado venceu o encanto pela Psicologia, embora esta não tenha saído totalmente da sua vida. É através dos seus temas que transmite positivismo e tenta mudar a vida de quem a ouve. Cuca Roseta, apaixonada por Amália, é uma das mais marcantes vozes deste “novo” fado: mais alegre e positivo.
Cuca Roseta é um dos nomes mais sonantes da nova geração de fadistas. Aos 35 anos, mostra como o fado pode chegar a todos e é isso que prova quando canta. No concerto na Fundação Oriente, em Lisboa, entregou-se de corpo e alma para uma plateia completa. A sua voz arrebatadora surge sem acompanhamento musical. Não é necessário a fadista estar em palco para captar a atenção do público, basta ouvir a sua voz e sentir a sua paixão enorme pelo fado através das suas canções. E assim foi, do início ao fim do espetáculo: a voz de Cuca apoderou-se daquele pequeno espaço e as suas histórias tocaram o coração de cada pessoa que a aplaudia ao fim de cada canção. No final, dentro de um carro, ao contrário do previsto, falou-nos sobre o caminho até ao Fado e como vê o futuro daquele que já é Património da Humanidade.
“O fado é o espelho de quem o canta”
Numa entrevista à TVI24 disse: “O fado foi uma casa que nunca me tinha interessado, que eu não conhecia.” A sua família não tinha qualquer ligação ao fado e, aos 18 anos, a Cuca vai pela primeira vez a uma casa de Fados, lugar que passa a visitar frequentemente. Nessa altura, qual foi a reação da sua família e amigos?
Foi muito interessante. Eu não cresci num bairro típico de Lisboa, cresci no Estoril perto da praia. Os meus pais sempre ouviram música clássica, e eu não ouvia o fado desde sempre. Foi curioso quando os meus amigos, que também não ouviam fado, se aperceberam que eu tinha esta paixão e que tinha decidido ir todas as noites para a Casa de Fados cantar. Na minha família, como todos cantam muito bem, nunca ninguém ligou muito quando eu disse que tinha começado a cantar num Clube de Fados. Foi muito engraçado quando os convidei e eles foram lá. Ficaram muito surpreendidos.
Quando estava a tirar o curso de Psicologia, não olhava para o Fado como uma possível profissão. Foi tendo várias propostas de editores e nunca aceitou nenhuma, até aparecer Gustavo Santaolalla e gravar com ele o seu primeiro disco. Acha que, se o produtor argentino não tivesse “aparecido na sua vida”, seria, hoje, uma fadista de profissão?
Não sei… É uma pergunta interessante. Na altura, estava a tirar o curso de Psicologia, que adorava. Cantava como hobby e era muito feliz assim. Dizia: “não preciso de dedicar a minha vida ao Fado”. Cantava todos os dias e isso bastava. O Gustavo Santaolalla era um dos maiores produtores do Mundo e tinha um projeto para mim: viajar pelo Mundo a cantar fado. Foi mesmo ele que me perguntou: “Cuca, queres fazer o quê?”, porque isso não era compatível com a Psicologia. Por isso, não sei se não conhecesse o Gustavo se iria parar ao Fado. Acredito que sim, porque acho que temos um caminho na nossa vida, mas também acho que temos muito de destino. Acho que nasci mesmo para cantar o fado, a vida levou-me até ao Fado. De uma forma ou de outra, acho que era onde iria parar.
É considerada uma das grandes vozes da nova geração de fadistas. Como define este conceito de “nova geração de fadistas”?
É um conceito muito interessante. Acho que a Amália Rodrigues e outros fadistas deixaram uma herança enorme a esta geração. E é uma geração muito rica porque somos muitos, cada vez mais, e todos muito diferentes. Isso torna-se muito interessante, porque chamamos muitas pessoas novas ao Fado. Por exemplo, tenho muitas pessoas que vêm ter comigo e dizem: “Nunca gostei de fado, passei a gostar de fado consigo a cantar.” Acredito que todos os fadistas da nova geração também tenham. No fundo, as pessoas identificam-se mais com o facto de o nosso fado ser mais leve. O fado é a nossa música que faz sucesso no Mundo inteiro e, por isso, tem que se manter vivo nesta geração de jovens que são quem vai dar seguimento à tradição.
“O Fado nasce em Portugal, mas é de Portugal para o Mundo”
Quais são as mudanças mais visíveis face ao fado tradicional?
Acho que as mudanças são técnicas. Todos os fadistas agora usam a percussão. No tempo da Amália, o fado era só guitarra portuguesa e viola e agora surgiu a percussão. É engraçado porque o fado se mantém exatamente igual, mas com o ritmo atenuado. O fado sempre teve muito ritmo, apesar de as pessoas dizerem que o fado é triste, sempre teve um lado muito alegre e festivo. O disco “Riû” mostra um lado mais leve da canção portuguesa. Nas suas palavras, este disco tem como ideia “olhar o fado de uma forma positiva, olhar as adversidades da vida de uma forma positiva”.
Acredita que o fado muda a vida de quem o ouve?
Acredito que o fado muda a vida de quem o ouve, assim como a arte no geral muda a vida de quem a observa ou de quem a sente. A arte emociona. E o fado é uma música que facilmente emociona porque é muito intensa, muito profunda e essa é a sua finalidade. Acaba por conseguir tocar as pessoas.
Apesar de não ter prosseguido a carreira em Psicologia, gosta de acreditar que as suas letras influenciam as pessoas a viver de forma mais positiva, conjugando assim duas paixões numa só: a Psicologia através do fado?
