Distingue-se de todos os outros pelo número de refugiados que emprega e pelo tipo de comida que serve. Em Lisboa, o Mezze acolhe 16 sírios, os seus sonhos, esperanças e histórias de vida. O UALMedia foi descobrir algumas.
Ao passar alguns toldos pretos, numa rua estreita junto ao renovado Mercado de Arroios, no centro da grande Lisboa, que um cheirinho incomum a comida chama a atenção. É a porta do Mezze, que significa “refeição de partilha”.
Apesar da decoração bastante simples, este podia ser um restaurante como outro qualquer, apenas mais um dos que são inaugurados diariamente na capital do nosso país. Porém, este é muito particular: abriu em Setembro de 2017, para dar trabalho a 16 dos cerca de mil refugiados sírios que Portugal acolheu.
Rafat é um deles. Vai-se dirigindo às mesas para recolher os pedidos que, de seguida, transmite “como ordens” em árabe às quatro mulheres que se encontram na cozinha: Fatem, Reem e duas Fátimas.
Veio com o irmão mais novo, a mãe, as irmãs e maridos delas. Para trás só ficou o pai que morreu na guerra e o irmão mais velho que ainda está na Turquia. “Antes de vir para cá, estive no Egipto durante três anos. Lá aprendi a costurar, porque era necessário ganhar dinheiro. O meu cunhado era costureiro e ajudou-me. Antes de trabalhar no Mezze, trabalhei num restaurante de Kebabs no Dolce Vita, na Amadora”, conta Rafat Dabah, 22 anos.
A grande mesa corrida que se encontra no centro do restaurante transmite a “ideia de partilha, com o objectivo de reunir um grande aglomerado de pessoas para se conhecerem umas às outras e estabelecerem contacto”, explica Rafat.
Gente de várias nacionalidades vem a este estabelecimento: do lado direito, italianos e portugueses; do lado esquerdo, um casal grego. “É um local bastante reconhecido a nível internacional. Foi uma amiga minha que mora no estrangeiro que me falou neste restaurante”, diz Bruno Andrade, 31 anos, engenheiro mecânico, afirmando que já não é a primeira vez que cá vem.
Os clientes, por norma, voltam sempre ao restaurante, nunca se ficam pela “primeira e única vez”.
Faltam 15 minutos para as 13h, uns minutos depois da hora de abertura. Com um sorriso na cara e um simpático “Malahaba, o que deseja?” é assim que Adam, 25 anos, se dirige as mesas.
A manhã corre depressa, filas enormes de gente à porta, às mesas cheias e a cozinha a todo o vapor. Aqui, respira-se a cultura do país. O tempo é escasso e as pausas convertem-se em horas de trabalho. Fátima Dabah, 45 anos, cozinheira, explica em árabe, que “os pratos que têm mais saída são os de hummus, kibbehs, tabbouleh e fathoush “. Quem traduz é Rafat, o único que percebe também português. Estes pratos são servidos com muitos legumes e muitas sementes. Com um sabor agridoce que um sumo de tamarindo corta o efeito.
Ouve-se música calma, típica do Médio Oriente.
Integração dos refugiados em Portugal
O Mezze é um projecto direccionado a mulheres e jovens, “grupos de risco”, pois a maioria não tem experiência profissional. “Eu já tinha uma profissão, mas a minha mãe e as minhas irmãs nunca trabalharam”, conta Rafat. “Sempre fomos donas de casa. O Mezze é o meu primeiro emprego”, diz Fátima Dabah, com a ajuda do nosso intérprete, Rafat.
Voltar para Síria ou para o Egipto, onde esteve durante um ano, é algo que não faz parte dos projetos de Rafat, “O Egipto é lindo, mas a vida lá é muito difícil. Já abandonei tudo o que tinha lá, isso implicava começar do zero. Se eu estou bem em Portugal, não faz sentido mudar-me”, desabafa.
Abastece-se no Mercado de Arroios, uma vez que se encontra no mesmo edifício. Todos os vizinhos gostam desta “família” de refugiados sírios, receberam-nos de braços abertas, oferecendo ajuda para tudo o que lhes esteja ao alcance. “Gosto muito de Portugal, a meu ver é um país calmo. Já estive noutros países e não funciona como aqui. As pessoas são muito simpáticas e isso faz grande diferença para mim”, conta Rafat.
Os refugiados pretendem que se valorize o património que trazem, proporcionando a transmissão da sua cultura, que não é assim tão conhecida em Portugal. Trazem imensas lembranças da Síria e acham que a melhor forma de se integrarem/aproximarem é mostrando a sua gastronomia.
Portugal tenta ajudar os refugiados. Aqui é-lhes concedida habitação, o acesso à saúde, à educação, alimentação, acesso à aprendizagem do português e acesso de trabalho, principalmente para os adultos. “Estava ao balcão e o meu colega era espanhol, eu era o único que compreendia minimamente o português. O contacto com as pessoas sempre me ajudou imenso, mais do que o curso base que tirei durante um ano onde aprendia pequenas palavras como olá, bom dia, as letras e os números”, conta Rafat.
Despede-se com um “Shukran” (Obrigado) e diz para voltarmos sempre que quisermos.
Associação Pão a Pão
De início avançaram com debates, caterings, workshops, que começaram no Mercado de Santa Clara. Tinham o objectivo de perceber se os portugueses aderiam. “E adoraram”, diz Rafat, num tom emotivo. De seguida, fez-se um crowdfunding para se juntar dinheiro (15 mil euros) e abrir o restaurante. “Comecei com eles desde o mercado de Santa Clara até actualmente o Mezze”, afirma o jovem.
A Associação Pão a Pão foi fundada no final de março de 2016 com o objectivo de dar apoio aos refugiados e replicar o restaurante pelo país.
“A ideia surgiu de uma simples pergunta a Alaa, uma estudante síria de Arquitetura que está a viver em Portugal. Do que é que ela tinha mais saudades? Ela respondeu: «do pão»”, diz Francisca Gorjão Henriques, 46 anos, jornalista e licenciada em Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Lisboa.
Foi assim que alimentaram o sonho dos refugiados do Médio Oriente levando-os às suas raízes. “Só o pão não bastava, teve que se dar a refeição completa”, afirma Francisca, jornalista e directora da Associação Pão a Pão.