Sim, as minhas letras são muito positivas porque sou muito positiva. O fado é o espelho de quem o canta. Apesar de ser uma pessoa que gosta muito de sentimentos e de emoções, sou uma pessoa com muita esperança. Acho que todos passamos por adversidades na vida, mas é importante sabermos seguir em frente. Essa é a mensagem que passo nas minhas letras, e acho que o fado e a Psicologia estão intimamente ligados nesse sentido. No fundo, a Psicologia é o estudo do comportamento humano e o fado baseia-se nesse mesmo comportamento. Acho que faz todo o sentido ter ido estudar Psicologia e, depois, ter vindo parar ao Fado.
Numa entrevista afirmou que “somos portugueses, mas não conhecemos a nossa própria música”. Sente que não é dado o devido valor ao Fado?
Acho que já se começa a dar mais valor ao Fado, o que é muito bom e é muito importante ver este lado positivo, mas acho que se podia dar mais. Tenho o sonho de ver nos portugueses a paixão e o respeito que existe lá fora pelo Fado, daí se ter tornado Património da Humanidade. Realmente o Fado nasce em Portugal, mas é de Portugal para o Mundo.
“É o nosso tesouro e o que nos leva ao Mundo inteiro”
Considera que o fado que é cantado atualmente, com essa visão mais positiva e não tão melancólica, possa “agarrar” mais as novas gerações ou que, por fugir ao tradicional, possa levar a que este caia no esquecimento?
Acho que é algo natural as novas gerações já não quererem tanto cantar a tristeza. O fado é um retrato da nossa sociedade e anda sempre a par da experiência que vivemos. O fado nasceu nos bairros mais pobres de Lisboa. Hoje em dia, passou das classes mais baixas para as mais altas. Acho que chegou a toda a gente e é assim que tem que ser. Com isto, o fado começa a ser mais alegre, adaptado aos tempos de hoje, apesar da crise. Cantamos aquilo que estamos a viver. E, realmente, se os mais velhos cantam letras mais densas, nós, sendo mais jovens, também gostamos de cantar coisas mais positivas, mais suaves, mais leves.
Então não acredita que o Fado vá cair no esquecimento?
Não, acho que não vai cair no esquecimento. É a nossa música, vai continuar sempre a existir e vai-se reinventar, respeitando sempre a mesma raiz.
É a Cuca que escreve grande parte das letras que canta, embora também use poemas muito conhecidos, como os de Florbela Espanca. O facto de escrever as próprias letras faz com que passe os sentimentos de forma mais natural ou é fácil adaptar-se a outros poemas e absorver as emoções que estes passam?
É mais fácil escrever, compor e cantar aquilo que é nosso. Porque o fado é algo que está ligado à verdade e não há nada mais verdadeiro do que cantarmos uma história que é nossa, seja de forma musical ou escrita. Identifico-me muito com a Florbela Espanca, é das minhas poetizas preferidas. Encontrei alguns dos seus poemas e identifiquei-me muito com algumas vivências que ela tinha e, por isso, escolhi-os a dedo. E pensava: “Estas palavras podiam ser minhas.” Mas, realmente, noto que quando canto as minhas músicas, entrego-me de uma forma diferente. Não é algo que o faça pensado, é algo que acontece. As pessoas sentem isso e pedem-me constantemente para compor mais, porque dizem que são as músicas que mais lhes tocam.
Vai com muita frequência cantar a outros países. Como é que as pessoas no estrangeiro encaram o fado?
Vamos cantar a muitos países de todo o Mundo. É fantástica a maneira como as pessoas lá fora reagem ao fado e como o respeitam. Vemos pessoas a chorar e a emocionarem-se com uma música da qual não entendem a letra… Já vimos de tudo, consoante as diferentes culturas. De facto, o fado chega a toda a gente. É como se não houvesse fronteiras, como se não houvesse países, como se não houvesse língua. É como se fosse uma música da alma. Não há nada mais gratificante do que presenciar isto… Somos um País muito pequenino, mas que tem uma música que é um tesouro. É o nosso tesouro e o que nos leva ao Mundo inteiro.
Então é mesmo possível as pessoas sentirem as emoções sem entenderem o significado das letras?
É mesmo possível, mas o intérprete tem que estar a contar a história. O segredo do fado é a declamação de poesia, e esta poesia tem que falar sobre a nossa vida. Quanto mais verdadeiro for, quanto mais o fadista se emocionar, mais vai emocionar os outros, até mesmo aqueles que não percebem a letra. Porque passa esta emoção. Porque a vive de uma forma verdadeira e, desta maneira, consegue tocar os outros.
A paixão por Amália Rodrigues
É uma grande admiradora da Amália Rodrigues. Se a fadista pudesse ouvir apenas uma das suas músicas, qual quereria que ouvisse?
Isso é muito difícil… Gosto muito da Amália, sigo muito o seu trabalho, já li todos os seus livros e entrevistas. Não a conheci pessoalmente, mas conheço-a muito bem daquilo que vi e ouvi. Acho que a Amália poderia gostar da minha música “Tanto”, que é uma música muito romântica, muito feminina, que fala de um amor para sempre. É uma música que tem uns valores fortes e envolve um lado de fantasia que acho que a Amália também tinha, um lado mais menina, mais ingénuo.
Como acha que a Amália iria olhar para o fado de agora, em comparação com o do seu tempo?
Acho que a Amália ia gostar muito, porque ela sempre esteve à frente no tempo. A Amália correu todos os riscos e mais alguns, e se não fossem os riscos que ela correu o fado nunca seria conhecido no Mundo. Porque foi ela que o levou ao mundo. Ela ousou sair do tradicional e levar ao fado grandes poetas, dar ao fado os refrões. Tenho a certeza que ela iria respeitar e gostar muito deste fado de agora. Até porque era uma pessoa extremamente aberta, inteligente e sensível.